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24/09/2020 |
Declaração Política – Crise Pandémica – DAR-I-078/1ª |
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A crise sanitária que se instalou entre nós rapidamente se transformou também numa crise social e económica, com a pobreza a ganhar proporções muito preocupantes.
De facto, milhares de pessoas perderam o seu emprego e outras tantas continuam a ver os seus rendimentos substancialmente reduzidos, face à situação de layoff a que, contra a sua vontade, se encontram sujeitas. Por outro lado, a grande maioria das micro e pequenas empresas vive, hoje, tempos muito complicados. Mergulhados num verdadeiro sufoco, os pequenos empresários estão a «fazer das tripas coração» para evitar o encerramento das suas empresas.
Ora, perante este quadro, o que se impõe é que tanto o plano de recuperação como o próximo Orçamento do Estado tenham presente que, para além das medidas de combate à COVID-19 que, naturalmente, é necessário assegurar, é imperioso garantir não só a sobrevivência das micro, pequenas e médias empresas, como forma de evitar uma situação ainda mais preocupante no que diz respeito aos números do desemprego, como também é imperioso combater a pobreza de forma determinada e garantir apoios sociais às pessoas que perderam rendimentos e que se confrontam com muitas dificuldades, até para pôr pão em cima da mesa, e que, no início deste ano letivo, mesmo forçando a imaginação, não encontram forma de poder comprar os materiais escolares para os seus filhos.
Por isso, Os Verdes consideram que tanto o plano de recuperação como o Orçamento do Estado que aí vem não devem seguir o caminho apontado pelo Orçamento Suplementar, que, mantendo o corte de rendimentos aos trabalhadores que estão em layoff, não excluiu os grandes grupos económicos do alargamento do prazo para reporte de prejuízos fiscais; que recusou a criação de um fundo de tesouraria para as pequenas empresas, mas que não impediu a distribuição de dividendos entre os acionistas das grandes empresas; e que se mostrou incapaz de valorizar as componentes ambientais, como a reciclagem, enquanto contributo para a dinamização da economia e para a criação de postos de trabalho.
Aliás, a propósito das componentes ambientais, Os Verdes insistem que será um erro absolutamente irreversível se o Governo procurar assentar o relançamento económico no investimento em infraestruturas ou opções com avultados impactos ambientais e cujos contributos para o desenvolvimento do País são mais que duvidosos. Referimo-nos, por exemplo, à localização do novo aeroporto no Montijo, à exploração desenfreada de lítio, ignorando a qualidade de vida das populações, à transformação do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina numa lixeira de plásticos a céu aberto ou à propagação de culturas intensivas, seja o olival ou o amendoal. Não, o caminho tem de ser outro e não pode ser construído sacrificando irremediavelmente os nossos valores ambientais.
Bem sabemos que o investimento público é decisivo para o relançamento da economia, mas terá de ser um investimento de qualidade, que promova o desenvolvimento do País sem hipotecar o futuro, sobretudo ao nível dos recursos naturais. E é esse caminho que tem de ser feito, compatibilizando o desenvolvimento económico com a valorização das componentes ambientais.
Por isso, consideramos que o caminho deve incluir percursos de comboio e terá de ser construído com a nossa produção. O investimento sério e efetivo nos transportes públicos em geral e, em particular, na ferrovia, é absolutamente decisivo no combate às alterações climáticas, para além da importância que assume em termos de mobilidade e para amortecer as assimetrias regionais. Por outro lado, não é necessário ser Nobel da economia para perceber que um país que não produz não cria riqueza e nada tem para exportar e que sem a criação de riqueza não há relançamento económico possível.
Por isso, Os Verdes insistem na necessidade de focalizar o centro das atenções na nossa produção, na produção nacional, desde logo porque é muito pouco saudável e nada recomendável que uma economia fique dependente de fatores externos que não dominamos. O turismo é importante, mas a nossa atividade económica não pode ficar dependente apenas de um setor e pouco mais.
Por isso, é fundamental apostar a sério, por exemplo, na agricultura familiar, que pode ter um papel importante na recuperação da nossa soberania alimentar. Recorde-se que, antes de entrar para a então CEE (Comunidade Económica Europeia), o nosso País produzia 75% dos produtos alimentares que consumia; hoje, os números estão invertidos e apenas produzimos 25% para importarmos os restantes 75%.
É necessário, por isso, dar vida ao Estatuto de Agricultura Familiar, promover a reabertura dos mercados de proximidade, garantir o escoamento dos produtos, estabelecer um preço justo à produção e repor algum equilíbrio nas relações comerciais entre os produtores e as grandes superfícies comerciais, ou seja, é necessário criar as condições para que os produtores possam produzir e vender os seus produtos a preços justos.
Para além disso, é necessário colocar o interesse público no centro das decisões para evitar situações verdadeiramente escandalosas e imorais, como a do Novo Banco, que continua a ser um verdadeiro e monstruoso sorvedouro de recursos públicos — recursos que são necessários e que tanta falta fazem para as políticas sociais, nomeadamente para o nosso Serviço Nacional de Saúde, e que estão a ser esbanjados com um banco que não é nosso —, ou situações como a da TAP (Transportes Aéreos Portugueses), onde o Estado paga, mas não manda nada. E, por fim, continuamos a aguardar para perceber se o Governo está ou não decidido a devolver os CTT (Correios e Telecomunicações de Portugal) aos portugueses, trazendo o interesse público para esta verdadeira negociata que vem do tempo do Governo do PSD e do CDS.