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10/01/2020 |
Conclusão do debate conjunto, na generalidade, do Orçamento do Estado para 2020 - DAR-I-022/1ª |
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Intervenção do Deputado José Luís Ferreira - Assembleia da República, 10 de janeiro de 2020
1ª Intervenção – pedido de esclarecimento
Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, não se pode dar um passo maior do que a perna. Creio que esta expressão não pertence a Fernando Pessoa e não sei quem é o autor, mas sei quem a ressuscitou.
Sr. Ministro, até posso sentir-me um pouco desconfortável ao discutir contas e números consigo, porque é um especialista nessa matéria, mas tenho muitas dúvidas quanto a certas medições que anda a fazer. Passo a explicar: em resposta a quem considera que este Orçamento do Estado podia ir mais longe nos salários, nas reformas e no investimento público, o Sr. Ministro diz que não se pode dar um passo maior do que a perna. Mas, nas minhas medições, no passo que o Governo se propõe a dar, neste Orçamento do Estado, ficam a sobrar 0,2 centímetros à perna. Portanto, parece-me que o passo podia ser, de facto, maior.
Por isso mesmo, desafio o Sr. Ministro a adicionar mais um «e», de «explicar», à sua coleção e a explicar-nos o porquê de ter afirmado que não se pode dar um passo maior do que a perna, quando estamos perante uma situação orçamental que aponta para um excedente de 0,2%. É que, Sr. Ministro, acho que os portugueses, no geral, também não entenderam muito bem essa sua medição.
Passando para um outro assunto, foi aqui abordada a questão da justiça fiscal, se bem que o Sr. Ministro não se referiu aos motivos. Era sobre isso que queria saber. Como deve calcular, nós olhámos com muita atenção tanto para o Programa do Governo como para o Orçamento do Estado e, quando procurámos comparar os dois documentos, percebemos que há matérias que, constando do Programa do Governo, não mereceram, contudo, qualquer referência nos documentos do Orçamento do Estado. Dessas matérias, pelo menos duas dizem respeito à justiça fiscal. Refiro-me, por um lado, à questão do englobamento obrigatório dos rendimentos e, por outro lado, ao acentuar da natureza progressiva do IRS, nomeadamente com a introdução ou com o aumento do número de escalões. Ora, no Orçamento do Estado, sobre o englobamento não há nada e os escalões continuam a ser os mesmos que eram antes.
Gostaria de saber, Sr. Ministro, quais foram os motivos que levaram o Governo a não contemplar já em 2020 estas duas importantes medidas em termos de justiça fiscal, que, recordo, constam do Programa do Governo. Bem sei que o Programa do Governo é para uma Legislatura, mas, se estão no Programa do Governo, é, certamente, porque o Governo as considera positivas. E se são positivas torna-se mais difícil compreender os motivos que levaram o Governo a deixá-las de fora em 2020. Por isso, pergunto que motivos levam o Governo a deixar de fora estas medidas que nós também consideramos importantes. O Sr. Ministro já disse há pouco que seriam para 2021, mas por que razão será só em 2021?
Para terminar, Sr. Ministro, fazendo agora a sua estreia nas áreas ambientais, uma vez que acabou por herdar a pasta do amianto, pergunto se é desta que vamos ter este grave problema — que não é só ambiental, é também um problema de saúde pública — completamente resolvido.
Queria também perguntar-lhe, Sr. Ministro, se acha que as medidas e os instrumentos previstos no Orçamento do Estado são suficientes para dar resposta a esta questão que tanto preocupa os portugueses.
2ª Intervenção - encerramento
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Durante a discussão do Orçamento, discussão essa que agora estamos a encerrar, ouvimos falar vezes sem conta de continuidade, ou seja, a continuidade deste Orçamento do Estado em relação aos últimos quatro. Mas, por mais vezes que a expressão seja repetida, há, contudo, um elemento a que não é possível fugir.
Há, neste Orçamento, um nítido e claro abrandamento no caminho traçado nos últimos Orçamentos do Estado. E esse abrandamento é visível, nomeadamente, na proposta para os aumentos salariais dos trabalhadores da Administração Pública, que, recorde-se, estão há mais de uma década sem conhecer qualquer aumento; é visível na proposta para os aumentos das reformas e pensões, que continuam a ser caracterizadas por uma assustadora injustiça e que, por questões de ordem moral mas também por motivos de responsabilidade democrática, se impõe remover, sobretudo em tempos em que a economia dá sinais positivos; é visível no magro investimento nos serviços públicos; e é visível, por fim, na resposta frouxa ao desafio climático que temos pela frente.
Por isso mesmo, para Os Verdes, a tal continuidade deste Orçamento não se refere tanto ao seu conteúdo e às prioridades aí estabelecidas, mas, sim, à forma como o Governo continua a olhar para as imposições da União Europeia e para as contas do défice. É aqui que, de forma mais clara, sobressai a tal linha de continuidade, uma linha de obsessão que, infelizmente, continua a nortear as prioridades orçamentais do Governo do Partido Socialista e que, agora, neste Orçamento, tem a agravante de estarmos perante um cenário de excedente orçamental. Ou seja, havendo margem e disponibilidade financeira para uma real valorização dos salários e das pensões e para investir a sério nos serviços públicos, que, aliás, continuam pelas ruas da amargura, o Governo do Partido Socialista prefere ser o bom aluno e «fazer bonito» em Bruxelas em vez de dar resposta efetiva aos problemas do País e às expectativas dos portugueses, seja do ponto de vista salarial, seja do ponto de vista da qualidade dos serviços públicos. Estas são opções e prioridades do Governo do PS que não acompanhamos, como, de resto, sempre afirmámos.
A nosso ver, as tais contas não podem estar apenas certas com as imposições da União Europeia, têm de estar certas, em primeiro lugar, com os destinatários das políticas que se praticam, ou seja, com os portugueses, com a sua qualidade de vida e com os seus direitos.
Mas também é verdade que estamos perante um Orçamento do Estado que não promove recuos, face ao que se avançou nos últimos anos, ou seja, não vemos, neste Orçamento, o regresso da sobretaxa do IRS, o PEC (pagamento especial por conta) não é ressuscitado, mantém-se a redução dos preços dos passes sociais, as 40 horas de trabalho semanais não vão regressar, os feriados continuam a ser feriados, não há a previsão de despedimentos de trabalhadores da Administração Pública e respeita-se a autonomia do poder local democrático. Aliás, a este propósito, eu recordo que, nos Orçamentos do Governo do PSD/CDS-PP, havia sempre, invariavelmente, uma norma que impedia as câmaras municipais de contratarem trabalhadores, impunha-se que fosse só com autorização do Ministério das Finanças.
Ora, não havendo recuos face ao que se conseguiu, significa que o apagão que na anterior Legislatura foi feito a grande parte das medidas assumidas pelo Governo do PSD/CDS — recorde-se que essas medidas colocaram os portugueses praticamente a pão e água — ganha, cada vez mais, uma natureza definitiva e isso é bom, tanto para o País, como para os portugueses. Mas é preciso ir mais longe, porque nem tudo está recuperado, sobretudo, mas não só, face à dimensão dos estragos que o PSD e o CDS provocaram na qualidade de vida dos portugueses e na qualidade dos serviços públicos. Por outro lado, é preciso ir mais longe na resposta aos problemas que persistem no País e que os portugueses continuam a sentir, tanto do ponto de vista social, como do ponto de vista ambiental.
Embora reconhecendo que este Orçamento do Estado, tal como agora se apresenta, está longe de responder aos problemas mais graves com que o País se confronta e às expectativas legítimas dos portugueses de dar resposta às necessidades de investimento nos serviços públicos em geral e, em particular, a nível do Serviço Nacional de Saúde, a nível da educação, a nível da justiça e a nível dos transportes públicos, tal como está longe de dar a resposta que se impõe ao desafio climático que temos pela frente, Os Verdes decidiram-se pela abstenção, na fase da generalidade,…dando, assim, uma oportunidade ao Partido Socialista para refletir e para poder perceber as necessidades reais do País e dos portugueses, tanto do ponto de vista social, como do ponto de vista ambiental.
Mas que fique claro, Srs. Deputados, que esta abstenção, na generalidade, em nada compromete e em nada condiciona o sentido de voto de Os Verdes…no que diz respeito à votação final global do Orçamento do Estado, cuja avaliação será feita na devida altura.
Assim, abstemo-nos, na generalidade, mas não iremos abster-nos de apresentar, em sede de especialidade, um conjunto de propostas no sentido de transportar justiça social e equilíbrio ambiental para este Orçamento do Estado. São propostas centradas nos eixos que consideramos absolutamente fundamentais, nomeadamente o combate às alterações climáticas, a valorização do interior e o combate às assimetrias regionais, a justiça social e o reforço dos serviços públicos.
Mas isso é para a próxima semana. Para já, fica a oportunidade dada ao Partido Socialista para poder reavaliar as prioridades e para poder perceber as reais necessidades do País e dos portugueses.
É este e só este o sentido e o alcance da abstenção do Partido Ecologista «Os Verdes» na votação, na generalidade, do Orçamento do Estado para 2020.