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Intervenções na AR (escritas)
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09/01/2020
Debate, na generalidade, do Orçamento do Estado para 2020 – intervenção de abertura - DAR-I-021/1ª
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, vou começar por partilhar com o Sr. Primeiro-Ministro e com esta Assembleia duas situações — que tenho, até, dificuldade em qualificar e, à falta de melhor, vou chamar-lhes «curiosidades» ou «inquietações» — decorrentes desta proposta de Orçamento do Estado.

A primeira diz respeito à nossa soberania orçamental e à liberdade dos povos e dos seus representantes poderem decidir em matéria orçamental o que melhor entenderem para o seu país. Desde logo, parece-nos desprovido de qualquer sentido que o Governo português se sinta na obrigação ou tenha a obrigação de pedir autorização à Comissão Europeia para poder diferenciar as taxas do IVA na eletricidade. Portanto, só por si, esta necessidade de autorização deve preocupar qualquer cidadão com sentimentos democráticos, sobretudo tratando-se de um país onde um terço dos portugueses não tem dinheiro para aquecer a sua casa.

Mas o mais curioso nem reside neste facto, ainda que ele seja igualmente preocupante. O mais curioso é que se o Governo pretender combater a pobreza energética no País ou se pretender favorecer a poupança e a eficiência energética para combater as alterações climáticas tem de pedir autorização à Comissão Europeia, mas se o Governo decidir aumentar a sua despesa com as operações ligadas à NATO pode fazê-lo sem precisar de qualquer autorização da União Europeia. Ora, isto não faz qualquer sentido! Há aqui alguma coisa que está mal, Sr. Primeiro-Ministro!

A segunda «curiosidade» ou «inquietação» tem a ver com um exemplo da prioridade que este Orçamento diz ter no combate às alterações climáticas e na promoção da utilização do transporte público.

Vejamos: o artigo 211.º da proposta de Orçamento do Estado refere-se à dedução dos custos com passes sociais para as empresas que os paguem aos seus trabalhadores e, neste caso, a dedução é de 130%. Mas quando vemos o artigo 258.º percebemos que as empresas e os trabalhadores independentes podem deduzir 140% dos donativos que fizerem para a fundação que vai organizar as Jornadas Mundiais da Juventude 2022. Sr. Primeiro-Ministro, fica a ideia que, face à necessidade de combater as alterações climáticas, temos um Orçamento de um Estado que é laico mas que, neste caso, parece valorizar mais as Jornadas Mundiais da Juventude do que a promoção da utilização do transporte público e do combate às alterações climáticas! Por isso, é necessário, no mínimo, elevar as deduções dos custos com os passes sociais para os 140%. No mínimo, Sr. Primeiro-Ministro! Haja bom senso!

Além disso, Sr. Primeiro-Ministro, se a economia está a ter um bom desempenho, é justo que esse bom desempenho tenha reflexos positivos na vida das pessoas exatamente na mesma proporção. E, quando falamos de reflexos positivos, falamos não só dos direitos e rendimentos das pessoas mas também da qualidade dos serviços públicos, porque se não se valorizarem os salários e se não se melhorarem os serviços públicos quando a economia está a ter um bom desempenho, então, quando será o tempo de proceder à valorização real de rendimentos e salários e de reforçar a qualidade dos serviços públicos?

Neste contexto, Sr. Primeiro-Ministro, tenho de lhe dizer que, para Os Verdes, aquilo que se perspetiva, tanto para o aumento dos salários dos trabalhadores da Administração Pública, como para as reformas, é absolutamente insuficiente a todos os níveis e em todas as dimensões. É insuficiente quando comparamos os salários médios do nosso País com os dos outros países europeus, é injusto quando comparamos o valor desse aumento com o das verbas que estão previstas para financiar a banca — recordo que são mais 600 milhões de euros só para o Novo Banco e mais 55 milhões de euros para o BPN — e é absolutamente injusto quando comparado com os montantes que estão previstos para os custos das parcerias público-privadas.

Sr. Primeiro-Ministro, não lhe vou perguntar se acha isto justo ou injusto, mas pergunto-lhe se acha que este aumento dos salários dos trabalhadores da Administração Pública e o aumento previsto para as reformas e pensões estão em sintonia com o desempenho da nossa economia. E esta pergunta pressupunha, naturalmente, a presença de, pelo menos, três dados importantes: por um lado, o facto de a devolução de direitos e rendimentos às famílias — como, aliás, já foi reconhecido pelo Sr. Primeiro-Ministro hoje no debate — terem sido decisivos para o desempenho da economia e, por outro lado, o facto de os salários dos trabalhadores da Administração Pública estarem congelados há mais de uma década e o valor das pensões e reformas continuar a ser de uma injustiça gritante.

Em síntese, o que lhe pergunto, Sr. Primeiro-Ministro, é se acha que os valores previstos para os aumentos dos salários e das pensões acompanham o crescimento da economia.

Por fim, Sr. Primeiro-Ministro, desde o início da crise que os portugueses já pagaram mais de 20 000 milhões de euros para tentar salvar a banca. Neste Orçamento estão previstos mais 600 milhões de euros para o Novo Banco e mais 55 milhões de euros para o BPN. Podemos até dizer que este é um ministério abonado!

Mas os portugueses estão fartos de pagar a irresponsabilidade dos banqueiros e a fatura de gestões danosas. Acham, e bem, que não deveriam ter essa obrigação, porque quando os bancos dão lucro também não o repartem com os portugueses, ficam com o bolo todo — os bancos, claro!
O que lhe pergunto, Sr. Primeiro-Ministro, é se esta linha de apoio ao Novo Banco e ao BPN fica concluída este ano ou se ainda vamos ter de a carregar durante os anos que aí vêm. E, nesse caso, até quando, Sr. Primeiro-Ministro?
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