Que os animais sencientes são portadores da capacidade de sentir, demonstrar e comunicar, entre si e connosco, afeto, dor, prazer ou compaixão, é, hoje em dia, felizmente, comummente aceite na nossa sociedade prevendo o nosso ordenamento jurídico que os mesmos são detentores de um conjunto de direitos específicos e merecedores dos respetivos mecanismos normativos de proteção.
À luz dos princípios consagrados na Declaração Universal dos Direitos dos Animais proclamada em 15 de Outubro de 1978 pela UNESCO, as touradas, coerentemente, não subsistiriam, porquanto «Todo o animal tem o direito de ser respeitado» (artº 2º); «Nenhum animal será submetido a maus tratos nem a atos cruéis» (artº 3º); «Quando um animal é criado para a alimentação humana, deve ser nutrido, instalado e transportado, assim como sacrificado sem que desses atos resulte para ele motivo de ansiedade ou de dor» (artº 9º); «Nenhum animal deve ser explorado para entretenimento do homem» e «As exibições de animais e os espetáculos que se sirvam de animais, são incompatíveis com a dignidade do animal» (artº 10º); «As cenas de violência nas quais os animais são vítimas, devem ser proibidas no cinema e na televisão, salvo se essas cenas têm como fim mostrar os atentados contra os direitos do animal» (artº 13º).
Para sermos realistas, e consequentemente mais eficazes, esta não é uma questão que recolha a unanimidade. O debelar de certas tradições enraizadas junto de algumas populações no nosso país, se não for assumida pelos próprios, se não ocorrer como natural evolução social e de mentalidades, que leve a rejeitar espontaneamente essas práticas e a substituí-las por outras, sempre será vista como violenta intrusão no seu espaço identitário. O extremar de posições nesta matéria pode levar uns a vencer sobre os outros, mas nunca levará ao convencimento dos vencidos.
São conhecidos os argumentos de quem defende as corridas de toiros: desde a tradição popular, passando pela economia e postos de trabalho, ou pela manutenção da subespécie da fauna, terminando no próprio ambiente (o que nos deixa, a nós, Verdes, bastante apreensivos!), simplesmente por a criação do gado bravo ser feita em regime extensivo e em montado… Já vimos vender automóveis, defender empreendimentos turísticos, campos de golfe ou espelhos de água de barragens nos últimos rios selvagens do país invocando, igualmente, as suas pseudo vantagens ambientais! Este argumento não é, todavia, seriamente defensável!
Com efeito, nas fundações da ecologia política reside a defesa intransigente do planeta, dos ecossistemas e do equilíbrio ambiental, dos quais depende toda a vida na Terra, e também a salvaguarda de toda a vida selvagem e da riquíssima biodiversidade que herdámos e queremos legar às futuras gerações. A par dessa defesa, vem inevitavelmente a defesa dos animais que especificamente partilham o nosso espaço e quotidiano, incluindo os domésticos, de companhia, de trabalho, ou aqueles dos quais o ser humano retira alimento, que são merecedores de uma atenção diferenciada, pois essa maior proximidade traz consigo problemas específicos e, simultaneamente, uma responsabilidade própria que tem que ser plenamente assumida.
É nossa convicção que a sociedade deverá caminhar no sentido do abandono de práticas que não são compatíveis com o estatuto de proteção que cada vez mais por todo o mundo se reconhece, justamente, aos animais, reconhecendo simultaneamente que com a superior capacidade intelectual do ser humano, de onde lhe vem o imenso e, por vezes perigoso, poder que hoje detém, vem necessariamente um inalienável dever e uma esmagadora responsabilidade de respeitar igualmente os outros animais, os não humanos, pois só assim, em última instância respeita a sua própria humanidade.
Infelizmente, a mudança de mentalidades é, por vezes, demasiado lenta no reconhecimento e na atribuição de importância a esta matéria que, contudo, não deve ser menorizada e simplesmente adiada com o pretexto de não constituir uma prioridade no presente momento e, em bom rigor, em nenhum outro momento, para aqueles que não querem ver a realidade alterada.
Nesta matéria, não podemos deixar de lembrar o papel que a educação formal (no espaço escola) e informal pode e deve desempenhar na formação das gerações futuras promovendo o contacto direto com os animais, o conhecimento, a compreensão e o respeito pelos animais.
As corridas de touros, mesmo que sob o prisma de um dito «espetáculo cultural», como é por alguns assumido, não podem deixar de ser reconhecidas como comportando uma dose efetiva e nítida de violência, agressão, sofrimento e ferimentos sangrentos infligidos a animais e até risco permanente de morte para o toureiro, como é assumido pelos próprios defensores da tourada.
A posição pela proibição, pura e simples, das touradas por decreto não tem tido acolhimento no nosso Parlamento. Porém, o que não poderemos ignorar é que não têm que ser todos os portugueses a pagar, com dinheiros públicos, as touradas através dos apoios ou subsídios que são atribuídos a empresas e particulares no âmbito da atividade tauromáquica. Não é justo que assim continue a acontecer. Esta atividade violenta e desrespeitadora do bem-estar animal não pode depender de financiamento público!
Segundo uma petição (nº 510/XII) que deu entrada na Assembleia da República, em legislatura passada, só no ano de 2011 o IFAP (Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas) atribuiu subsídios à tauromaquia de mais de cerca de 10 milhões de euros. Para além destes financiamentos também outros de ordem autárquica têm apoiado a tauromaquia no nosso país.
Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Verdes apresentam o seguinte Projeto de Lei, que visa travar o financiamento público às touradas:Artigo 1º
Não é permitido o financiamento público, por quaisquer entidades públicas, aos espetáculos tauromáquicos.
Artigo 2º
A presente lei aplica-se a todos os espetáculos tauromáquicos, independentemente de a sua finalidade estar ligada a fins considerados comerciais, culturais, beneméritos ou outros.
Artigo 3º
1.Para além dos espetáculos tauromáquicos, em si, não podem ser atribuídos, direta ou indiretamente, financiamento público a atividades que se relacionem com a preparação do espetáculo, como criação de touros, serviços de publicidade, aquisição e distribuição de bilhetes, entre outros.
2. O impedimento de financiamento público estende-se, para efeitos da presente lei, a isenção de taxas ou disponibilização gratuita de espaços com o fim de realização do espetáculo tauromáquico
Artigo 4º
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Acompanhe aqui a evolução desta iniciativa legislativa.