|
11/12/2019 |
PROJETO DE LEI N.º 158/XIV/1ª - Proíbe a caça à raposa, exclui esta espécie da Lista de Espécies Cinegéticas e procede à alteração ao Decreto-Lei nº 202/2004, de 18 de agosto |
|
A raposa (Vulpes vulpes) é um mamífero canídeo de pequeno porte, pertencente à fauna selvagem e bastante comum em Portugal. A espécie está presente em todo o território nacional, exceptuando-se as ilhas dos Açores e da Madeira. Apesar de habitar preferencialmente em zonas de floresta, matagal e campos agrícolas, pode também ser encontrada perto das zonas urbanas.
A raposa tem uma alimentação generalista omnívora baseada em coelhos, lebres, ratos e musaranhos, pequenas aves, coleópteros, minhocas e outros invertebrados e frutos. Tem um papel importante no equilíbrio e controlo das populações de pequenos roedores e, sendo também um animal necrófago, contribui para o processo de decomposição e limpeza de cadáveres de animais no meio rural e florestal, ajudando a conter doenças propagáveis por estes.
Tem como predadores naturais algumas águias, o bufo real e o lobo, entre outros. Para além dos predadores naturais a raposa é ainda vítima de predação por cães domésticos e de atropelamentos nas estradas.
Por sua vez, a caça vem acrescentar um peso significativo ao rol de ameaças à população de raposas. De facto, segundo dados do ICNF, entre 2005 e 2015 terão sido abatidas em regime cinegético pelo menos 143 mil raposas. É, aliás, comum, a quem passeia no espaço rural português, encontrar raposas mortas penduradas em árvores, cercas ou vedações, como troféus exibidos numa expressão cultural que não se justifica, nem é aceitável nos dias de hoje.
E se é verdade que, por vezes, se verifica um conflito entre criação de animais domésticos para alimentação nas zonas rurais e predação por raposas, também é verdade que esse conflito é, na maior parte dos casos, potenciado por uma proteção deficitária, seja por falta de cães de gado, tal como de resto sucede no caso do lobo, seja por deficientes condições de abrigo e guarda.
Por isso, Os Verdes consideram fundamental um real intercâmbio entre as vertentes protecionistas e as vertentes produtivas, porque é possível e desejável compatibilizá-las.
Ainda que o estatuto de conservação da raposa no nosso território não seja preocupante, como de resto não o é para outras espécies, tal facto não justifica a sua inclusão na lista de espécies cinegéticas. Afinal estamos a falar de uma espécie sem qualquer interesse gastronómico e que, ainda por cima, não representa, comprovadamente, qualquer perigo, nem do ponto de vista da segurança, nem da saúde pública, nem do ponto de vista dos ecossistemas do nosso país.
O Atlas dos Mamíferos Portugueses de 2017 recomenda estudos de monitorização desta espécie, cuja dinâmica populacional não é suficientemente conhecida, apesar de ser provavelmente um dos mamíferos carnívoros mais comuns no nosso território.
Ora, a preservação da biodiversidade e da função que as espécies desempenham nos ecossistemas faz recair sobre nós a responsabilidade de atuar, de agir para que os estatutos de proteção, mesmo que com graus diferenciados, não se limitem aos animais domésticos, fundamentalmente o cão e o gato, ou às espécies em vias de extinção.
Na verdade, a responsabilidade que, enquanto humanos, nos é imputada no sentido de valorizar a biodiversidade, convoca-nos a alargar o horizonte das nossas preocupações às espécies não ameaçadas de extinção nos nossos dias, e a recusar sem quaisquer reservas, a teoria ou a ideia caduca e, nos dias de hoje, desprovida de qualquer sentido, de que tudo o que mexe pode ser caçado.
Por isso mesmo, Os Verdes, não negando a importância cultural e económica que a atividade cinegética assume no meio rural, não pretendem colocar em causa a sua existência com a presente iniciativa legislativa, mas entendem que esta atividade deve cingir-se ao abate de espécies com valor gastronómico.
Bem sabemos que em discussões sobre esta matéria é muitas vezes convocado o argumento do controlo de populações de espécies. Mas, no entendimento dos Verdes, o controlo da população não pode servir de base para manter a raposa entre as espécies cinegéticas, até porque a haver necessidade de controlo de populações, ela deve fazer-se sob a vigilância ou determinação de órgãos que devem ter como preocupação central a erradicação de ameaças à biodiversidade, desde logo o Instituto para a Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). Se o controlo de população de espécies é uma responsabilidade do Estado, deve ser o Estado e só o Estado a concretizar esse controlo.
Neste contexto, o Projeto de Lei que o Partido Ecologista Os Verdes agora apresenta procura estabelecer um mecanismo de proteção adequado para a referida espécie, sem colocar em causa aquilo a que se poderia chamar a verdadeira caça, que, aliás, nunca por nunca, e sobretudo nos dias de hoje, poderá significar atingir um animal pelo simples prazer de matar.
Assim, com o objetivo de retirar a raposa da lista de espécies cinegéticas, o Grupo Parlamentar Os Verdes apresenta, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Objeto
1 – A presente Lei proíbe a caça à raposa, (Vulpes vulpes).
2 – Para efeitos do disposto no número anterior, a presente Lei procede à oitava alteração ao Decreto-Lei nº 202/2004, de 18 de agosto, que estabelece o “regime jurídico da conservação, fomento e exploração dos recursos cinegéticos, com vista à sua gestão sustentável, bem como os princípios reguladores da atividade cinegética”.
Artigo 2.º
Interdições
Excecionando os casos a que se refere o artigo 3º da presente Lei:
1 - É interdita a caça à raposa (Vulpes vulpes) não podendo esta espécie ser considerada cinegética.
2 - É ainda interdita a captura ou o abate de espécimes de raposa em qualquer altura do ano, assim como a perturbação dos seus locais de reprodução e repouso.
Artigo 3.º
Correção de efetivos populacionais
Verificando-se a necessidade de se proceder à correção de efetivos populacionais de raposas a respetiva correção só poderá ocorrer nas seguintes condições:
1 - A existência de censos consistentes, reconhecidos pelo organismo que tutela a conservação da natureza, que comprovadamente revelem um excesso populacional que possa pôr em causa o equilíbrio dos ecossistemas ou constituir perigo para a saúde pública;
2 - As correções populacionais só poderão ser efetuadas por pessoal técnico do organismo que tutela a conservação da natureza, por processos definidos pela equipa técnica e em cada situação.
3 – O organismo que tutela a Conservação da Natureza deverá providenciar os meios humanos, materiais e financeiros necessários para o regular acompanhamento da dinâmica das populações de melros no sentido de melhor aferir da necessidade de proceder às ações previstas no número anterior.
Artigo 4.º
Lista de espécies cinegéticas
É retirada da lista de espécies cinegéticas constante do Anexo I do Decreto Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto, a raposa (Vulpes vulpes).
Artigo 5.º
Alterações ao Decreto-Lei nº 202/2004, de 18 de agosto
Os artigos 79º, 84.º, 87.º, 89.º e 94.º do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto, passam a ter a seguinte redação:
«Artigo 79.º
Armas de fogo
1 — (…)
2 — (…)
3 — (…)
4 — (…)
5 — (…).
6 — (…)
7 — Exceptua -se do disposto na alínea b) do n.º 3 a caça ao saca-rabos, durante as montarias e batidas de caça maior realizadas em terreno ordenado, em que é permitido o uso de bala.
Artigo 84.º
Cães de caça
1 — (…)
a) (…);
b) (…);
c) (Revogado)
2 — (…).
3 — (…).
4 — (…).
5 — (…).
6 — (…).
Artigo 87.º
Cavalo
1 - A utilização de cavalo só é permitida na caça às espécies de caça maior, à lebre e na caça de cetraria.
2 – (…)
Artigo 89.º
Dias de caça
1 – (…)
2 – (…)
3 – (…)
a) A caça de batida ao saca-rabos e a caça ao javali prevista no n.º 2 do artigo 105º, nos meses de janeiro e fevereiro, que pode ser exercida aos sábados;
b) A caça de cetraria e a caça com arco ou besta, que se exerce às quartas-feiras e aos sábados, não coincidentes com dia de feriado nacional obrigatório.
4 – (…).
Artigo 94.º
Caça ao saca-rabos
1 - A caça ao saca-rabos pode ser exercida de salto, à espera e de batida.
2 - A caça ao saca-rabos pode ser permitida nos meses de outubro a fevereiro, inclusive, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
3 - Em terrenos cinegéticos não ordenados:
a) A caça de salto só pode ser permitida nos meses de outubro a dezembro, inclusive;
b) A caça de batida só pode ser permitida nos meses de janeiro e fevereiro e apenas nos locais e nas condições estabelecidos em edital da DGRF.»
Artigo 6.º
Contraordenações
Constituem contra-ordenações a caça, o abate deliberado e a captura de espécimes de raposa, em qualquer altura do ano, assim como a perturbação dos seus locais de reprodução e repouso, salvo as situações previstas na presente lei.
Artigo 7.º
Regime sancionatório
É aplicado à presente Lei o regime sancionatório previsto no Capítulo XI do Decreto-Lei nº 202/2004, de 18 de agosto.
Artigo 8.º
Regulamentação
O Governo procede à regulamentação e adaptação do regime cinegético, nomeadamente o previsto no n. 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto, tendo em conta as presentes alterações à Lei, no prazo máximo de 30 dias a contar da data da publicação da presente Lei.
Artigo 9.º
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor no dia seguinte à sua publicação.
Acompanhe aqui a evolução deste Projeto de Lei.