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18/12/2019 |
Declaração política sobre a Conferência do Clima — COP25 - DAR-I-018/1ª |
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Intervenção da Deputada Mariana Silva - Assembleia da República, 18 de dezembro de 2019
1ª Intervenção – Declaração política
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Assistimos na COP25, que teve lugar em Madrid, ao desfilar de discursos anunciando ações e decisões tomadas com vista ao combate às alterações climáticas e ao cumprimento do Acordo de Paris, que determina a necessidade de medidas para que a temperatura média do planeta não suba mais do que 1,5 °C.
No entanto, somos obrigados a acompanhar as palavras de António Guterres, Secretário-Geral da Nações Unidas, que afirmou que a COP25 foi um fiasco e uma oportunidade perdida.
Apesar de se ouvir por todo o mundo um apelo à urgência na proteção do planeta ao qual chamamos casa, duas centenas de países reuniram-se para discutir os compromissos de adaptação e de mitigação e não foram capazes de chegar a um acordo final que assegurasse medidas efetivas para a defesa do ambiente e da natureza.
Os apelos a que oiçam a ciência, a que observem as consequências que todos os dias se revelam um pouco por todo o mundo e a que assumam, em conjunto, compromissos, mesmo que com um atraso de alguns anos, caíram em saco roto.
A quem pedir responsabilidades? Ao próprio Sr. Secretário-Geral, António Guterres? À União Europeia, que diz querer liderar o combate às alterações climáticas, anunciando a neutralidade carbónica para 2050, mas que não foi capaz de assumir esse papel e que ainda há dias nos presenteou com o seu Pacto Ecológico Verde, que nem sequer foi capaz de envolver todos os seus países e que não é mais que uma mão-cheia de nada e outra de coisa nenhuma? Ou a todos os que, enchendo a boca com a defesa do ambiente, pensam é no «esverdeamento» dos seus negócios e dos seus lucros, pensam é no mercado de carbono, pensam em comprar e vender direitos e ganhar muito dinheiro com isso, ao mesmo tempo que garantem que os que podem pagar podem poluir?
As chuvas intensas e as graves e prolongadas secas, a subida da temperatura que contribui para o degelo dos glaciares e a consequente subida dos mares não podem continuar a ser ignoradas. Não é possível continuar a explorar os recursos naturais como se eles fossem infinitos, em nome de lucro para alguns.
Os países mais pobres e menos desenvolvidos, aqueles que menos contribuem para o total das emissões globais de carbono, os que mais sofrem, nas declarações que fizeram na COP25, alertavam para as dificuldades que estão a sentir na agricultura com a salinização dos solos, para as consequências para as pescas da poluição dos oceanos e até para o turismo. Estas são as áreas mais importantes para a economia destes países e sem elas a pobreza será maior. Onde estão os apoios adequados a estas realidades?
Sr.as e Srs. Deputados, Portugal foi à COP25 anunciar, mais uma vez, o objetivo de atingir a neutralidade carbónica até 2050.
Importa, então, haver coerência entre objetivos e ações concretas. Podem publicar-se magníficos roteiros para essa neutralidade, mas, quando as ações concretas contrariam esses objetivos, a incoerência impera e coloca-se em causa um futuro sustentável.
O Primeiro-Ministro de Portugal foi mesmo à COP25 dizer que Portugal está na linha da frente das políticas ambientais e o Ministro do Ambiente foi a Madrid afirmar que Portugal vai cumprir e que Portugal não vai admitir que os outros falhem.
Será que estavam a falar da exploração de lítio em solos classificados como património agrícola mundial? Ou do avanço na exploração de gás natural na Batalha e em Pombal? Ou dos apoios públicos à agricultura intensiva, em detrimento de uma agricultura mais sustentável, como a agricultura familiar? Ou falavam da construção de um aeroporto no Montijo, numa área de reserva natural do Tejo? Para que a letra bata com a careta, é preciso fazer o que é necessário e não fazer o que é prejudicial.
Portugal tem já sofrido efeitos devastadores do processo de alterações climáticas, designadamente com extremos climáticos severos, que têm consequências brutais, como as que, infelizmente, temos conhecido com os fogos florestais ou com a tempestade Leslie. Temos, por isso, também uma grande responsabilidade em apontar caminhos certos.
Mas há esperança: a inação dos Estados dentro da COP25 e a ação dos povos no exterior não foram coincidentes. É cada vez maior o envolvimento dos jovens e da sociedade, que exigem medidas concretas para conseguirmos fazer frente às consequências que já se vão sentindo um pouco por todo o mundo.
Onde tantos jovens exigem que o seu futuro seja assegurado, o Grupo Parlamentar de «Os Verdes» agirá para a salvaguarda dos valores ambientais e económicos, para a segurança das populações e do território, para o combate eficaz e consequente às alterações climáticas. Combate que se fará assegurando condições de vida digna a todos os povos, que se garantirá com políticas de paz em todo o mundo, que será tão mais eficaz quanto assente no combate a um sistema perverso que se alimenta da morte do planeta.
Assim se assegurará um presente e um futuro sustentável às gerações vindouras.
2ª Intervenção – resposta a pedidos de esclarecimento
Sr. Presidente, começo por agradecer as questões colocadas pelos Srs. Deputados André Silva, José Maria Cardoso, Alma Rivera, Bruno Coimbra e Ricardo Pinheiro.
Penso que todos concordam que a promoção e a adoção de políticas de adaptação ou mitigação das alterações climáticas não podem ser olhadas como despesismo, porque estamos, sobretudo, a defender vidas humanas, a preservar a biodiversidade e a defender a economia e as condições para o seu desenvolvimento.
Por isso, e respondendo ao Sr. Deputado Ricardo Pinheiro, acreditamos que é possível a compatibilização da economia com a defesa da natureza, desde que se respeite a exploração dos recursos naturais e não se acredite que eles possam ser infinitos.
Por outro lado, e respondendo também à questão colocada pelo Sr. Deputado Bruno Coimbra, de como vemos a estratégia europeia: será que podemos concordar com uma União Europeia que quer liderar a neutralidade carbónica até 2050, quando esta própria União Europeia defende e é favorável a políticas agrícolas que favorecem o agronegócio, arrasando a agricultura familiar e promovendo a desertificação do interior? A União Europeia que estabelece medidas de apoio a práticas agrícolas sustentáveis com benefícios ambientais, com o respeito pela proteção do ambiente e da paisagem rural, dos recursos naturais e dos solos, como é o caso do II Pilar da PAC, mas que — pasme-se ! — canaliza estes fundos para as grandes produções intensivas, como é o caso do olival e do amendoal?
Indo ao encontro também do que dizia a Sr.ª Deputada Alma Rivera, será que podemos acompanhar a União Europeia na defesa do mercado de carbono, onde os países ricos podem poluir porque têm dinheiro para pagar, prejudicando o desenvolvimento dos países mais pobres e tornando-os ainda mais pobres?
Não vale a pena acenar só a bandeira, é necessária a mudança de políticas, e essa mudança não se escreve só num programa de governo, não se escreve só num orçamento de Estado, não se escreve só nos roteiros para a neutralidade carbónica de 2050. As pessoas continuam a viajar apinhadas, diariamente, no transporte público coletivo, que é aquele que deverá ter prioridade de investimento, e, por isso, não basta dizer que se vai fazer o investimento, tem de se passar das intenções à prática, e não é isso que está a acontecer.
Será que este Governo vai querer abrir serviços públicos no interior ou vamos continuar a acreditar que a utilização de um passe apenas nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto a preços aceitáveis é suficiente? Será que vamos ter a capacidade de levar a medida a todo o País? Será que vamos ter a capacidade de abrir as linhas ferroviárias para o interior, que são tão necessárias, para que essas populações deixem de estar isoladas?
Estas é que são as questões que devemos também referir no que poderá ser o nosso contributo para a descarbonização.