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14/07/2020 |
Debate sobre Teletrabalho – DAR-I-071/1ª |
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Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por cumprimentar o PAN por ter trazido para discussão um tema tão importante e tão atual, porque, de facto, a situação de saúde pública provocada pela pandemia que estamos a viver veio trazer, para a ordem do dia, a discussão em torno do teletrabalho.
Na verdade, como todos certamente nos fomos apercebendo ao longo dos últimos meses, o teletrabalho, foi de certa forma, um mecanismo de recurso ou uma solução esporádica encontrada por trabalhadores e empregadores para procurar minimizar os efeitos da crise sanitária que ainda paira sobre nós.
Com efeito, apesar de o teletrabalho estar previsto na legislação laboral, nomeadamente no Código do Trabalho, mais concretamente, nos seus artigos 166.º a 171.º, o medo súbito e mais que justificável por parte dos trabalhadores, face à necessidade urgente e imperiosa de minimizar a propagação da COVID-19, levou a que muitos trabalhadores aceitassem o teletrabalho sem colocar quaisquer obstáculos ou reservas, chegando mesmo a abdicar de direitos que se encontram consagrados nessas mesmas normas do Código do Trabalho.
Sucede que a perspicácia de muitas grandes empresas, perante a situação de saúde pública, acabou por traduzir-se num empurrar de alguns custos do trabalho, que eram das entidades empregadoras, para os trabalhadores. Referimo-nos não só a custos com instrumentos de trabalho, como meios de comunicação, internet e telefone, instalação e manutenção dos mesmos, mas também das faturas da energia, da água, entre outros, que inevitavelmente subiram de valor dado o aumento do consumo, trazendo, assim, novos e inesperados encargos para os trabalhadores.
Entretanto, houve ainda, em alguns casos — que não são assim tão poucos —, um aproveitamento da situação para retirar direitos a quem trabalha, como o subsídio de alimentação ou até o subsídio de transporte. Ou seja, o empurrar de inúmeros trabalhadores para teletrabalho não foi, por parte de muitas entidades empregadoras, apenas uma forma de combater o vírus, foi, sobretudo, uma forma de reduzir despesas com os meios de produção e, também, de retirar direitos. Muitas empresas, aproveitando o momento vivido e a necessidade de garantir a segurança das pessoas por via do confinamento, procuraram reduzir ao mínimo os seus encargos.
Por isso, Os Verdes consideram que a discussão sobre o teletrabalho tem de ser feita com cautela, tendo presente todas as suas variadas implicações. É que se o teletrabalho foi a solução mais rápida e possível face à pandemia, temos muitas dúvidas de que possa representar um avanço no mundo do trabalho.
Na verdade, o teletrabalho individualiza o trabalhador, retira o valor social do trabalho, remove a discussão espontânea entre os trabalhadores, e estes elementos também têm de entrar na discussão. Não podemos olhar para o teletrabalho apenas como resposta à componente económica do valor, é preciso também ter presente as componentes sociais e de identidade social e coletiva que o trabalho assume.
Por outro lado, o trabalho ocupa hoje um espaço excessivo na vida das pessoas. De facto e ao contrário do que seria de esperar, os avanços tecnológicos não se refletiram, em nenhuma circunstância, na redução do horário de trabalho. No modelo de teletrabalho os trabalhadores acabam por trabalhar mais horas, uma vez que, em casa, é inevitável a desregulação do horário de trabalho, o que provoca dúvidas ao próprio trabalhador sobre a sua produtividade, acabando muitas vezes por condicioná-lo na necessidade de demonstrar que, por estar em casa, não produz menos e que, pelo contrário, dispensa mais tempo ao trabalho, fruto de sentir necessidade de provar o que produz.
Também do ponto de vista ambiental, as vantagens do teletrabalho não são tão líquidas como aparentam. É preciso não esquecer que a partilha de espaços de trabalho, para além de ser determinante no valor social do trabalho, nas evidentes possibilidades de discussão coletiva, que não se esgotam em reuniões com data e hora marcadas, tem também vantagens a nível das reduções dos consumos energéticos, nomeadamente na eletricidade, o que tem vantagens ao nível das reduções dos consumos energéticos porque é necessária muito menos energia para alimentar espaços de trabalho comuns do que vários espaços individuais, como sucede com o teletrabalho, com todos os impactos ambientais que, sobretudo, a produção de energia elétrica potencia.
Portanto, Os Verdes consideram que a legislação sobre o teletrabalho prevista na legislação laboral, nomeadamente no âmbito do Código do Trabalho, pode ser aperfeiçoada, melhorada e até mais detalhada, mas há um pressuposto do qual Os Verdes não abdicam nessa discussão. Referimo-nos à necessidade de garantir que os trabalhadores possam exercer a sua atividade em regime de teletrabalho, seja parcial, seja total, mas sempre por sua iniciativa.
Para além disso, nesta discussão é necessário clarificar o direito à privacidade, a forma de intervenção inspetiva por parte da Autoridade para as Condições de Trabalho, o fornecimento dos meios de trabalho pela entidade empregadora, o pagamento das despesas suplementares, as garantias de participação e representação das estruturas coletivas, entre muitas outras.
É este o acervo de questões que, para Os Verdes, têm de ser indiscutivelmente trazidas para a discussão e que não podem ser desvalorizadas e muito menos ignoradas em torno do teletrabalho.
Por isso, Os Verdes entendem que o teletrabalho não pode ser olhado com ligeireza e a sua discussão exige ter presente todas as suas implicações, porque, ao contrário do que alguns possam pensar, o teletrabalho não é só vantagens, não é só facilidades e, por isso, é preciso equacionar este regime na sua real plenitude e não olhar para ele apenas sob a perspetiva das vantagens, porque essa leitura pode resultar num verdadeiro tele-engano e numa telediminuição dos direitos de quem trabalha e para isso não contem com Os Verdes.