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Intervenções na AR (escritas)
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16/12/2020
Declaração política sobre culturas intensivas - DAR-I-030/2ª
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A crescente e acelerada reconversão de culturas agrícolas em modo tradicional para plantações intensivas e superintensivas de olival e de amendoal que se está a verificar, sobretudo no Alentejo, não está apenas a transformar a paisagem tradicional da região, está também a consumar um dos maiores crimes ambientais do nosso País.
Na verdade, com esta reconversão, começam a ser visíveis impactes ambientais — que eram, aliás, previsíveis — quando se avança para um sistema de culturas em regime intensivo ou superintensivo desta dimensão sem se ter acutelado um conjunto de elementos relacionados com o impacto no território, no ambiente e nas pessoas.
Estamos a falar de culturas que podem abarcar cerca de 2000 árvores por hectare, portanto, com distanciamentos muito curtos entre elas. Falamos de culturas muito exigentes no que diz respeito ao consumo de água e, numa altura em que o País necessita da implementação de medidas concretas que gerem eficácia no âmbito da vertente da mitigação das alterações climáticas, mas também da adaptação à mudança do clima, não se compreende como se caminha para um modelo de agricultura que assenta exatamente no oposto ao que se exige ao nível do uso da água.
Para além disso, estamos a erradicar a cultura tradicional, a fazer com que ela nem sequer seja economicamente viável, para dar lugar às culturas intensivas de regadio, que são altamente dependentes de água. Falamos de 200 000 ha de culturas intensivas, de onde se destaca o olival intensivo e superintensivo, com impactos muito sérios e a todos os níveis, que não se limitam apenas aos blocos de rega instalados no âmbito do Alqueva, mas que se alargam aos perímetros confinantes e a outras explorações onde essas culturas avançam de forma descontrolada.
As preocupações são muitas e vêm de todos os lados, até porque as populações estão a ser confrontadas com a implementação destas culturas e com a aplicação constante de pesticidas junto às suas povoações. E, à medida que estas culturas avançam, os impactos vão sendo cada vez mais visíveis. Numa região com alguns dos melhores solos do Alentejo e onde o risco de desertificação está mais que identificado, estas culturas intensivas estão a potenciar seriamente a erosão dos solos.
Por outro lado, a utilização de grandes quantidades de produtos fitofarmacêuticos e fertilizantes, por vezes efetuada até de forma desregrada, está a provocar efeitos a vários níveis, nomeadamente na saúde das populações, até porque existem culturas intensivas junto dos aglomerados populacionais, ficando as pessoas expostas a sérios riscos, decorrentes sobretudo da aplicação de agroquímicos. Tem efeitos também ao nível da qualidade da água, com os fertilizantes e os pesticidas a poluírem as águas superficiais e subterrâneas, com reflexos nos ecossistemas mas também na saúde humana, até porque é sabido que há pessoas que utilizam a água de captações junto a zonas de aplicação para consumo próprio; e também ao nível da riqueza biológica da região e da sua biodiversidade, sobretudo no que diz respeito à flora, que fica assim ameaçada, principalmente na sequência da aplicação de herbicidas em locais que funcionavam como refúgios de biodiversidade.
Com a multiplicação destas culturas intensivas, as linhas de água, com todos os valores ecológicos que lhes estão associados, estão a ser reduzidas a meras valas de drenagem, corrigidas e adulteradas, destruindo impiedosamente as galerias ribeirinhas e a vegetação marginal. Mas o problema agrava-se se tivermos em conta o uso abusivo de herbicidas que a cultura intensiva exige, seja em quantidade, seja em locais que deveriam funcionar como refúgio de biodiversidade.
Além de tudo isto, é ainda necessário ter presente o facto de parte desse trabalho ser realizado de forma precária, sem direitos e sem condições de dignidade, e também a destruição e a perturbação de vários locais com interesses culturais associados à história da região e até à da nossa civilização. De facto, a implementação destes projetos arrasa tudo à passagem das suas máquinas, destruindo para sempre sítios pré-históricos, neolíticos, calcolíticos, romanos e de outros períodos, que são de todos nós, assim como documentos e testemunhos, e impedindo gerações de conhecerem a sua história e de compreenderem como aqui chegámos.
Não pode valer tudo. A rentabilidade económica não pode ser feita a qualquer custo ou a qualquer preço. É preciso olhar também para os impactos ao nível da conservação do solo, ao nível da qualidade da água superficial e subterrânea, ao nível da saúde humana, ao nível da perda de biodiversidade, ao nível do património arqueológico e histórico, mas também ao nível da perda de uma certa identidade regional.
Estamos, portanto, diante de um problema grave, que a todos deve preocupar e que exige respostas urgentes, motivo pelo qual Os Verdes trazem o assunto de novo a debate. E digo «de novo» porque Os Verdes trouxeram já a debate algumas iniciativas legislativas com vista a contribuir para travar a expansão destas culturas e minimizar os efeitos das existentes, mas que, infelizmente, não mereceram o acolhimento desta Assembleia, nomeadamente quanto à necessidade de garantir um distanciamento das culturas intensivas já existentes relativamente às zonas populacionais, impedir que sejam atribuídas medidas agroambientais ou ajudas ou subsídios ao investimento em culturas intensivas e superintensivas ou ainda proibir a colheita mecanizada noturna da azeitona.
Todas estas iniciativas foram apresentadas com o objetivo de contribuir para travar estas culturas e promover uma agricultura sustentável, que respeite o ambiente, a biodiversidade, o património, a saúde pública e a qualidade de vida das populações, e também para, nesta matéria, fortalecer o combate às alterações climáticas.

Resposta a pedidos de esclarecimento

Sr. Presidente, antes de mais, queria agradecer ao Sr. Deputado Ricardo Vicente, do Bloco de Esquerda, à Sr.ª Deputada Emília Cerqueira, do PSD, e ao Sr. Deputado André Silva, do PAN, as perguntas que me colocaram.
Começo por responder ao Sr. Deputado Ricardo Vicente dizendo que concordamos com a intervenção que fez. De facto, o resultado a que estamos a assistir, por todo o Alentejo, mostra que a política agrícola e a política de ordenamento do território estão desajustadas, mas, na nossa perspetiva, mostra ainda que os interesses económicos continuam a sobrepor-se aos interesses coletivos, ao interesse público, e também à defesa dos recursos naturais.
Sr.ª Deputada Emília Cerqueira, não sei se a pergunta era para mim ou se era para o Sr. Deputado Ricardo Vicente, do Bloco de Esquerda, mas, como fui eu quem fez a declaração política, presumo que seja para mim.
Sr.ª Deputada, não é só o Alqueva que está em causa. Parece-me que a Sr.ª Deputada conhece mal o Alentejo, porque, senão, não diria isso.
De outro modo, perguntava-lhe o que é que o Alqueva tem a ver com o distrito de Portalegre, por exemplo, que também é Alentejo.

Como deve saber — deve ter aprendido isso na escola —, o Alentejo tem três distritos: Portalegre, Beja e Évora.
Ó Sr.ª Deputada, miséria era aquilo que os portugueses viviam, se calhar, na geração dos nossos pais, quando foram obrigados a emigrar. Portanto, a Sr.ª Deputada fala dessa miséria, mas eu falo da miséria em que vive a maior parte das pessoas que estão a trabalhar nesses olivais.

Com isso é que o PSD também se devia preocupar, ou seja, com as condições de dignidade com que essa gente trabalha nas culturas intensivas.

Sr.ª Deputada, não queremos hortas urbanas no Alentejo, queremos é preservar a cultura tradicional. Isto porque o que está a acontecer é que estas culturas intensivas estão a deixar de fora qualquer possibilidade de concorrência da cultura do olival tradicional face à produção intensiva e superintensiva a que estamos a assistir.
É isso que queremos: preservar o consumo da água, preservar a biodiversidade e preservar os solos. Não queremos falar de hortas urbanas, porque isso é praticamente brincar com um assunto tão sério como este.
Sr. Deputado André Silva, de facto, consideramos que o consumidor, nesta matéria, tem uma palavra a dizer e pode até condicionar o mercado. Por isso é que Os Verdes apresentaram já uma iniciativa legislativa para criar um selo para identificar as embalagens que contêm azeite com proveniência no olival intensivo. Consideramos que o consumidor deve ter acesso à informação sobre aquilo que consome, pois só dessa forma pode fazer opções mais conscientes e mais informadas.
Apresentámos essa iniciativa legislativa, exatamente para dar a oportunidade ao consumidor de saber o que vai consumir, permitindo-lhe, portanto, escolhas mais conscientes e mais informadas.
Sr. Presidente, começo por agradecer ao Sr. Deputado Norberto Patinho, do Partido Socialista, e ao Sr. Deputado João Dias, do PCP, as perguntas que me dirigiram.
Sr. Deputado Norberto Patinho, o desenvolvimento do Alentejo e o combate às alterações climáticas não têm nada a ver com o olival superintensivo. Bem pelo contrário.
Aliás, quando fala de desenvolvimento do Alentejo, não sei se está a falar de despovoamento, se está a falar de desemprego, se está a falar de direitos de trabalho, como aqueles a que estamos a assistir.
O Sr. Deputado até diz uma coisa que vai ficar nos anais da história: «O olival intensivo é menos exigente em termos de água». Sr. Deputado, vou fazer-lhe uma proposta: quando estiver com os empresários, pergunte-lhes, por favor, porque é que eles regam mesmo quando chove!
Então, se não precisa de água, porque é que, mesmo chovendo, a oliveira precisa de ser regada?! Pode fazer-lhes essa pergunta, que eles, se calhar, vão responder-lhe.
Sr. Deputado Norberto Patinho, se quiser continuar, posso partilhar o microfone consigo. Até estamos sentados perto um do outro!
Sr. Deputado, não há aqui ataques ao olival intensivo. O que se quer é que ele seja controlado com regras.
Sr. Deputado, acha, ou não, que seria razoável estabelecer uma distância mínima entre uma cultura intensiva ou superintensiva de olival ou de amendoal e as habitações? É ou não é justo?!

Então, porque é que o Partido Socialista vota contra?
Sr. Deputado, é, ou não, justo que acabem definitivamente com os apoios da PAC (política agrícola comum), tanto do primeiro pilar como do segundo, que, como sabe…
Não é justo?! Mas esses pilares são exatamente para o oposto, Sr. Deputado! Esses pilares, o primeiro e o segundo da PAC, como deve saber — e, se não sabe, fica a saber hoje —, destinam-se a agriculturas sustentáveis que poupem água e que poupem recursos naturais. Isso é exatamente o oposto daquilo que se está a verificar!
Se é assim, porque é que essas culturas hão de continuar a receber apoio da PAC?
Sr. Deputado João Dias, as medidas urgentes que se impõe tomar, basicamente, assentam nas propostas de Os Verdes para esta matéria: por um lado, o distanciamento entre as culturas intensivas, incluindo aquelas já existentes, e as zonas populacionais, com 300 m, dando um período para que aquelas que já estão instaladas se possam adaptar à lei; por outro lado, acabar com estes incentivos ou apoios da PAC, tanto do primeiro pilar como do segundo, porque, como sabemos, esses apoios visam exatamente o oposto do olival intensivo e superintensivo; por fim, dar a possibilidade ao consumidor, quando está a adquirir o azeite, de saber que azeite está a comprar, se é proveniente do olival intensivo ou azeite tradicional.
A grande questão sobre esta matéria é que, daqui por uns anos, deixamos de ter cultura tradicional. O Sr. Deputado Norberto Patinho, com a apologia que faz ao cultivo superintensivo, depois, vai ficar sem azeite tradicional.
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