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02/06/2020 |
PROJETO DE LEI N.º 430/XIV/1.ª - RECUPERAÇÃO DO CONTROLO PÚBLICO DA TAP |
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A TAP Air Portugal foi criada a 14 de março de 1945 com o nome Transportes Aéreos Portugueses e é uma empresa estratégica que, para além de constituir uma das maiores exportadoras nacionais, representa também um instrumento da nossa soberania, num país com 11 ilhas atlânticas e importantes comunidades emigrantes em todos os continentes, espalhadas um pouco por todo o mundo.
No entanto, ao longo dos tempos, foram várias as tentativas de privatização da TAP. A primeira vez que se falou no tema foi em 1991, quando o Governo de então aprovou a transformação do grupo em sociedade anónima, estabelecendo o diploma que saiu do Conselho de Ministros, que o Estado teria direito a ficar com pelo menos 51% do capital para assegurar o serviço público.
Sucederam-se muitas e intensas polémicas intensas ao longo dos anos e, em 2011, a TAP é incluída no lote de privatizações do programa de ajustamento financeiro negociado com a troika.
Em 2015, apesar da controvérsia e da contestação, o Governo PSD/CDS privatizou 61% do capital da empresa ao consórcio Atlantic Gateway.
Em 2016, com um novo quadro político na Assembleia da República, foi possível avançar para a recuperação de 50% do capital por parte do Estado, o que, mesmo assim, ficou longe do que se impunha: a anulação da privatização.
Desta forma, o Estado recuperou o controlo acionista da empresa, mas não os direitos económicos, prescindindo do controlo público da gestão da empresa. Ou seja, continuam a ser os privados a mandar.
Foi precisamente com vista à anulação da privatização que, logo em 2015, o Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes apresentou o Projeto de Resolução N.º 1472/XII/4.ª que, lamentavelmente, foi rejeitado.
À semelhança de outros maus exemplos de privatização de sectores estratégicos para a economia portuguesa, a privatização da TAP foi um erro de grande dimensão para o país e os portugueses que o Governo PSD/CDS, fez questão de ignorar, apesar de todas as evidências.
Importa recordar que a TAP não apresentava problemas significativos, até ter ocorrido, em 2007, a desastrosa compra a 100% da VEM Brasil (Varig Engenharia e Manutenção), que acarretou prejuízos consecutivos e passivos elevados, tendo ficado com uma dívida de mais de 500 milhões de euros.
Relativamente a esta operação, o Governo de então conformou-se pacificamente, não tendo feito sequer um esforço para a sua renegociação.
Saliente-se que as condições em que se deu esta privatização foram muito lesivas para o Estado, que vendeu a empresa por cerca de 10 milhões de euros. Ou seja, um grande negócio para os privados e um grande erro para o Estado.
O Governo PSD/CDS defendeu que a privatização da TAP era inevitável e um dos argumentos foi o equilíbrio das contas públicas, mas nunca foi demonstrada a utilidade pública da venda, nem a sua necessidade urgente e impreterível.
Recorde-se que já em 1997, a venda da TAP à Swissair também foi apresentada como inevitável. A sua inevitabilidade era de tal ordem que um membro do Governo de então chegou mesmo a afirmar que não haveria dinheiro para os salários do mês seguinte se a privatização não avançasse e que a venda era o único caminho para salvar a TAP e mantê-la a operar.
Entretanto, a Swissair e a belga Sabena, vendida, então, à Swissair, já não existem e, muito provavelmente, seria esse o caminho da TAP.
Todavia, milhares de trabalhadores de ambas as empresas foram despedidos e os aeroportos suíços demoraram a conseguir recuperar deste processo, enquanto a TAP cresceu, os salários foram pagos e a economia portuguesa beneficiou desse crescimento.
Ora, estes factos deveriam ter sido suficientes para o Governo PSD/CDS ter percebido a dimensão do erro de uma privatização desta natureza, mas, em vez de recuar, avançou.
Não será, por isso, de estranhar que a privatização da TAP tenha sempre motivado muitas críticas e oposição, levando à criação de movimentos para travar o processo e chegando mesmo a ser materializada através de duas petições apreciadas no Parlamento, uma intitulada “Suspensão do Processo de Privatização da TAP Portugal SGPS”, promovida pelo SNPVAC - Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil e outra intitulada “Manifesto contra a privatização da TAP”, promovida pela Comissão de Trabalhadores da TAP Portugal, tendo sido assinadas por milhares de pessoas.
Na verdade, apesar da importância desta companhia aérea, o Governo PSD/CDS desde cedo assumiu como objetivo estratégico a sua venda aos privados e, portanto, viu-a sempre como uma simples mercadoria e não como um potencial de desenvolvimento ao serviço do interesse nacional e dos portugueses. Por isso mesmo, ao longo dos tempos foi preparando o terreno, criando limitações e constrangimentos na gestão da TAP, para procurar mostrar a inevitabilidade da sua venda.
Chegamos, assim, ao dia de hoje, e é inegável que estamos perante mais uma privatização lucrativa para poucos e ruinosa para muitos.
O Estado não pode abdicar dos seus sectores estratégicos e do seu poder de decisão, e só ser chamado quando é para financiar, principalmente quando a TAP tem descurado em absoluto o desenvolvimento nacional e a retoma da atividade económica e olha apenas para o seu próprio interesse, focando-se exclusivamente na sua rentabilidade.
Atualmente, vivemos tempos de grande excecionalidade devido à pandemia de COVID-19 e o mundo viu-se obrigado a mudar significativamente e os impactos dessas mudanças afetam todas as áreas de atividade.
Logo, também o setor aeroportuário tem sido afetado, e de forma muito acentuada, uma vez que tem havido uma limitação de movimentos aéreos, na sequência das recomendações das autoridades de saúde para o isolamento social.
Neste momento, há trabalhadores da TAP, e das empresas participadas, em regime de lay-off, com um impacto significativo na redução dos seus rendimentos e na Segurança Social, a que se somam despedimentos devido à não renovação de contratos.
Também a SpdH (Serviços Portugueses de Handling, S.A.)/Groundforce, empresa de assistência a passageiros, bagagens e carga em terra que assegura uma parte essencial da atividade da TAP, foi reprivatizada ao Grupo Urbanos, também em dificuldades económicas.
Já antes da crise provocada pela pandemia, a TAP não cumpria o Acordo de Empresa e decidiu despedir centenas de trabalhadores e acumulam-se os conflitos laborais e as queixas por parte dos passageiros, ao mesmo tempo que a empresa atribui prémios a alguns administradores.
Ou seja, nenhum problema foi resolvido e alguns até se agravaram. A crise epidémica por que estamos a passar colocou ainda mais em evidência a fragilidade e o erro deste processo e, se alguma vez houve dúvidas que não seria o capital privado a salvar a TAP, hoje estão totalmente dissipadas.
O Governo precisa de dar sinais mais claros sobre a sua posição e prioridades relativamente à TAP, para que a empresa deixe de estar nas mãos dos privados e o Estado assuma a sua gestão pública.
Importa fazer contas ao custo da destruição da TAP e impõe-se a necessidade de mobilizar recursos nacionais para salvar esta empresa estratégica para o desenvolvimento regional e nacional.
O Estado não pode continuar refém dos interesses privados e é chegada a altura de assumir o controlo público da TAP, de reverter o erro que consubstanciou a sua entrega a privados, mostrando empenho na afirmação e na defesa do interesse público e da soberania nacional.
Face ao exposto, o Partido Ecologista Os Verdes propõe, com este Projecto de Lei, a recuperação do controlo público da TAP por parte do Estado português, assegurando a concretização dos direitos do trabalhadores e a resposta que o país precisa, uma vez que esta empresa pode dar muito ao país e aos portugueses.
Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes apresenta o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei estabelece o quando legal para a recuperação do controlo público da TAP e da SpdH por parte do Estado, no sentido de salvaguardar o interesse público nacional.
Artigo 2.º
Controlo público
1 - O Governo procede à recuperação do controlo público e à adoção de uma posição maioritária pelo Estado no capital da TAP e da SpdH, assim como à recuperação integral de todos os direitos sobre essa gestão.
2 - Cabe ao Estado definir os objetivos de gestão destas empresas por forma a salvaguardar o interesse público, a continuidade dos serviços prestados e os direitos dos trabalhadores.
Artigo 3.º
Processo
O Governo fica obrigado a estabelecer o processo com vista à recuperação do controlo público da TAP e da SPdH.
Artigo 4.º
Objetivos do processo
No âmbito do processo a que se refere o numero anterior, o Governo deve ter em consideração nomeadamente objetivos que:
a) garantam os interesses patrimoniais do Estado e os direitos dos trabalhadores;
b) acautelem a defesa do interesse público perante terceiros;
c) assegurem que os apoios públicos a fundo perdido necessários à amortização dos impactos da paragem forçada de atividade destas empresas sejam convertidos em capital social do Estado;
d) revogue qualquer instrumento jurídico que determine a demissão do Estado do controlo de gestão;
Artigo 5.º
Anulabilidade de atos por interesse público
O Governo definirá, através de Decreto-lei, um regime especial de anulabilidade de atos por interesse público que permita anular atos que tenham, de uma forma ou de outra, potenciado a descapitalização da TAP e da SpdH, nomeadamente a alienação de ativos, desde a sua privatização.
Artigo 6.º
Danos para o interesse público
Compete ao Governo identificar e apurar os atos dos quais, na sequência da gestão privada da TAP e da SpdH, tenham resultado danos para o interesse público, sendo constituída a obrigação de indemnizar o Estado pelos danos sofridos e de este exercer o direito a ser indemnizado, nos termos correspondentes.
Artigo 7.º
Interesse público
Sem prejuízo do estabelecido na presente lei, o Governo fica obrigado a adotar as medidas transitórias necessárias à defesa do interesse público.
Artigo 8.º
Prazo de aplicação
O Governo proceserá à recuperação do controlo público da TAP e da SPdH no prazo máximo de 30 dias após a entrada em vigor da presente lei.
Artigo 9.º
Norma revogatória
A presente lei revoga o n.º 5 do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 275/99, de 23 de julho.
Artigo 10.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
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