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06/11/2019 |
Declaração política sobre o Aeroporto do Montijo - DAR-I-004/1ª |
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Intervenção do Deputado José Luís Ferreira - Assembleia da República, 6 de novembro de 2019
1ª Intervenção – Declaração Política
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Depois de a concessionária dos aeroportos portugueses, controlada pela Vinci, ter escolhido o Montijo para a localização da construção do aeroporto; depois de todos sabermos que este grupo económico também detém a concessão da exploração da Ponte Vasco da Gama, permitindo assim, com o aeroporto no Montijo, que esta multinacional fique a ganhar em duas frentes; depois de sabermos que não existe nenhum estudo que indique o Montijo como a melhor solução para a localização do aeroporto, tanto do ponto de vista do desenvolvimento do País, como do ponto de vista das populações e do ambiente; depois de todos termos a noção dos graves impactos ambientais que esta localização representa para os ecossistemas e também para a saúde das populações e depois do Governo ter dito que não havia plano B — ou a construção do aeroporto era no Montijo ou não haveria aeroporto —, a Agência Portuguesa do Ambiente vem emitir uma declaração de impacte ambiental favorável condicionada à construção do aeroporto na localização escolhida pela multinacional Vinci.
Nas palavras do presidente da APA, as várias entidades envolvidas no processo de avaliação encontraram um ponto de equilíbrio para viabilizar o aeroporto do Montijo. Ou seja, o que aconteceu neste processo de avaliação foi acomodar, do ponto de vista ambiental, uma decisão que já estava aparentemente assumida, porque ou era no Montijo ou não haveria aeroporto.
Mas, depois de tudo isto, a verdade é que o Governo ainda está a tempo de evitar um erro monumental em termos de desenvolvimento e um crime do ponto de vista ambiental e de ordenamento do território sem precedentes na nossa História.
O Governo ainda está a tempo de perceber que estamos a falar da construção de um aeroporto e não da instalação de um qualquer quiosque. O Governo ainda está a tempo de ouvir as populações, a generalidade das associações de ambiente e até os cientistas.
O Governo ainda está a tempo de atender aos níveis de ruido que irão afetar as populações do Lavradio, do Barreiro, da Baixa da Banheira e que se estendem até à Quinta do Conde, com consequências graves e potenciando, até, o aumento do risco de doenças cardiovasculares, a perda na aprendizagem das crianças, problemas de perturbações do sono, problemas respiratórios, entre outros.
O Governo ainda está a tempo de ter em conta os elevados impactos nos sistemas ecológicos, na avifauna, no domínio dos habitats e zonas de refúgio das aves, muitas delas, aliás, com estatuto de proteção. Está a tempo de perceber que os impactos da construção de cerca de 300 m de pista em zona de sapal contrariam tudo o que deve ser feito, sobretudo quando falamos de alterações climáticas. Está ainda a tempo de olhar, com olhos de ver, para o potencial perigo que esta obra representa ao nível dos recursos hídricos, tanto subterrâneos como superficiais.
Mas o Governo também tem de perceber que a construção do aeroporto no Montijo não é solução para o problema central, e o problema central chama-se Aeroporto Humberto Delgado.
As principais organizações do ambiente, como a Zero, o GEOTA (Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente), a LPN (Liga para a Protecção da Natureza), a SPEA (Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves) e outras apontam falhas grosseiras nas avaliações dos impactos.
Entretanto, um conjunto de onze cientistas portugueses vieram alertar para quatro falhas graves no estudo do aeroporto, a saber: completa omissão do estudo sobre as emissões de gases com efeito de estufa da aviação em fase de voo e o seu impacto nas metas do roteiro para a neutralidade carbónica, comprometendo, naturalmente, o seu cumprimento; erros de cálculo na análise de risco da subida do nível médio do mar e a omissão da análise de vários cenários face à situação de alterações climáticas; lacunas e omissões da avaliação sísmica, nomeadamente por esta ter sido avaliada à luz de um regulamento completamente desatualizado.
Depois do que aconteceu em Lisboa a 1 de Novembro de 1755, a avaliação sísmica deve ter um peso importante na definição de estratégias de ordenamento do território, de forma a mitigar os riscos, o que naturalmente passa por abandonar os locais mais vulneráveis e por não os ocupar.
Por fim, refere-se a subestimação do risco elevado associado à inundação por tsunami e a ausência de avaliação da respetiva vulnerabilidade, combinada com os cenários de subida do nível médio do mar.
Mas os cientistas portugueses não estão sozinhos nesta análise. De facto, um estudo internacional sobre as zonas do mundo em risco de subida do nível médio do mar, realizado por vários investigadores, aponta exatamente no mesmo sentido. E o assunto mereceu até destaque na imprensa internacional, como foi o caso do El Mundo, que dá nota, em letras gordas, ao título Por el cambio climático — El Gobierno portugués da luz verde a un nuevo aeropuerto en Lisboa que podría inundarse antes de 2050.
É verdade que o Governo ainda não deu luz verde, e é por isso que Os Verdes fazem aqui um apelo ao Governo para que abandone a construção do aeroporto no Montijo.
Em nome das populações, em nome dos valores ambientais ameaçados e em nome do interesse público, o Governo está ainda a tempo de recuar nesta pretensão. Caso contrário, vamos ter um aeroporto cuja localização foi escolhida por uma multinacional, onde se cruzam interesses, com o aumento do volume de tráfego na Ponte Vasco da Gama, cuja exploração está entregue à mesma multinacional que escolheu a localização do aeroporto.
Uma infraestrutura com a dimensão da de um aeroporto não pode estar sujeita apenas aos interesses, nem da Vinci, nem de qualquer outro grande grupo económico. É preciso convocar o interesse público para decisões desta dimensão e desta natureza. Por isso, Os Verdes defendem uma Avaliação Ambiental Estratégica que permita avaliar várias hipóteses para se poder comparar qual a que menos danos provoca do ponto de vista ambiental.
Em síntese, é preciso garantir a presença do interesse público neste processo.
2ª Intervenção – resposta a pedidos de esclarecimento
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados Carlos Pereira, do Partido Socialista, Bruno Dias, do Partido Comunista Português, e Sandra Cunha, do Bloco de Esquerda, começo por agradecer as perguntas que me colocaram.
Sr. Deputado Carlos Pereira, não são motivos meramente ambientais os que nos levam a recusar esta solução. Não sei se ouviu o que eu disse na minha intervenção, mas se calhar até foquei mais a ausência do interesse público neste processo do que as questões ambientais. Portanto, não desvalorizando as questões ambientais, porque são importantes, e por isso é que se faz a avaliação de impacte ambiental, o que não é pouco, interessa também dizer que estamos a falar de uma localização que foi escolhida por uma multinacional em função dos interesses dessa multinacional. Ou seja, o interesse público na localização esteve absolutamente ausente. Não sei se se apercebeu que o Sr. Ministro do Ambiente disse aqui, para quem quis ouvir, durante a discussão do Programa do Governo, que não foi o Governo que escolheu a localização. Nós já sabíamos que tinha sido a multinacional, mas foi a primeira vez que ouvimos um membro do Governo a assumi-lo.
A questão é, pois, mais de interesse público, é mais de desenvolvimento, sem prejuízo da valorização que nós fazemos das questões ambientais.
Sr. Deputado, naturalmente que nenhuma localização é inocente do ponto de vista ambiental, e muito menos é quando são os interesses privados a mandar e não o interesse público.
É por isso que defendemos uma avaliação ambiental estratégica, porque, ao contrário do que diz o Sr. Ministro do Ambiente, que faz uma avaliação mais vaga, é a única avaliação que nos permite comparar alternativas para ver qual é a melhor. O que aconteceu neste caso foi que a multinacional escolheu o local e depois a APA fez aquilo que o próprio Presidente da APA disse, ou seja, que arranjaram um ponto de equilíbrio para acomodar os efeitos à localização.
Sr. Deputado, deixe-me ainda dizer-lhe que, ao fim de 50 anos — é muito tempo, é meio século —, nós não temos um único estudo que diga que o Montijo é uma boa localização. Ao fim de 50 anos!
E também lhe digo que quem esteve à espera 50 anos é melhor que espere mais dois ou três do que cometer o erro que o Governo vai cometer se avançar com a localização do aeroporto no Montijo.
O Sr. Deputado Bruno Dias tocou na ferida, que é a seguinte: um dos problemas deste processo — e por isso é que, há pouco, eu disse que o processo nasceu torto — é que o Governo, quando fez o acordo com a multinacional Vinci, juntou os dois processos, isto é, este processo está dependente da expansão do Aeroporto Humberto Delgado e, portanto, está tudo condicionado.
Sr. Deputado Carlos Pereira, esta decisão não resolve nenhum problema, porque o problema central que é o Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, manter-se-á com o aeroporto no Montijo e, portanto, não se resolve nenhum problema.
Sr.ª Deputada Sandra Cunha, é verdade que, no sítio onde é, esta não podia ser uma escolha com mais problemas. De facto, por mais escolhas que fizessem não havia nenhuma que, do ponto de vista ambiental, trouxesse mais problemas.
E quando falamos nas alterações climáticas sublinhamos que elas são incompatíveis, pois quando os interesses privados falam mais alto as coisas são mais complicadas. Ora, como a Sr.ª Deputada muito bem disse, não havendo plano B, isto pode não condicionar mas atira com a responsabilidade ou com o ónus de não haver uma obra para quem tem de dar parecer em termos de avaliação de impacte ambiental.
Portanto, na nossa perspetiva, a escolha da melhor localização há de ser aquela que decorrerá de uma avaliação ambiental estratégica, que é aquilo que nós defendemos.