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29/11/2019 |
Debate temático sobre apoio às artes - DAR-I-013/1ª |
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Intervenção da Deputada Mariana Silva - Assembleia da República, 29 de novembro de 2019
1ª Intervenção
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Ministra, a cultura é, para Os Verdes, um setor que contribui inegavelmente para o sentido crítico e criativo dos cidadãos, sendo capaz de contribuir, tal como a educação, para a formação integral dos indivíduos e de lhes gerar maior consciência e mais preenchimento, na plenitude dos seus interesses diversificados. É, evidentemente, uma vertente importante da democracia.
No entanto, continua a ser uma área em que os sucessivos Governos se limitam a fazer promessas e a adotar discursos galanteadores. Podem até «encher a boca» com profissões de fé sobre a importância da cultura, mas, na sua prática, contrariam estas declarações verbais. Depois do Governo de desastre de PSD/CDS, também na cultura estamos longe da mudança de rumo que se exigiria. Como noutras áreas, assistimos ao constante desinvestimento e desrespeito por todos os que vivem da e para a criação da arte.
Os Verdes defendem o investimento de 1% do Orçamento do Estado na cultura e, para o efeito, a programação de uma trajetória com vista ao cumprimento desse objetivo a muito curto prazo. O Estado não se pode desresponsabilizar da garantia de uma efetiva política para a cultura.
A publicação dos resultados dos concursos da DGARTES para os próximos dois anos deu novamente razão às preocupações dos profissionais dos espetáculos e das estruturas de criação relativamente ao modelo de apoio às artes. O presente modelo não comporta a estabilidade para a generalidade do setor e exclui estruturas e companhias de produção e criação. O concurso de apoio às artes está transformado em boia de salvação para uns e em sentença de morte para outros.
O trabalho nesta área, à custa de muito esforço e de muita precariedade, continua a ser ignorado por este Governo. O património cultural de tantas instituições é esquecido, e nem isso evita a perda de apoios, que, mesmo não sendo os necessários, permitem dar continuidade a projetos, garantindo o emprego a muitos agentes da cultura.
Depois dos episódios do anterior concurso, que obrigou ao encerramento de projetos históricos, como companhias de teatro, e depois de, por iniciativa de Os Verdes e do PCP, ter sido possível um reforço de verbas para o setor, era esperado, neste concurso de apoio às artes, um aumento significativo das verbas para assegurar a estabilidade das companhias e apoiar novas estruturas. Sem a garantia de financiamento às artes, que tem sido a negra marca dos sucessivos Governos, está em causa a responsabilidade do Estado de garantir a todos o acesso à cultura.
Os resultados são, uma vez mais, catastróficos — e a expressão não é minha, é daqueles que todos os dias vivem, respiram e defendem o setor — para a sobrevivência de estruturas artísticas em todas as áreas. Cerca de 60% das candidaturas com pontuação para ter direito a apoio poderão não receber qualquer financiamento público e a totalidade do apoio solicitado não é atribuído a nenhuma estrutura.
A redução dos apoios vem ainda acentuar a penalização dos que vivem ou escolhem viver no interior, que são privados de todos os serviços públicos, incluindo o acesso à cultura ou o direito à criação cultural. Bem podem meter a Secretaria de Estado da Valorização do Interior em Bragança, se depois, nas políticas concretas, continuarem a criar dificuldades e a retirar apoio a Trás-os-Montes e ao Alentejo, canalizando os parcos apoios que existem para as estruturas dos grandes centros.
É necessário apoiar a arte, os artistas e a cultura, é necessário levar a arte a todos e tirar da precariedade milhares de trabalhadores da cultura. Por isso, Sr.ª Ministra, no Orçamento do Estado para 2019, por iniciativa de Os Verdes, foi assegurado um aumento, em 1 milhão e 200 mil euros, do valor para os projetos da Direção-Geral das Artes.
Está o Governo disponível para se comprometer com um reforço do orçamento da DGARTES? E, se não o incluir na proposta inicial do Orçamento do Estado, podem Os Verdes contar com o vosso apoio a uma proposta de alteração para a sua inclusão?
2ª Intervenção - encerramento
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Ministra da Cultura: Fosse este oportuno debate, promovido por uma iniciativa do PCP, um espetáculo artístico e PSD e CDS, que, enquanto estiveram no Governo, se evidenciaram nos cortes e na destruição do tecido cultural e no seu subfinanciamento, estariam hoje aqui a representar um papel de amnésicos, que querem fazer de conta que nada se passou.
Mas o Partido Socialista e o Governo talvez possam levar palmas pelo número de malabarismo, procurando esconder o que está mal e jogar com os números. Porém, não há palavras que iludam. O setor da cultura, em Portugal, continua a ser vítima de um subfinanciamento público e de uma lógica economicista preocupantes, que põem em causa o desenvolvimento e, muitas vezes, a própria sobrevivência do tecido cultural.
Desde debate resultam duas exigências incontornáveis: por um lado, a da garantia, como Os Verdes defendem, de investimento de 1% do Orçamento do Estado para a cultura, com uma programação de uma trajetória com vista ao cumprimento desse objetivo a muito curto prazo, objetivo pelo qual se mobilizam milhares de homens e de mulheres da cultura em torno do Movimento 1% para a Cultura e, agora, da plataforma em defesa da cultura, que daqui saudamos vivamente.
E, Srs. Deputados do PS e Srs. Membros do Governo, não joguem com os números, não queiram esse papel de malabaristas. 1% para a cultura é mesmo para a cultura, não é para a RTP ou para o funcionamento do Ministério. O 1% é para entregar aos criadores, aos artistas, para dinamizar as exposições que fazem falta, para assegurar a estabilidade dos projetos existentes e para os novos projetos.
A segunda exigência é a garantia, no imediato, do apoio às artes, abarcando as artes performativas, as artes visuais e os cruzamentos disciplinares, para que não existam estruturas culturais que vejam comprometida a sua ação, como hoje aqui debatemos, porque perderam apoios ou viram substancialmente reduzidos os apoios que tinham. Esta exigência tem também implicações sérias no emprego e na estabilidade de muitos artistas e criadores culturais, porque importa não esquecer que o setor da cultura e das artes em concreto é também um setor com uma capacidade significativa de gerar emprego na sociedade, mas tem de ser emprego com direitos.
Sr.as e Srs. Deputados, é urgente um outro rumo de apoio às artes, um rumo que assegure a liberdade e a diversidade da criação artística, assim como a democratização da fruição das artes e do acesso à cultura.
Os Verdes defendem um novo modelo de apoio às artes, que avalie as candidaturas em função da sua realização e não através de critérios financeiros, um modelo de concurso desburocratizado, atempado, de modo a permitir que os projetos a implementar se iniciem com o apoio efetivamente prestado.
Os Verdes entendem que o apoio às artes e à cultura em geral que inclua a defesa do património cultural, com a sua preservação e manutenção de valor intrínseco, mas também pelo que representa para a nossa identidade como povo deve ter em conta o objetivo nacional de combate às assimetrias regionais, o que passa também pela valorização e pela defesa da oferta cultural no interior do País.
É urgente, pois, travar a desvalorização da arte e dos artistas portugueses, se este Governo não quiser continuar a ser responsável por mais uma legislatura de destruição da estrutura social das artes.