A alergia é a hipersensibilidade do organismo a algo ingerido, inalado ou meramente tocado, ou seja, é a resposta imunológica a uma determinada substância que o nosso sistema de defesa considera nefasta, quando, na realidade, não o é. O sistema imunológico assim que deteta, e identifica, o presumível invasor toma medidas céleres, chamando a atuar anticorpos para se defender.
As alergias afetam cronicamente mais de um terço da população em Portugal e na Europa. Estas têm vindo a ter uma expressão considerável nas últimas décadas derivando não só de fatores genéticos, mas estão sobretudo relacionadas com a alteração do nosso estilo de vida, da dieta alimentar, do sedentarismo, da obesidade, do consumo excessivo de medicamentos, da exposição a alergénios, ou mesmo relacionadas com alterações do próprio meio, por exemplo poluição (fora ou dentro dos edifícios), proliferação de espécies invasoras, como a vespa velutina, entre outros.
As alergias mais comuns estão associadas ao ambiente que nos rodeia como é o caso da alergia ao pólen, aos ácaros, aos bolores, ao pelo dos animais, algumas das quais correlacionadas com a época do ano, como é o caso da alergia ao pólen na primavera afetando inúmeras pessoas.
Todavia, são cada vez mais frequentes as alergias a determinados alimentos, em particular às suas proteínas (e.g. leite de vaca, ovos, peixe, marisco, amendoim, frutos de casca rija), bem como a medicamentos (e.g. anti-inflamatórios, anestésicos, antibióticos) e ao veneno de alguns insetos como a abelha e a vespa, alergias que se podem revestir de um grau de perigosidade ainda maior.
As alergias alimentares são cada vez mais frequentes em consequência sobretudo da introdução de novos alimentos na nossa dieta e da invasão de alimentos industrialmente processados, em que são adicionados muitos aditivos, caso dos corantes e conservantes.
O documento de 2016 “Alergia Alimentar na Restauração” do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável da Direção Geral de Saúde (DGS), indica que 8 em cada 100 crianças sofrem de alergia alimentar, e que nos adultos a prevalência é cerca de 5%. Este documento refere igualmente que a alergia alimentar aumentou 18% numa década, e no caso concreto das crianças, este aumento é de 50%, uma tendência preocupante.
As alterações nos ecossistemas podem também ser relevantes não só para o aumento de alergias, como também pela sua gravidade. A título de exemplo, a proliferação da vespa velutina, vulgarmente designada de asiática, que é uma espécie exótica invasora que entrou no nosso país em 2011 veio trazer uma preocupação acrescida, em particular para as pessoas alérgicas ao veneno das suas picadas.
A picada da vespa velutina não é mais grave do que da vespa europeia (vespa cabro) ou da nossa abelha (apis mellifera), nem se pode considerar que este inseto que tenha índole ofensivo. A vespa apenas ataca quando sente que a sua colónia ativa (nicho) está em perigo. Se não detetados os ninhos que podem estar debaixo da terra, junto ao solo, ou a 20 metros de altura, poderão constituir perigo, nomeadamente em operações de abate de árvores, corte de vegetação, ou em qualquer ação que leve à trepidação do nicho. Nos últimos meses conforme referido na comunicação social, faleceram três pessoas devido a choques anafiláticos após terem sido picadas por vespas asiáticas.
Quando a reação alérgica é muito intensa passa a anafilaxia, que é a reação alérgica generalizada por todo o corpo (sistémica) que no extremo pode evoluir para um choque anafilático que é um colapso cardiorrespiratório, em que há mesmo risco de morte. A reação anafilática pode ocorrer não apenas quando o alergénio é ingerido, mas também quando este é inalado ou por contacto direto (pele).
Segundo a Direção Geral de Saúde a anafilaxia tem aumentado em Portugal e a sua prevalência na Europa está estimada em 0,3%. Os dados epidemiológicos mostram uma incidência de anafilaxia de entre 1,5 – 8 por 100.000 pessoas/ano, com um aumento dos casos de anafilaxia nos últimos anos.
Os sintomas da alergia manifestam-se através de comichão e urticária, náuseas, vómitos e dor abdominal intensa, hipotensão arterial, desmaio, taquicardia, dificuldade em respirar, inchaço nos lábios, língua e pálpebras, e até inchaço na zona interna da garganta, com risco de asfixia. Os sintomas podem ter início segundos após o doente entrar em contacto com a substância a que é sensível ou até uma hora depois. O quadro típico é o de colapso cardiorrespiratório em poucos minutos. O diagnóstico e a intervenção imediata são fundamentais para evitar que seja fatal.
A resposta mais célere e eficaz à anafilaxia, que pode salvar vidas, revertendo o choque anafilático, passa pela caneta auto-injetável de epinefrina substância normalmente conhecida por adrenalina. A epinefrina é uma hormona que aumenta a pressão arterial e aumenta os níveis de glucose no sangue, sendo naturalmente libertada como uma resposta para preparar o corpo para uma reação rápida, em momentos de stress.
A epinefrina, aumenta a pressão arterial através do estreitamento dos vasos sanguíneos e, regulariza a respiração descontraindo os músculos dos pulmões. Adicionalmente, aumenta a frequência cardíaca e reduz o inchaço que se pode formar devido à reação alérgica.
Às pessoas que sejam gravemente alérgicas a uma determinada substância, desencadeando um choque anafilático, é recomendado, por motivos de segurança, trazerem consigo um kit de emergência com adrenalina para autoadministração, prescrito pelo médico, pois a injeção deve ser administrada o mais rapidamente possível.
Por exemplo, devido às restrições nas viagens aéreas, em particular a bordo do avião, é emitida uma declaração médica permitido que estas pessoas se façam acompanhar sempre do seu kit de emergência. Para além de duas injeções de adrenalina o kit deverá conter também anti-histamínicos e corticosteroides.
Porém, a injeção de adrenalina tem um custo elevado, ou seja, 35,94€ com comparticipação, se não, ascende aos cinquenta e sete euros numa das duas marcas que comercializa a epinefrina. Para além do preço excessivo, a validade deste medicamento é curta, não ultrapassa um ano, levando a que os doentes periodicamente despendam este valor, que se soma aos gastos adicionais diários, como é o caso das alergias alimentares, associados às restrições e especificidades da alimentação ou à medicação necessária.
Os doentes com alergias graves, nomeadamente às picadas de insetos e aos alergénicos alimentares, têm vindo a reclamar a gratuitidade da respetiva injeção, mediante a prescrição médica, uma vez que a comparticipação é apenas de 37% queixando-se também da frequente falta de stock do medicamento nas farmácias.
Acresce ainda mencionar que, dado o crescente aumento de situações anafiláticas, nomeadamente relacionadas com a alimentação torna-se importante não só a gratuitidade do kit de adrenalina para estes doentes alérgicos, mas também garantir que todas unidades de saúde garantam adrenalina injetável e que as farmácias assegurem em stock canetas de adrenalina.
Por outro lado, dado o número crescente de crianças alérgicas, em particular a alergénicos alimentares, é importante que as escolas passem a realizar ações para sensibilizar a própria comunidade escolar para: as adversidades das alergias, as medidas de redução da exposição a alergénios; práticas e comportamentos inclusivos das pessoas com alergia alimentar; primeiros socorros.
Tendo em consideração:
- O aumento crescente dos casos da anafilaxia provocado por alergénicos alimentares ou ao veneno das abelhas e vespas;
- A recomendação às pessoas com alergias graves de se fazem acompanhar com um kit de emergência;
- Que apenas 37% do valor da caneta de adrenalina é comparticipado mediante de receita médica;
- A necessidade de garantir nas unidades de saúde adrenalina injetável;
- A constante falta de stock das farmácias da caneta de autoadministração;
- A importância de formação/informação para apoiar em situações de emergência;
- A pertinência de sensibilizar a comunidade escolar para a problemática das alergias e necessidade de reduzir a exposição das pessoas alérgicas ao risco de contacto com as substâncias alergénicas.
O Partido Ecologista Os Verdes apresenta o seguinte Projeto-Lei permitindo aos doentes com alergias graves, a gratuitidade da caneta de adrenalina auto-injetável, a garantia de acesso à adrenalina nas unidades de saúde e farmácias, bem como a formação e sensibilização para a problemática das alergias.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar Os Verdes apresenta o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1º
Objeto
O presente diploma visa a gratuitidade da medicação de emergência adquirida pelos doentes com alergias graves, a garantia de disponibilização de adrenalina nas unidades de saúde e farmácias e a formação e sensibilização para a problemática das alergias.
Artigo 2º
Comparticipação
O medicamento auto-injetor de adrenalina, vulgarmente designada por caneta de adrenalina, passa a ser comparticipado na totalidade mediante prescrição médica.
Artigo 3º
Disponibilização
1- As farmácias garantem sempre em stock, pelo menos duas unidades do medicamento auto-injetor de adrenalina.
2- Todas as unidades de saúde têm de garantir adrenalina injetável.
Artigo 4º
Sensibilização
As escolas em articulação com as unidades de saúde da área de abrangência passam a promover a realização de ações de sensibilização, formação e a disponibilização de informação sobre a alergias, em particular alimentar, bem como de socorrismo.
Artigo 5º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor 180 dias após a sua publicação.
Acompanhe aqui a evolução desta iniciativa legislativa.