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20/11/2019 |
Declaração Política sobre paraísos fiscais e fim dos offshores - DAR-I-008/1ª |
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Intervenção do Deputado José Luís Ferreira - Assembleia da República, 20 de novembro de 2019
1ª Intervenção – Declaração Política
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O mecanismo dos paraísos fiscais carateriza-se, regra geral, por um regime fiscal extremamente favorável, em termos de impostos sobre o rendimento, pela ausência do controlo das atividades desenvolvidas, pela permanência do sigilo bancário e comercial e pela falta de transparência e ausência de troca de informações.
Através desse mecanismo, as empresas ou pessoas registam os lucros não no país onde fazem os negócios e ganham esse dinheiro, mas sim nos paraísos fiscais, para beneficiarem dessas vantagens, não sendo os seus lucros sujeitos a impostos sobre rendimentos nem as suas receitas taxadas. Não será, por isso, de estranhar que uma das formas mais comuns de evasão fiscal internacional seja o recurso a paraísos fiscais, estimando-se que haja uma concentração de 26% da riqueza mundial nesses sítios, que já há muito se percebeu para que servem e quem servem.
Perante estes factos, facilmente se conclui que os paraísos fiscais têm contribuído e continuam a contribuir, aliás, de forma muito acentuada, para a imoralidade e para a injustiça fiscal que vai reinando entre nós. Também por isso, Os Verdes consideram inaceitável que existam zonas absolutamente intocáveis, onde a supervisão financeira não entra, a cooperação judicial fica à porta e os próprios Estados preferem fingir que não estamos perante um problema que urge resolver.
Ora, um Estado não pode pactuar com este mecanismo, que permite não pagar impostos, fugir ao pagamento das obrigações fiscais e esconder dinheiro. Não deve pactuar com isso sobretudo quando sabemos que estas atividades podem estar, na maioria dos casos, associadas a negócios pouco claros, à economia clandestina, à evasão e fraude fiscal, ao crime organizado, à lavagem de dinheiro e, por vezes, até a práticas que fragilizam a estabilidade mundial, como o negócio da droga e do armamento.
Do outro lado, temos os cidadãos que trabalham, que têm menos rendimentos, mas que contribuem para a economia e para o desenvolvimento do País e são obrigados a pagar os seus impostos, tendo ainda salários e pensões muito baixos. Logo, não é aceitável que se continue a perpetuar um sistema onde a generalidade dos cidadãos viva num verdadeiro inferno fiscal e outros, uns poucos, vivam em paraísos fiscais, gozando o privilégio de pouco ou nada pagarem em impostos pelos seus avultados rendimentos.
Acresce ainda que a existência de paraísos fiscais é absolutamente inseparável do agravamento das desigualdades sociais, da pobreza e da insustentabilidade do modelo económico que se vai instalando no mundo. Num Estado de direito, exige-se que a lei seja igual para todos e ninguém, por muito dinheiro que tenha, pode ter um tratamento diferenciado. Aliás, a falta de transparência e clareza que estas isenções fiscais envolvem acaba por trazer custos elevados aos Estados nacionais, tanto por via da fuga de capitais e, consequentemente, pela perda de receita fiscal, como pela pressão que exercem sobre as jurisdições, por via da concorrência fiscal.
Efetivamente, os paraísos fiscais fragilizam de forma substancial as bases financeiras do Estado e não criam riqueza para o País, colocando em causa as suas receitas e os seus recursos, que, de outro modo, poderiam ser canalizados para investimento público em áreas absolutamente prioritárias, como os serviços públicos ou as políticas sociais.
Segundo um estudo da Comissão Europeia, os portugueses — ou melhor, uma parte de alguns portugueses — desviaram cerca de 50 000 milhões de euros para offshore entre 2001 e 2016, tornando-se Portugal no terceiro País da União Europeia que mais riqueza transferiu para paraísos fiscais.
Por outro lado, é bom não esquecer que os paraísos fiscais também foram palco de alguns acontecimentos, como a falência de bancos ou as fraudes em larga escala.
Por cá, sempre será oportuno recordar os processos escandalosos do BCP, do BPP ou do BPN, que iniciaram práticas relacionadas com empresas sediadas, precisamente, em paraísos fiscais e cuja fatura acabou por ser paga pelos contribuintes.
Como facilmente se percebe, a existência de paraísos fiscais, para além da injustiça e da imoralidade que transportam, têm ainda consequências negativas do ponto de vista económico, financeiro, social e político, razão pela qual Os Verdes sempre se opuseram a este sistema e sempre clamaram o seu fim.
A verdade é que a Organização das Nações Unidas e a OCDE têm aconselhado, há décadas, um combate à utilização dos paraísos fiscais, mas optando pela vertente da necessidade de troca de informações entre os paraísos fiscais e os Estados, o que, sendo importante, não resolve, de todo, o problema da própria existência dos paraísos fiscais.
Portanto, por uma cultura de responsabilidade democrática, impõem-se medidas para combater as práticas que continuam a favorecer quem pretende fugir às suas obrigações fiscais.
É, pois, imperioso caminhar no sentido de eliminação dos paraísos fiscais, e de uma vez por todas como forma de ajudar também a credibilizar o nosso sistema fiscal.
Bem sabemos que o Governo português não pode impor o fim dos paraísos fiscais fora das suas fronteiras, mas também sabemos que não podemos esperar passivamente que o problema se resolva. E, sobretudo, sabemos que o Governo pode e deve diligenciar, junto dos restantes Estados da União Europeia e das organizações internacionais de que faz parte, no sentido de procurar medidas e de encontrar soluções para acabar com os paraísos fiscais.
Nesse sentido, Os Verdes deram hoje entrada na Assembleia da República de uma iniciativa legislativa exatamente com o objetivo de recomendar ao Governo que tome a iniciativa de se envolver ativamente, junto dos restantes Estados e das organizações internacionais de que faz parte, no sentido de encontrar soluções com vista à eliminação dos paraísos fiscais.
2ª Intervenção – resposta a 2 pedidos de esclarecimento
Sr. Presidente, antes de mais, queria agradecer ao Sr. Carlos Silva, do PSD, e ao Sr. Deputado Duarte Alves, do PCP, as perguntas que me colocaram.
Sr. Deputado Carlos Silva, tanto me importa que seja muito ou pouco o que foi transferido. Nem sei se isso até se deve ao mérito do Governo. Daqui a pouco, vamos dizer que o foi o Governo do PSD e do CDS que não deixou que o dinheiro fosse para os offshore. Se calhar, foi isso…
Quando há pouco dizia que se fez muito barulho no tempo do PSD e do CDS, o Sr. Deputado sabe perfeitamente qual foi o motivo da discussão e do barulho que isso gerou, que nada teve a ver com o volume de transferências de capitais. O Sr. Deputado sabe muito bem qual foi o motivo.
Já agora, a propósito dos megafones, deixe-me dizer uma coisa, Sr. Deputado: não pode dizer que Os Verdes estiveram em silêncio, porque hoje escolheram como tema da sua declaração política os paraísos fiscais.
Mas, a propósito de megafones e da vossa preocupação — que, certamente, também partilham connosco — com a injustiça que representa a existência dos paraísos fiscais, vamos ver onde o Sr. Deputado Carlos Silva e os Deputados do PSD vão colocar o megafone quando chegar a altura de votar o projeto que Os Verdes apresentaram hoje na Assembleia da República, exatamente para que o Governo possa diligenciar, tanto na Comissão Europeia como nas organizações de que faz parte, no sentido de acabar com este regabofe, em que uns vivem em paraísos fiscais e a generalidade das pessoas vive num verdadeiro inferno fiscal.
Sr. Deputado Duarte Alves, é verdade, como eu disse da tribuna, que os paraísos fiscais estão muitas vezes ligados à economia clandestina e até a outras questões muito mais graves. Mas, naturalmente, esta proposta de Os Verdes não invalida nem substitui a luta ou o combate que tem de ser feito em relação à evasão e à fraude fiscal que temos pela frente e que é preciso travar. Por isso, contará também com o contributo do Partido Ecologista «Os Verdes» para esse debate, como também para promover o combate à evasão fiscal.
3ª Intervenção – resposta a 2 pedidos de esclarecimento
Sr. Presidente, queria agradecer os pedidos de esclarecimento formulados pelo Sr. Deputado Fernando Anastácio e pela Sr.ª Deputada Mariana Mortágua.
Sr. Deputado Fernando Anastácio, de facto, também em Portugal têm surgido algumas tentativas no sentido de modificar o enquadramento jurídico dos paraísos fiscais. Mas não tiveram, não têm, nem podem ter grande sucesso porque, acima de tudo, o que é preciso, creio, é acabar com os paraísos fiscais.
O tema é importante, como o Sr. Deputado diz, não só porque os paraísos fiscais promovem a injustiça e a imoralidade fiscais, mas, sobretudo, porque descredibilizam o Estado de direito democrático, sendo até prejudiciais para o próprio Estado, que perde receitas por via da fuga de capitais que podiam ser investidos ao nível dos serviços públicos onde tanta falta fazem.
Depois, Sr. Deputado, de facto, é verdade que a questão das listas é um aspeto lateral, digamos assim. Era importante que houvesse cooperação com o propósito de acabar com os paraísos fiscais. A cooperação para a troca de informações é importante, mas o que era realmente importante era acabar com os paraísos fiscais.
Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, de facto, há uma parte da riqueza que é transferida para esses paraísos fiscais e todos sabemos porquê. O objetivo primeiro será, exatamente, o de fugir ao fisco, isto é, não pagar impostos. Muitas vezes, são dinheiros cuja proveniência é duvidosa e, nalguns casos, a sua origem está ligada a coisas bem mais complicadas como o armamento e o negócio das armas.
Mas também é verdade o que refere: tudo acontece porque a lei o permite e também porque foi muito promovido pela banca. Todos sabemos que isso é verdade e que há responsáveis por isso, como também foi referido.
Sobre a alteração da lei em relação ao Centro Internacional de Negócios da Madeira, quando a proposta aparecer — creio que não foi apresentada ainda —, teremos a oportunidade de nos pronunciarmos sobre ela.