|
24/09/2020 |
PROJETO DE LEI Nº 526/XIV/2ª - LEI-QUADRO DA POLÍTICA CLIMÁTICA |
|
Os efeitos negativos do processo de alterações climáticas fazem-se sentir, no presente, um pouco por todo o mundo, sendo bastante visíveis, fundamentalmente, os extremos climáticos regulares, acentuados e violentos.
Nada para que a comunidade científica não venha a alertar, mais intensamente desde os anos 90, com destaque para os relatórios do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), os quais davam conta de que se nada fosse feito, o século XXI acolheria amarguras reais resultantes do aumento da temperatura média do Planeta, com um clima mais agressivo, com o degelo dos glaciares, com o aumento dos níveis do mar, com a desertificação de solos, resultando perda de solo útil para a agricultura e, consequentemente, com repercussões na alimentação humana, e também com a disseminação de doenças mais características dos climas tropicais, entre outras consequências. Em suma, os impactos ambientais, sociais e económicos podem ser bastante graves.
Para minimizar esse impacto, é determinante agir em duas vertentes: mitigar as alterações climáticas, atuando diretamente sobre as causas antropogénicas de fatores que podem acelerar esse processo; adaptar as sociedades e o território às alterações climáticas, erradicando os fatores de maior vulnerabilidade e gerando mais resiliência.
Ao nível internacional a obtenção de acordos tem sido difícil, com os países que mais emitem gases com efeito de estufa (GEE) a procurar aligeirar as suas responsabilidades de ação, ou mesmo desvincular-se, vergonhosamente, dos acordos (como fizeram os EUA quer em relação ao Protocolo de Quioto, quer em relação ao mais recente Acordo de Paris).
O Acordo de Paris, assinado em dezembro de 2015, a vigorar a partir de 2020 (após o último período de vigência do Protocolo de Quioto), estabelece a urgência de reduzir as emissões de GEE, de modo a limitar o aumento da temperatura média do Planeta abaixo dos 2ºC, e preferencialmente abaixo dos 1,5ºC, em relação à era pré-industrial. Este acordo global implica um esforço de todos os Estados para o cumprimento destas metas, em particular dos Estados que mais emitem gases para a atmosfera que implicam com o processo de alterações climáticas.
Em Portugal foi feito um estudo – projeto SIAM – que apontou preocupações para diversos setores económicos e para o território nacional, relacionados com a mudança climática. Por exemplo, regiões como o Alentejo correm um risco de desertificação de solos bastante significativo e a subida dos níveis do mar ameaça o nosso litoral, bastante pressionado urbanisticamente e pela concentração de atividades e população.
Importa, assim, trilhar um caminho onde se estabeleçam e concretizem medidas de mitigação e de adaptação eficazes para atingir os objetivos propostos.
Relativamente à adaptação, é fundamental fazer um levantamento das vulnerabilidades existentes, identificar a fragilidade de certas infraestruturas, e gerar um ordenamento do território e de atividades que permitam enfrentar com maior resiliência o aquecimento global, tendo em particular atenção o ordenamento florestal, a proteção das arribas e dunas, bem como a opção por culturas menos intensivas e menos dependentes de água. É também determinante, tendo em conta a previsão de alastramento de doenças tropicais a outras zonas do globo, que a população esteja dotada de conhecimento e informação e que os serviços de saúde se preparem para estes fenómenos.
Relativamente à mitigação, impõe-se reduzir a emissão de gases com efeito de estufa (em particular o CO2) e, para o efeito, Portugal precisa de se tornar progressivamente menos dependente dos combustíveis fósseis, optando, designadamente, por fontes de energia renováveis, apostando na eficiência energética, trilhando um caminho determinado para o encerramento das centrais de carvão a muito curto prazo, criando um sistema de transportes coletivos que responda às necessidades das populações, para que estas possam fazer a opção de não utilização diária do automóvel particular, e também um sistema de mobilidade suave e ativa. É preciso, igualmente, apostar num consumo alimentar mais sustentável e não tão dependente de pecuárias de produção intensiva, apostar na utilização da produção local para as necessidades de consumo local, para evitar a enorme pegada ecológica do transporte diário de longo curso de alimentos. A prevenção relativamente aos fogos florestais é, também, uma medida fundamental a tomar, tendo em conta que estes incêndios representam o aumento de emissões de CO2 e destroem um meio determinante para a retenção de carbono. Estes são apenas alguns exemplos de medidas, entre tantas outras que se impõe adotar.
Portugal está dotado de um conjunto de instrumentos que regem as decisões políticas que implicam com as questões climáticas, e que impõem uma transversalidade em diversos setores governativos e na sociedade em geral. A atuação dos poderes públicos é determinante, bem como a dos agentes económicos e dos cidadãos em geral. Todos somos imprescindíveis para que este combate às alterações climáticas tenha sucesso.
Não obstante a existência desse conjunto de instrumentos, o PEV considera que, no enquadramento resultante da Constituição da República Portuguesa e da Lei de Bases da política de ambiente, é útil criar uma Lei-Quadro específica para a política climática, que estabeleça o quadro de objetivos a prosseguir e dos princípios que devem nortear o caminho para atingir esses objetivos. Trata-se de um instrumento legislativo, de valor reforçado, que procura agregar às medidas de minimização e de adaptação a adotar, um forte envolvimento e participação dos cidadãos, a necessidade de não se perder de vista a criação de postos de trabalho, uma aposta na investigação e no conhecimento, a garantia de sistema de informação e de monitorização, e, claro, as necessidades de investimento de financiamento, entre outras questões, como a importância de reconhecer um papel relevante às Organizações de Ambiente na mobilização da sociedade para o contributo efetivo de atitudes e comportamentos positivos para conter o processo de aquecimento global.
Trata-se da procura de criar uma lei que estabeleça o enquadramento da política climática de forma estável, sabendo que os instrumentos de política climática que estão atualmente criados têm prazos definidos e são sujeitos a revisões regulares. Devem, nessas revisões, obedecer aos objetivos e princípios estabelecidos numa Lei-Quadro da política climática.
Para além disso, uma Lei desta natureza deve levar o Parlamento a gerar um processo amplo de debate e consulta pública, onde a sociedade seja, efetivamente, envolvida na sua realização, facto que, tendo em conta a importância de divulgar informação e articular interesses e objetivos, assume uma grande relevância.
As alterações climáticas são um dos maiores desafios que a humanidade atualmente enfrenta. Todas as atividades humanas, em maior ou menor grau, dependem de funções de ecossistemas que se encontram gravemente ameaçados pelo aumento da temperatura e pela alteração dos padrões de clima que já se fazem sentir. E a verdade é que o Planeta Terra é a casa comum que todos temos de preservar, garantindo a diversidade biológica que ele acolhe e a sustentabilidade das sociedades humanas que nele habitam, a partir da certeza de que depois desta geração outras virão, com o direito de habitar, em condições, o mesmo Planeta.
Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar Os Verdes apresenta o seguinte Projeto de Lei, com vista à criação de uma Lei-Quadro da Política Climática:
CAPÍTULO I
OBJETIVOS E PRINCÍPIOS DA POLÍTICA CLIMÁTICA
Artigo 1º
Objeto
A presente Lei estabelece o enquadramento da política climática, nos termos da Constituição da República Portuguesa e da Lei que define as Bases da Política de Ambiente.
Artigo 2º
Objetivos gerais
1 - A política climática visa combater e enfrentar as alterações climáticas, através de ações de mitigação e de adaptação, gerando condições objetivas para a redução de gases com efeitos de estufa (GEE) e para a eliminação das vulnerabilidades no território nacional.
2 – Compete ao Estado a realização da política climática, através dos seus órgãos, seja ao nível local, regional ou nacional e na representação internacional, e também através da mobilização dos cidadãos e agentes sociais e económicos, por via de um intenso processo participativo.
Artigo 3º
Objetivos específicos
Constituem objetivos específicos da política climática:
a) A criação de condições para uma ampla participação dos cidadãos na determinação da política climática;
b) A definição ambiciosa, clara e calendarizada de metas de redução de emissões de GEE, bem como das medidas para a prosseguir;
c) O reforço da resiliência do território nacional, com o apontamento atualizado das vulnerabilidades a reduzir ou a erradicar;
d) A promoção da criação de emprego verde, compatível com a redução das emissões de GEE;
e) O estímulo à investigação, à inovação e ao conhecimento nas vertentes da mitigação e da adaptação às alterações climáticas;
f) A adequação do investimento público às metas e medidas a adotar e a garantia de condições de financiamento;
g) A intensificação dos sistemas de informação e monitorização, de modo a obter dados atualizados, fundamentais à definição contínua da política climática;
h) A cooperação internacional.
Artigo 4º
Princípios da política climática
Para o cumprimento dos objetivos referidos nos artigos 2º e 3º, observam-se os seguintes princípios a que a política climática deve obedecer:
a) Participação – todos os cidadãos têm o direito de se envolver na definição da política climática, competindo ao Estado garantir esse direito de participação;
b) Informação e educação– proporciona-se informação e conhecimento atualizado aos cidadãos, para que percecionem a importância de cooperar nas medidas a adotar e para que se constituam um veículo de reivindicação de medidas eficazes;
c) Solidariedade intrageracional – todos os cidadãos têm o direito de ver os seus direitos e as suas necessidades essenciais satisfeitas;
d) Solidariedade intergeracional – às gerações futuras não pode ser negado o direito de usufruirem dos recursos naturais e de qualidade de vida;
e) Pensar global, agir local – a implementação de medidas ao nível local, regional e nacional são fulcrais para o cumprimento dos objetivos a prosseguir;
f) Produção e consumo local – estímulo à produção local, em razão das necessidades de consumo local, de modo a diminuir a pegada ecológica;
g) Opção consciente e responsável – para que os cidadãos possam fazer opções sustentáveis, do ponto de vista da ação climática, o Estado tem o dever de proporcionar condições para que essas escolhas possam ser feitas e de gerar responsabilidades aos agentes económicos;
h) Prevenção – as medidas a definir devem antecipar os seus efeitos em diversas vertentes, de modo a não causarem prejuízos substanciais ao ambiente e à qualidade de vida;
i) Eficiência –é possível obter redução da utilização geral de recursos naturais e de gerir a utilização de recursos de forma sustentável, sem perder na garantia de qualidade de vida.
Artigo 5º
Definições
Para efeitos da aplicação da presente lei, entende-se por:
a) «Adaptação» a minimização dos efeitos negativos das alterações climáticas nos sistemas biofísicos e nas sociedades;
b) «Alterações climáticas» a variação significativa do estado médio do clima, por um longo período de tempo, com implicações no meio biofísico e nas sociedades;
c) «Gases com Efeito de Estufa» (GEE) as substâncias gasosas que absorvem e retêm parte da radiação solar, provocando, designadamente, um sobreaquecimento do Planeta;
d) «Mitigação» a redução de GEE para a atmosfera, com vista a desacelerar o processo de alterações climáticas.
CAPÍTULO II
GESTÃO DA POLÍTICA CLIMÁTICA
Artigo 6º
Instrumentos da política climática
1 - São instrumentos nacionais da política climática, designadamente:
a) O Quadro Estratégico para a Política Climática (QEPIC);
b) O Programa Nacional para as Alterações Climáticas (PNAC);
c) As Estratégias Nacionais para as Alterações Climáticas (ENAC);
d) Os Programas de Ação para as Alterações Climáticas (PAAC);
e) O Sistema Nacional para Políticas e Medidas (SPeM);
f) O Inventário Nacional de Emissões Atmosféricas (INERPA).
2 - Os instrumentos referidos no número anterior não excluem outros instrumentos, devendo todos eles ser articulados e conjugados.
3 – Os Instrumentos de Gestão Territorial contêm medidas a adotar na respetiva área territorial de incidência, com vista à mitigação e à adaptação às alterações climáticas.
4 – As estratégias, planos e programas de política setorial contêm medidas a adotar no respetivo setor, com vista à mitigação e à adaptação às alterações climáticas.
5 - Os instrumentos da política climática criados para vigorarem num período de tempo definido, são submetidos a revisão com a antecedência devida, de modo a garantirem o planeamento contínuo e eficaz dos objetivos e metas a prosseguir, com condições para uma ampla participação do público.
6 – O Relatório do Estado do Ambiente, produzido anualmente, incorpora um capítulo específico sobre as alterações climáticas, dando conta da tendência registada no âmbito das respostas às alterações climáticas, quer no que respeita à mitigação, quer à adaptação.
Artigo 7º
Transversalidade
A transversalidade da política climática impõe a sua consideração em todos os sectores da vida económica, social, ambiental e cultural, e obriga à sua articulação e integração com todas as políticas sectoriais, visando a promoção de relações de coerência, de eficácia e de complementaridade.
Artigo 8º
Comissão Interministerial
1 - A Comissão Interministerial do Ar e das Alterações Climáticas (CIAAC) promove a coordenação e o acompanhamento das tutelas setoriais, ao nível governativo.
2 - O membro do Governo responsável pela área do ambiente preside à CIAAC.
3 – Para além do estabelecido no número anterior, e sem prejuízo de outros considerados relevantes, na CIAAC fazem-se representar os membros do Governo que tutelam a energia, o ordenamento do território, a conservação da natureza, as florestas, a agricultura, o mar, a economia, a inovação, a educação, a ciência, os transportes, a saúde, o turismo, a proteção civil, o desenvolvimento regional, a administração local, os negócios estrangeiros, a cooperação internacional, as finanças.
4 – Participam também na CIAAC os representantes dos Governos Regionais dos Açores e da Madeira.
CAPÍTULO III
OPERACIONALIZAÇÃO DOS OBJETIVOS ESPECÍFICOS DA POLÍTICA CLIMÁTICA
Artigo 9º
Participação dos cidadãos
1 – Os cidadãos têm o direito de participar no processo de elaboração dos instrumentos da política climática e nas revisões desses instrumentos.
2 – Para além das consultas públicas, sob a forma tradicional de contributo escrito, devem ser organizadas sessões de esclarecimento e debate entre os cidadãos e os responsáveis pela decisão relativa à política climática, quer por iniciativa da Administração, quer por solicitação de, no mínimo, 30 cidadãos.
3 – Para efeitos dos números anteriores, é disponibilizada informação, de forma clara, sistematizada e de consulta fácil, a todos os cidadãos que pretendam a ela ter acesso.
Artigo 10º
Medidas de mitigação
1 - A definição de medidas de redução de GEE é acompanhada de metas quantitativas a alcançar, bem como de prazos objetivamente calendarizados para a sua concretização.
2 – As metas, medidas e prazos traçadas devem ser devidamente justificados.
Artigo 11º
Medidas de adaptação
1 - A definição de medidas de adaptação às alterações climáticas, quer de âmbito territorial, quer de âmbito setorial, é acompanhada de prazos objetivamente calendarizados para a sua concretização.
2 – Para a definição de medidas de adaptação, é elaborada uma carta de risco, que demonstre as vulnerabilidades existentes que importa corrigir e adaptar.
Artigo 12º
Fomento do emprego verde
1 - O combate às alterações climáticas não pode perder de vista a necessidade de criação de emprego que garanta a subsistência dos cidadãos e a sua realização profissional.
2 - O Estado deve privilegiar o apoio à criação de emprego sustentável e compatível com os objetivos da política climática, priorizando o apoio às micro, pequenas e médias empresas.
Artigo 13º
Investigação
O Estado incentiva a investigação no âmbito da mitigação e da adaptação às alterações climáticas, fundamentalmente no que ao território nacional diz respeito, e promove a divulgação generalizada desses projetos de investigação.
Artigo 14º
Investimento e Financiamento
1 - O Estado promove o investimento público adequado à concretização das medidas de mitigação e de adaptação às alterações climáticas.
2 - Para o efeito previsto no número anterior, o Governo remete à Assembleia da República anualmente, juntamente com a apresentação da proposta de Orçamento do Estado, um relatório que compreenda a síntese das medidas de mitigação e de adaptação a concretizar, para que possam ser devidamente avaliadas as necessidades de investimento.
3 - O Governo, no âmbito do financiamento de projetos e atividades para combater as alterações climáticas, torna público, de forma acessível e generalizada, os meios de financiamento disponíveis, bem como as formas de acesso ao respetivo financiamento.
4 – O Governo divulga, igualmente, os projetos e atividades a que foram atribuídos financiamentos públicos.
Artigo 15º
Informação e monitorização
1 - O Estado garante, ao público, uma base de informação atualizada sobre as emissões de GEE e setores que contribuem para essas emissões, bem como sobre a tendência evolutiva verificada em cada um desses setores.
2 - A base setorial prevista no número anterior abrange, designadamente, transportes e mobilidade, edifícios de serviços e residenciais, indústria, resíduos e águas residuais, agricultura e pecuária, uso do solo e florestas.
Artigo 16º
Cooperação internacional
1 - O Estado português participa ativamente na elaboração de acordos, protocolos ou convenções internacionais respeitantes à matéria das alterações climáticas.
2 - O Estado português coopera internacionalmente, designadamente, com informação e conhecimento relacionados com as alterações climáticas.
3 - Com prioridade para os países de língua oficial portuguesa, o Estado português coopera, designadamente ao nível tecnológico, em projetos de mitigação e adaptação às alterações climáticas.
CAPÍTULO IV
DISPOSIÇÕES FINAIS
Artigo 17º
Apoio a associações ambientais
O Estado apoia as associações que dedicam a sua ação à defesa do ambiente, facilitando o seu contributo para a sensibilização da sociedade relativamente à importância de combater as alterações climáticas.
Artigo 18º
Entrada em vigor
A presente Lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Acompanhe aqui esta iniciativa.