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Intervenções na AR (escritas)
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06/03/2020
Debate de atualidade – Aeroporto do Montijo – DAR-I-033/1ª
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Os Verdes agendaram este debate sobre a construção do aeroporto do Montijo porque, depois de tudo o que conhecemos deste processo, fomos agora confrontados com notícias de que o Governo pondera alterar o Decreto-Lei n.º 186/2007, com o único propósito de passar por cima das câmaras municipais que deram parecer desfavorável.

Parece-nos, pois, que está mais do que justificada a atualidade deste debate. Um debate sobre um processo que fica marcado pela mais completa ausência do interesse público, desde logo porque quem escolheu a localização Montijo foi a concessionária dos aeroportos portugueses, controlada pelo grupo francês Vinci.

O Governo demitiu-se, assim, de uma importante decisão sobre uma infraestrutura com a importância e com a dimensão de um aeroporto e cujas consequências vão ser suportadas pelas populações e pelos nossos valores ambientais.

De facto, quando se coloca nas mãos do interesse privado a faculdade de escolher a localização de um aeroporto, não se pode esperar que essa escolha tenha obedecido a critérios onde o interesse público tenha prevalecido ou sequer tenha estado presente. Claro que não! Se foi a multinacional a escolher a localização, fê-lo em função dos seus próprios interesses.

Recorde-se, a este propósito, que o grupo económico que escolheu a localização do aeroporto também detém a concessão da exploração da Ponte Vasco da Gama, permitindo-lhe desta forma que, com o aeroporto no Montijo, esta multinacional fique a ganhar em duas frentes.

Fica, assim, claro que, quanto à localização, o interesse público ficou de fora da contabilidade.

Como sabemos, o interesse público não entra nas contas das multinacionais. É também por isso que temos um Governo para trazer o interesse público para as decisões, o que, neste caso, simplesmente não aconteceu.

Não é por isso de estranhar que se avance para a construção de um aeroporto sem nenhum estudo que indique o Montijo como a melhor solução para a localização do aeroporto, tanto do ponto de vista do desenvolvimento do País, como do ponto de vista das populações e do ponto de vista do ambiente.

E porquê? Porque a escolha foi feita a pensar nos interesses da Vinci e não no interesse público e porque o Governo fechou literalmente os olhos. Fechou os olhos à importância que um aeroporto representa em termos de desenvolvimento do País e fechou os olhos aos graves impactos ambientais que esta localização representa para os ecossistemas, mas também para a saúde das populações.

É verdade que o Governo não fechou sempre os olhos, abriu-os, quando quis deixar um recado claro às entidades que haveriam de emitir a Declaração de Impacte Ambiental, dizendo que não havia plano B, e, portanto, ou a construção do aeroporto era no Montijo ou não haveria aeroporto. E resultou. A APA (Agência Portuguesa do Ambiente) emitiu — aliás, sem surpresas — uma Declaração de Impacte Ambiental favorável condicionada à construção do aeroporto na localização escolhida pela multinacional Vinci.

Nas palavras do Presidente da APA, «as várias entidades envolvidas no processo de avaliação encontraram um ponto de equilíbrio para viabilizar o aeroporto do Montijo».

Portanto, o que aconteceu nesta avaliação foi acomodar, do ponto de vista ambiental, uma decisão que já estava assumida, porque ou era no Montijo ou não havia aeroporto.

E, como se tudo isto fosse pouco, fomos confrontados, na semana passada, com a singular resposta da ANA — Aeroportos de Portugal à TSF, a propósito da impossibilidade de o regulador dar luz verde à construção do aeroporto no Montijo, em virtude dos pareceres desfavoráveis de algumas autarquias.

A resposta da ANA foi clara: «Estão a preparar-se regras específicas para o aeroporto do Montijo». Ou seja, os portugueses ficaram a saber pela ANA que se estavam a preparar alterações à lei. O que os portugueses ficaram sem saber foi se era a ANA que estava a preparar essas alterações ou se era o Governo. Parece que neste processo já nada estranha!

A seguir, ainda na mesma manhã, e numa espécie de ditadura de gabinete, aparentemente legitimada pela partilha de uma fatia do poder legislativo, o Sr. Ministro das Infraestruturas veio ao Parlamento assumir publicamente que, se uma lei não serve os propósitos conjunturais do Governo — e, neste caso, do grupo económico que beneficia de uma das maiores receitas que deveriam integrar o Orçamento do Estado —, há que alterá-la.

Ora, esta postura do Governo constitui uma inversão total dos princípios do Estado de direito democrático. Materialmente, representa uma violação da génese do princípio da separação de poderes, que é o que sucede quando se procura conformar a lei à vontade do poder executivo e não o contrário, como decorre deste corolário constitucional.

Ou seja, a lei só vale quando dá jeito, quando interessa aos propósitos do Governo; quando não dá jeito, altera-se a lei. E não estamos a falar de uma alteração qualquer, estamos a falar de uma alteração cujo objetivo é exclusivamente contornar os pareceres das câmaras municipais que se mostraram desfavoráveis à construção do aeroporto no Montijo.

A lei diz que tem de haver parecer positivo das câmaras, as câmaras dão parecer negativo e o Governo, ao invés de democraticamente respeitar a vontade das câmaras, altera a lei, passando por cima das decisões das autarquias.

Na verdade, não são os presidentes das câmaras que deram parecer negativo que se devem sentir menorizados e desrespeitados, são todos os autarcas de todo o País, independentemente da área política a que pertençam, que se devem sentir menorizados e desrespeitados.

a nossa parte, conte o Governo com a mais firme oposição a esta verdadeira golpada no poder local democrático e, caso esta intenção do Governo se concretize, Os Verdes farão uso de todos os mecanismos regimentais ao nosso alcance para travar este golpe, inclusivamente para que o diploma seja objeto de uma apreciação parlamentar por parte da Assembleia da República.

Será, no mínimo, útil, pelo menos, para clarificar quem respeita o poder local democrático e quem não respeita e, já agora, para se perceber a posição do PSD sobre esta matéria, sobre o respeito que as autarquias merecem por parte do Governo.

2ª intervenção

Sr. Presidente, Sr. Ministro, estava com curiosidade em ouvi-lo. Porquê no Montijo? Porque a Vinci escolheu o Montijo, Sr. Ministro — ponto! O próprio Ministro do Ambiente assumiu aqui que não foi o Governo que escolheu a localização, Sr. Ministro.

Em segundo lugar, o pedido ainda não entrou na autoridade reguladora por uma razão simples: porque se está à espera que o Governo altere a lei para, depois, se fazer andar o processo.

Diga o Sr. Ministro o que disser, alterar uma lei a meio do jogo é inaceitável, alterar uma lei para fazer um jeito a uma multinacional é inconcebível. Mas alterar a lei para passar por cima dos pareceres das câmaras municipais é ainda mais grave e mais perigoso, é uma ofensa!

Não é falso, não! E é uma ofensa porque as câmaras municipais são 10, não é só a da Moita.

Como dizia, é uma ofensa, uma ofensa ao poder local democrático. E não é só a Moita que tem de se sentir desconfortável com esta decisão do Governo, são todos os autarcas do País, independentemente da cor que sejam, porque um dia pode tocar-lhes a eles.

O princípio da separação de poderes diz-nos que o Governo tem poder legislativo e poder executivo. Mas também nos diz que o poder executivo se deve conformar com o poder legislativo. Ora, o que o Governo está a fazer é o contrário: o Governo está a usar o poder legislativo para satisfazer as suas pretensões executivas. Mas são coisas diferentes, Sr. Ministro. Por isso, está a haver aqui uma inversão perigosa das regras democráticas.

Sr. Ministro, quero também recordar-lhe uma coisa. No dia 13 de novembro do ano passado, num debate quinzenal, questionei o Sr. Primeiro-Ministro sobre os pareceres e sobre a inevitabilidade do indeferimento por parte do regulador, porque já era pública a posição das câmaras municipais.

Ora, o que o Sr. Primeiro-Ministro nos disse aqui, no dia 13 de novembro, foi tão-só isto: «O Governo vai respeitar a lei». Portanto, presumo que seja a lei que está em vigor. Isto foi dito pelo Sr. Primeiro-Ministro.

Em 27 de novembro do ano passado, voltei a questionar o Sr. Primeiro-Ministro sobre o assunto, perguntando-lhe diretamente se estava a pensar em alterar o decreto-lei para passar por cima dos pareceres das câmaras municipais. E o Sr. Primeiro-Ministro disse textualmente o seguinte: «A questão do aeroporto está neste momento em apreciação na ANAC. A ANAC fará a devida apreciação da lei e, em função disso, veremos o que acontece». Ou seja, o Sr. Primeiro-Ministro disse não só que iria respeitar a lei como também que não haveria alterações ao diploma. Agora, o Sr. Ministro diz que o Governo vai alterar o diploma.

Ora, quando há dois membros do Governo a dizer coisas opostas, um deles não está a falar verdade.

Eu não vou perguntar-lhe se é o Sr. Ministro ou o Sr. Primeiro-Ministro que está a faltar à verdade. O que vou perguntar-lhe, Sr. Ministro, é se, nesta alteração, a Associação Nacional de Municípios Portugueses vai ser ouvida nesta pretensão, que, como referi há pouco, ofende todos os autarcas do nosso País.

Intervenção final

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado André Pinotes Batista, acho que não deveria trazer a conversa do «impermeável» para este assunto. E vou dizer-lhe porquê.

Quem escolheu a localização do aeroporto? Foi o «impermeável». Quem assumiu compromissos com a Vinci antes de qualquer estudo de impacte ambiental? Foi o «impermeável». Quem se virou para a APA e disse: «Ou o aeroporto é no Montijo ou não há aeroporto!»? Foi o «impermeável»! Por isso, digo-lhe, Sr. Deputado Pinotes Batista, é melhor que não traga o «impermeável», porque vai molhar-se, certamente!

Além disso, o Sr. Deputado fala em 50 anos e não foi capaz de referir um único estudo que indicasse o Montijo como sendo uma boa localização. Nem um! É muito «impermeável»!…

Já agora, Sr. Ministro, eu não disse que eram 10 os municípios que estavam contra, disse que eram 10 os municípios potencialmente afetados, que são os do distrito de Setúbal e Benavente. Mas registo que não me tenha dado resposta à pergunta que lhe formulei a propósito da consulta à Associação Nacional de Municípios quando se alterar esse diploma.

Sr. Ministro, também lhe vou dizer outra coisa: em novembro, o Sr. Primeiro-Ministro disse-nos que iria respeitar a lei existente, que o processo estava com o regulador e que depois de o regulador decidir é que o Governo tomaria alguma medida, se tivesse de a tomar. Mas o Governo nem sequer vai esperar pela decisão do regulador e vê-se mesmo que até vai fazer a alteração antes de a Vinci entregar o processo no regulador, que é para depois ter o caminho todo aberto, como convém!

A esse propósito, até lhe pergunto o seguinte: o que é que mudou de novembro até agora? Já conseguiram convencer o PSD, caso seja necessário o diploma ser sujeito a uma apreciação parlamentar? Ou ainda estão em negociação?

Essa é a única coisa que justifica que, em novembro, o Sr. Primeiro-Ministro tenha dito uma coisa e que agora o Sr. Ministro diga…

Aliás, a propósito do que o Governo quer fazer, ou seja, alterar a lei para passar por cima dos pareceres do município, faz-me lembrar aquele cidadão que quer estacionar e tem um sinal que o proíbe. Então, o que faz o cidadão? Tira o sinal do lugar, mete-o na mala do carro e já pode estacionar! É isto que o Governo está a fazer: desrespeitar completamente as autarquias!

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