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19/03/2021
PROJETO DE LEI N.º 749/XIV/2.ª - Procede à revogação das Autorizações de Residência para Atividade de Investimento (vistos gold)
Exposição de motivos

Portugal dispõe, desde 2012, da possibilidade de cidadãos estrangeiros obterem autorização de residência, através das ARI - Autorizações de Residência para Atividade de Investimento, vulgarmente designadas por vistos gold.

Os vistos gold foram, assim, criados através da Lei n.º 29/2012, de 9 de agosto, que consubstancia uma primeira alteração à Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, que aprovou o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, e o pretexto sobre o qual foram criados foi facilitar a captação de investimento e promover a criação de emprego.

Contudo, na realidade, este mecanismo veio mostrar ser um falhanço na criação de emprego e, ao longo destes anos, os vistos gold têm estado associados a práticas ilícitas, como a corrupção, o peculato, o branqueamento de capitais, o tráfico de influências entre outras.

Desta forma, poder-se-á mesmo dizer que favorecem a criminalidade económica e fomentam a especulação imobiliária, devido ao investimento a eles associado, uma vez que se sabe que a esmagadora maioria de vistos gold atribuídos deve-se à aquisição de imóveis de luxo.

Além disso, revestem também uma forma de discriminação no acesso à autorização de residência, estabelecendo cidadãos de primeira e cidadãos de segunda, conforme possam ou não pagar, o que é totalmente inaceitável.

A este propósito, o Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes entregou, em 15 de janeiro de 2019, a Pergunta n.º 1110/XIII/4.ª, pretendendo obter várias informações, nomeadamente quantos vistos gold foram atribuídos por via da aquisição de bens imóveis, que dados dispõe o Governo relativamente ao número de postos de trabalho criados associados à sua atribuição para investimento imobiliário, quantos postos de trabalho criados corresponderam efetivamente à atribuição de vistos gold e qual a respetiva área de investimento e quais os estudos e de que dados dispunha o Governo relativamente à avaliação do impacto da atribuição dos vistos gold nos preços da habitação, especialmente nos concelhos que integram as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, entre outros aspetos.

Por parte do Governo a resposta referia que «atenta a complexidade da informação solicitada, não é possível responder no prazo de 30 dias». Contudo, até ao dia de hoje não nos chegou mais nenhuma resposta às questões colocadas.

Porém, segundo tem sido divulgado, no total, desde 2012, foram concedidos 9.340 vistos gold, associados a investimentos de 5.611 milhões de euros. Destes valores, 8.782 vistos e 5.071 milhões estão relacionados com o imobiliário, seguindo-se depois a transferência de capitais, com 541 vistos gold e 5.398 milhões de euros.

Até agora, foram atribuídos apenas 17 vistos gold pela criação de dez postos de trabalho, e três pela transferência de 350 mil euros ligados à criação ou reforço de capital de uma empresa e criação ou manutenção de cinco postos de trabalho.

Há duas categorias que nunca conseguiram atrair um único investidor: a que requer a aplicação mínima de 250 mil euros na produção artística e a que implica o investimento mínimo de 350 mil euros em investigação científica.

A realidade é que tem ganho expressão a ideia negativa associada aos vistos gold, razão pela qual é fundamental acabar com este mecanismo.

A este propósito, saliente-se que a comissão especial do Parlamento Europeu sobre os crimes financeiros e a elisão e evasão fiscais (TAX3) propõe a abolição dos vistos gold e medidas para facilitar investigações e decisões na União Europeia.

O relatório final desta comissão resultou de um ano de audições, debates com responsáveis europeus e nacionais e missões de apuramento de factos em vários países, dando seguimento ao trabalho das anteriores comissões TAXE e PANA, criadas após as revelações dos LuxLeaks, Panama Papers, Paradise Papers e Football Leaks.

A comissão considera que os potenciais benefícios económicos dos regimes de vistos gold não compensam os graves riscos de segurança, de branqueamento de capitais e de evasão fiscal que apresentam. Por isso mesmo, apela aos Estados-Membros para que revoguem de forma progressiva todos os regimes de cidadania pelo investimento e de residência para atividade de investimento o mais rapidamente possível.

Neste contexto, é ainda de salientar que o Governo aprovou e fez publicar o Decreto-Lei 14/2021, de 12 de fevereiro, que altera o regime jurídico das autorizações de residência para investimento, limitando a concessão de vistos gold nas zonas metropolitanas de Lisboa e do Porto, bem como no litoral, sobretudo no Algarve, entrando em vigor a partir de 1 de julho de 2021 e de forma faseada. Argumenta o Governo que, com esta medida, procura canalizar mais investimento estrangeiro para territórios de baixa densidade, como é o caso do interior do país.

No entanto, é preciso acabar com os vistos gold em todo o país, pois é preciso reconhecer que comporta muitos e graves riscos, devendo canalizar-se a prioridade para apostar em medidas que contribuam para o desenvolvimento do país de forma sustentável e que captem investimento estrangeiro sem recorrer a mecanismos pouco transparentes e justos e para a efetiva criação de emprego e a valorização das diferentes regiões de Portugal.

Destaque-se também que a instituição de um regime de autorização de residência assente em atividades de investimento em projetos ecológicos (vistos green), como chegou a ser proposta e aprovada na generalidade em janeiro de 2019, mantém princípios similares aos vistos gold e é, desse modo, grave e contrária aos interesses nacionais.

Alias, essa medida previa alargar o regime dos vistos gold a vistos green e o Partido Ecologista Os Verdes considera que Portugal deve reforçar o seu papel na captação de investimento ecológico, para a economia circular e descarbonizada, mais amiga do ambiente, mas sem recorrer a estes mecanismos que de verde e sustentável têm muito pouco.

A nosso ver, o branqueamento de capitais, o peculato, a corrupção ou os outros ilícitos fiscais e mesmo criminais que, normalmente, estão associados a este tipo de vistos não são menos graves nem deixam de ser crimes apenas porque o investimento que dá suporte ao visto tem uma cobertura ambiental.

Em qualquer dos casos, independentemente da cor dos vistos, estaremos sempre a falar de crimes, e de crimes que se impõe combater com toda a firmeza e com toda a responsabilidade democrática, não abrindo mais portas que potenciem a sua prática.

Face ao exposto, o Partido Ecologista Os Verdes considera que a eliminação dos vistos gold é um passo positivo e necessário, sendo um contributo essencial para pôr fim a um mecanismo que favorece a criminalidade económica, para pôr fim a uma das principais causas da especulação imobiliária e para acabar com um privilégio que favorece apenas alguns.

Este regime de atribuição de vistos gold é uma forma encapotada de criar uma discriminação absolutamente condenável e inadmissível, de estabelecer cidadãos de primeira, os que têm dinheiro, e cidadãos de segunda os que, não tendo dinheiro, ficam sujeitos a um verdadeiro martírio para conseguir a respetiva autorização de residência, o que é uma afronta a um Estado de direito democrático e, sobretudo, um monumental atentado aos direitos humanos que, em circunstância alguma, se podem reduzir a uma mercadoria que se compra e que se vende.

Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes apresenta o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º
Objeto
A presente Lei procede à revogação da autorização de residência para atividade de investimento da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, alterada pela Lei n.º 29/2012, de 9 de agosto, pela Lei n.º 56/2015, de 23 de junho, pela Lei n.º 63/2015, de 30 de junho, pela Lei n.º 59/2017, de 31 de julho, pela Lei n.º 102/2017, de 28 de agosto, pela Lei n.º 26/2018, de 05 de julho e pela Lei n.º 28/2019, de 29 de março.
Artigo 2.º
Norma revogatória
1 - É revogada a alínea d) do n.º 1 do artigo 3.º, o artigo 90.º- A e a alínea r) do n.º 1 do artigo 122.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, na sua redação atual.
2 – É revogado o Decreto Lei 14/2021, de 12 de fevereiro.

Artigo 3.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor 30 dias após a sua publicação.

Palácio de S. Bento, 19 de março de 2021

Os Deputados,

José Luís Ferreira
Mariana Silva

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