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15/05/2020
PROJETO DE LEI Nº 386/XIV/1.ª - EXCLUI AS EMPRESAS SEDIADAS EM PARAÍSOS FISCAIS DAS LINHAS DE APOIO NO ÂMBITO DA PANDEMIA DE COVID-19
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

Os paraísos fiscais são, geralmente, um país ou um território, onde a legislação proporciona a aplicação de capitais estrangeiros, atribuindo vantagens fiscais suscetíveis de evitar a sua tributação no país de origem, onde os impostos são geralmente maiores. Este mecanismo caracteriza-se, regra geral, pelo regime fiscal extremamente favorável em termos de impostos sobre o rendimento, pela ausência de controlo das atividades desenvolvidas, pela permanência do sigilo bancário e comercial e pela falta de transparência e ausência de troca de informações.

Isto significa que as empresas ou pessoas não registam os lucros no país onde fazem os negócios e ganham dinheiro, fazem-no nos paraísos fiscais para beneficiarem dessas vantagens e, desta forma, os seus lucros não são sujeitos a impostos sobre rendimento nem as suas receitas são taxadas.

Facilmente se percebe por que razão o recurso a paraísos fiscais é uma das formas mais comuns de evasão fiscal internacional, estimando-se que haja uma concentração de 26% da riqueza mundial nos paraísos fiscais, e já há muito se percebeu para que servem e quem servem.

Perante estes factos, é possível concluir que os paraísos fiscais têm contribuído e continuam a contribuir de forma acentuada para a imoralidade e para a injustiça fiscal que vai reinando.

É, de facto, inconcebível que existam zonas absolutamente intocáveis, onde a supervisão financeira não entra, a cooperação judicial fica à porta e os próprios Estados preferem fingir que não estamos perante um problema que urge resolver.

Ora, a situação que atualmente vivemos no âmbito da pandemia da doença Covid-19, põe ainda mais em evidência a injustiça e a imoralidade da existência de paraísos fiscais, principalmente se se permitir que as empresas sediadas em paraísos fiscais possam, no quadro deste surto epidémico, vir a beneficiar de apoios públicos como sucede com outras empresas que pagam os seus impostos em Portugal e, devido à redução, ou mesmo suspensão da sua atividade, apresentam comprovadamente uma quebra das suas receitas.

Para estas empresas, nomeadamente as micro, pequenas e médias empresas, as medidas de apoio nesta fase são fundamentais para tentar garantir a sua sobrevivência e a manutenção dos postos de trabalho, sendo de destacar que assumem um papel absolutamente decisivo na nossa economia porque representam cerca de 99% do número total de empresas do nosso país, são responsáveis por 80% do total de emprego e representam 60% do total do volume de negócios das sociedades não financeiras.

Assim, a par de outras medidas que o Governo deve implementar, como o reforço do Serviço Nacional de Saúde, a garantia de equipamentos de proteção individual para quem está na linha da frente deste combate, a proteção do emprego, o fim de despedimentos abusivos e do abuso indiscriminado do lay-off, a garantia da concretização de direitos, liberdades e garantias, entre muitas outras, impõe-se corrigir uma situação que é escandalosa a vários níveis através da proibição do acesso destas empresas a apoios estatais.

Efetivamente, em contexto do surto epidémico da COVID-19, alguns países europeus já avançaram com essa medida, proibindo que os apoios do Estado sejam acessíveis a empresas sediadas em paraísos fiscais durante a pandemia.

Numa situação dentro da normalidade, já seria desejável e expectável que o Estado português não pactuasse com este mecanismo que permite não pagar impostos, fugir ao pagamento das obrigações fiscais e esconder dinheiro. Numa situação excecional como a que hoje vivemos, mais se justifica a adoção desta medida.

Saliente-se que, apesar da importância que assumem do ponto de vista da nossa economia, é bem conhecida a realidade difícil de muitas empresas que contribuem para o desenvolvimento do país e que pagam em Portugal os seus impostos.

Logo, não é aceitável que os apoios no âmbito da pandemia de COVID-19 tratem de forma igual empresas que são substancialmente diferentes, devendo haver uma diferença no seu acesso, pois umas empresas precisam desses apoios para sobreviver, enquanto outras gozam do privilégio de pouco ou nada pagarem em impostos pelos seus lucros avultados.
Acresce ainda que a existência de paraísos fiscais é absolutamente inseparável do agravamento das desigualdades sociais, da pobreza e da insustentabilidade do modelo económico que se vai instalando no mundo.

Efetivamente, os paraísos fiscais fragilizam de forma substancial as bases financeiras do Estado e não criam riqueza para o país, colocando em causa as suas receitas e recursos que, de outro modo, poderiam ser canalizados para investimento público em áreas absolutamente prioritárias, como serviços públicos e políticas sociais.

De acordo com os dados comunicados pelos bancos à Autoridade Tributária e Aduaneira, em 2018 foram transferidos 8,95 mil milhões de euros para paraísos fiscais, tendo sido realizadas 113.875 transferências para territórios com situação tributária mais favorável, mais 11.571 do que no ano anterior, tendo sido os destinos preferidos a Suíça e Hong Kong. Relativamente aos ordenantes, em 2017 foram 11.093 e em 2018 totalizaram 13.043, sendo a maioria pessoas coletivas, como empresas.

Mas mais, os paraísos fiscais também foram o palco de alguns dos acontecimentos, como a falência de bancos ou as fraudes em larga escala. Por cá, será oportuno recordar os processos escandalosos do BCP (Banco Comercial Português), do BPP (Banco Privado Português) ou do BPN (Banco Português de Negócios), que indiciaram práticas relacionadas com empresas sediadas precisamente em paraísos fiscais e cuja fatura, nalguns casos, acabou por ser paga pelos contribuintes portugueses.

Facilmente se conclui que a existência de paraísos fiscais tem consequências negativas do ponto de vista económico, financeiro, social e político, razão pela qual o Partido Ecologista Os Verdes sempre foi contra este sistema e sempre reclamou o seu fim.

A este propósito, recorde-se que a posição do Partido Ecologista Os Verdes está bem expressa no Projeto de Resolução n.º 86/XIV/1.ª que recomenda ao Governo que tome a iniciativa e se envolva ativamente, junto dos restantes Estados e das Organizações Internacionais de que faz parte, no sentido de encontrar soluções com vista à eliminação dos paraísos fiscais.

Face ao exposto, com este Projeto de Lei, o Partido Ecologista Os Verdes pretende corrigir uma situação injusta e imoral, excluindo as empresas com sede fiscal em paraísos fiscais de aceder às linhas de apoio nacionais, devendo estas ser canalizadas para as empresas que cumprem as suas obrigações fiscais em território nacional e que contribuem para a economia e o desenvolvimento do país e que carecem, de facto, de apoio no âmbito do surto epidémico de COVID-19.
Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes apresenta o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º
Objeto
A presente lei determina a exclusão das empresas com sede fiscal em países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis das linhas de apoio no âmbito da pandemia de COVID-19.

Artigo 2.º
Exclusão das empresas com sede fiscal em países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis das linhas de apoio no âmbito da pandemia de COVID-19
As empresas com sede fiscal em países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis ficam excluídas das linhas de apoio no âmbito da pandemia de COVID-19.

Artigo 3.º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Palácio de S. Bento, 15 de maio de 2020.
Os Deputados,
José Luís Ferreira
Mariana Silva

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