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07/10/2020 |
Debate sobre o Plano de Recuperação e Resiliência – DAR-I-004/2ª |
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Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Tal como Os Verdes já tiveram oportunidade de afirmar no encontro que tivemos com o Sr. Primeiro-Ministro e com outros Srs. Membros do Governo, receamos estar perante uma oportunidade perdida, e isto não pode voltar a acontecer, sobretudo numa altura em que o País e o mundo se confrontam com uma grave crise de saúde pública e com impactos ainda incalculáveis tanto do ponto de vista económico quanto do ponto de vista social, crise que, aliás, tem na sua origem os desequilíbrios que se criaram na relação do homem com a natureza e que veio confirmar as grandes debilidades dos países e dos povos que estão subordinados a um modelo de crescimento globalizado, sustentado no saque da natureza e nas desigualdades sociais e territoriais.
Portanto, mais do que nunca é preciso garantir respostas às necessidades do presente, até porque são muitos os que dependem dessas respostas, mas é também necessário pensar o futuro, delineando caminhos de sustentabilidade, nos quais a economia e a produção têm de caminhar lado a lado com a defesa da natureza e com a justiça social.
Sucede que, das sugestões apresentadas pelo Prof. Costa Silva para o plano de recuperação da economia, traduzidas, de certa forma, em propostas de financiamento no plano de recuperação e resiliência que foi apresentado pelo Governo, a soberania alimentar e a conservação da natureza, que são dois pilares estratégicos da resiliência de um país e de um povo perante catástrofes de toda a ordem, são praticamente ignoradas. De facto, a visão e o financiamento apresentados para o reforço do potencial produtivo, a coberto do manto da investigação e da inovação, estão todos eles virados para a agricultura intensiva e agroindustrial, que provoca, como sabemos, graves impactes ambientais, deixando completamente de fora a agricultura familiar, que continua a desempenhar um papel social e ambiental fundamental, nomeadamente no que diz respeito ao combate à desertificação.
A agricultura familiar é, sem dúvida, a que mais vocacionada se encontra para garantir a soberania alimentar, para procurarmos essa soberania alimentar, de uma forma equilibrada, diversificada e numa relação de proximidade com os consumidores, questões fundamentais quando estamos confrontados com pandemias como aquela que estamos a viver, mas também com a ameaça das alterações climáticas.
Portanto, Sr. Primeiro-Ministro, não vemos nestas propostas nenhum financiamento que venha beneficiar a agricultura familiar e nenhum instrumento que possa privilegiar a produção alimentar virada para o consumo interno e para assegurar a nossa soberania alimentar. O que pergunto, Sr. Primeiro-Ministro, é se estaremos enganados, se somos nós que estamos a ver mal o «filme».
2ª Intervenção
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo traz hoje a discussão o Plano de Recuperação e Resiliência, assumido como um dos principais instrumentos de intervenção estrutural com vista à recuperação da economia e para melhorar a qualidade de vida dos portugueses.
Ora, como afirmámos desde a primeira hora, Os Verdes continuam a considerar que será um erro irreversível se se procurar recuperar a economia através de opções que provocam grandes e graves impactos ambientais e cujos contributos para o desenvolvimento do País são mais que duvidosos.
Referimo-nos, por exemplo, à localização do novo aeroporto no Montijo, à exploração desenfreada de lítio, ignorando as preocupações das populações e abrindo, até, a porta para que essa exploração possa ter lugar em áreas classificadas, aos incentivos para as culturas intensivas e superintensivas, nomeadamente o olival e o amendoal.
Referimo-nos ainda à mineração em mar profundo, quando, face aos impactos ambientais negativos, até a própria União Europeia defende uma moratória internacional a esta mineração, e, por fim, à construção da barragem no rio Ocreza, que, para além das consequências que provocará para os ecossistemas e para as comunidades ribeirinhas, ainda surge como uma espécie de alternativa aos esforços do Governo para rever a Convenção de Albufeira.
Sucede que procurar recuperar a economia sacrificando os nossos valores ambientais é procurar tapar um buraco abrindo outros buracos, que nem mesmo a mais potente bazuca conseguirá regularizar.
Sabendo que a preservação dos nossos valores ambientais é absolutamente decisiva para a nossa resiliência coletiva, Os Verdes defendem que uma visão estratégica para o futuro exige, antes de mais, opções sustentáveis que não comprometam, que não hipotequem, o futuro que se pretende assegurar.
Bem sabemos que há, neste Plano, sinais, ao nível da agricultura, para a proteção da biodiversidade, assim como a intenção de restaurar ecossistemas degradados, o que, aliás, registamos com agrado, mas também sabemos que nada se refere no Plano quanto à conservação da natureza que não está ainda degradada. Ou seja, tapa-se de um lado para destapar do outro, e isso não chega para se falar em sustentabilidade. O que se impõe é recuperar o que está degradado e preservar o que ainda não está degradado.
Em síntese, no que se refere aos valores ambientais, o que nos parece é que a proteção da natureza não representa, neste Plano, uma componente devidamente valorizada.
Quanto aos transportes e infraestruturas públicas, o destaque vai para o metro de Lisboa e do Porto, mas há um deserto de propostas para o interior do País no que diz respeito ao transporte público.
Relativamente à ferrovia, preveem-se avanços ao nível da sua eletrificação e da sua expansão, o que salientamos como positivo, mas não deixamos de registar que, ao mesmo tempo que se realça a importância da ferrovia e da sua expansão, se insiste na reconversão do Ramal da Lousã em «metrobus», contrariando grosseiramente o caminho que é traçado no próprio Plano. Mas, ainda sobre a ferrovia, Os Verdes esperam que tenha chegado a altura de dar cumprimento à promessa, que consta do Programa do Governo, de levar o transporte ferroviário a todas as capitais de distrito.
Por outro lado, o Plano elege o potencial produtivo como um grande bloco, mas deixa de fora uma área que é, nesta matéria, absolutamente decisiva, e mais ainda quando falamos de soberania alimentar. Referimo-nos à agricultura familiar, uma matéria que, aliás, se cruza também com outro grande bloco, que é o da coesão territorial.
Por fim, o Plano refere, e bem, a importância do Serviço Nacional de Saúde, mas não explora com clareza a necessidade de o reforçar com profissionais de saúde, para além de atribuir pouca relevância aos cuidados de saúde primários e ser omisso relativamente à necessidade de reabrir unidades de saúde e alargar horários.
Por tudo isto, olhamos para este Plano com reservas e com receio de que a pontaria do Governo não seja certeira na utilização da tal bazuca e, por essa via, comprometa a oportunidade de alavancar um futuro que se pretende sustentável.