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11/03/2021
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 1084/XIV/2ª - RECOMENDA AO GOVERNO MEDIDAS DE COMBATE À POBREZA ENERGÉTICA
Há mais de duas décadas que o conceito de pobreza energética tem sido utilizado, por exemplo pela FAO (Organização para a Alimentação e Agricultura), nomeadamente na perspetiva da falta de disponibilidade de energia, associada às debilidades das redes públicas de abastecimento e serviços de distribuição de energia, tais como eletricidade ou gás, com particular incidência nos países em desenvolvimento, desde logo nas suas áreas rurais e urbanas mais pobres, onde as mulheres e as crianças são particularmente afetadas pela falta de serviços adequados de energia.

Nos países mais desenvolvidos, fruto do incremento de tecnologia na produção e distribuição, a energia é servida de forma universal à totalidade da população. Na Europa, e em Portugal, a diferença de consumo e a respetiva pobreza energética não resulta tanto de problemas da rede de distribuição, devendo-se, sobretudo à falta de recursos de uma parte significativa dos cidadãos, associados aos custos crescentes de energia, que tem gerado desigualdades de acesso. Na Europa a República da Irlanda e o Reino Unido foram países pioneiros na abordagem e resolução da problemática.

Em 2009, as diretivas 2009/72/CE e a 2009/73/CE do Parlamento Europeu e do Conselho Europeu, que vieram liberalizar o mercado da eletricidade e do gás natural, com claros prejuízos para os consumidores, reconheceram que a pobreza energética era um problema crescente, na União Europeia, recomendando aos Estados-Membros que desenvolvessem planos de ação nacionais ou outros enquadramentos adequados para lutar contra a pobreza energética, a fim de reduzir o número de pessoas afetadas por esta situação, assegurando o fornecimento energético necessário aos consumidores vulneráveis e impedindo que o corte da ligação em momentos críticos. Estas diretivas adiantavam que deveria ser utilizada uma abordagem integrada, designadamente no âmbito da política social, e que as medidas poderiam incluir políticas sociais ou melhorias da eficiência energética das habitações.

No seguimento dessa diretiva, que empurrou uma parte significativa dos cidadãos para o mercado liberalizado de eletricidade e de gás natural, a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) comprometeu-se a contribuir com uma reflexão alargada sobre a aplicação de tarifas sociais e o conceito de consumidor “economicamente mais vulnerável”, baseado num critério de pobreza em linha com critérios já adotados ao nível da Segurança Social, e concretizar as formas de melhor garantir o acesso destes consumidores ao serviço de fornecimento de energia elétrica.

Em Portugal, a Tarifa Social de energia elétrica e de gás natural, incluída na fatura da eletricidade e do gás natural canalizado, cujos encargos financeiros são suportados pelas entidades comercializadoras de energia, bem como o Apoio Social Extraordinário ao Consumidor de Energia (ASECE), apoio que pode acumular com a tarifa social e ser incluído na fatura da eletricidade e do gás natural, cujos encargos financeiros são suportados pelo Estado, foram passos importantes, todavia insuficientes, para assegurar o acesso ao serviço essencial de fornecimento de eletricidade e gás natural, a todos os consumidores economicamente vulneráveis.

Recentemente o Decreto-Lei n.º 6-E/2021, de 15 de janeiro no âmbito das medidas de apoio na área da energia, veio criar um regime extraordinário ao consumo de energia elétrica, que visa proteger os consumidores elegíveis para a tarifa social dos efeitos decorrentes do acréscimo de consumo de energia elétrica durante as medidas restritivas aplicáveis durante o Estado de Emergência, mas também apoiar as famílias neste período de condições climatéricas adversas.

Há uma clara relação entre a pobreza energética, onde, por razões financeiras, as populações mais vulneráveis não dispõem de recursos económicos suficientes para satisfazer as necessidades correntes de consumos de energia, reduzindo por isso ao mínimo a sua utilização, e o bem-estar e conforto da população com menos recursos, colocando em risco a sua própria saúde.

Apesar do clima ameno, tão apreciado e valorizado por cidadãos do norte da Europa, Portugal é um dos países da União Europeia em que mais cidadãos e respetivas famílias estão expostos ao frio em casa, em particular os mais idosos e as famílias mono parentais.

Apesar de algumas medidas tomadas, como tarifa social da energia, Portugal continua a ser um dos países da Europa em que o número de pessoas a declarar não ter capacidade económica suficiente para manter a sua habitação aquecida de forma adequada é mais elevado, quase 20% da população em 2019, ou seja cerca de dois milhões de portugueses, segundo dados do Eurostat, que contrasta amplamente com a média europeia que é de 6,9%.

A pobreza energética tem impacto não só no bem-estar e conforto dos cidadãos, mas também na saúde, na mortalidade, no aproveitamento escolar, no rendimento profissional dos adultos, no isolamento social das famílias e dos jovens, entre outros.

Anualmente com a intensificação das condições climatéricas adversas no Inverno tem havido um aumento considerável do número óbitos associados frio e à gripe, em valores superiores ao de outros países europeus, situação que não é indissociável da pobreza energética.

No passado mês de janeiro onde foram batidos recordes de mortalidade em Portugal 2021, a COVID-19 apesar de ser o principal fator, não foi a única causa de morte. O relatório provisório do Instituto Ricardo Jorge (INSA) aponta o frio como a outra principal causa para o excesso de óbitos no primeiro mês do ano, sendo as baixas temperaturas responsáveis por um quarto das mortes.

Os parcos rendimentos da população, nomeadamente da população idosa, que aufere reformas muito baixas associados aos elevados custos da energia, por um lado, e às más condições das próprias habitações no que concerne ao isolamento e eficiência energética, por outro, são fatores que contribuem para que a mortalidade em particular nos meses e anos em que as temperaturas são mais severas.

Para além dos custos da energia, excluindo os impostos, serem dos mais caros da União Europeia, a verdade é que o aumento do IVA da eletricidade e do gás natural por iniciativa do Governo do PSD/CDS, de 6% para 23%, em 2011 representou um claro entrave no acesso à energia por parte das famílias com mais dificuldades económicas, desde logo os mais idosos.

A mitigação da pobreza energética passa não só por reduzir os custos da energia, nomeadamente eletricidade e de gás, mas também por medidas para melhorar as condições de habitabilidade e de eficiência energética, desde logo nos edifícios púbicos, destinados à habitação social.

Em Portugal, cerca de 2% do parque habitacional existente é habitação social, casas propriedade dos municípios e do Estado, correspondendo a cerca de 120.000 fogos, a maioria T2 e T3, que alojam milhares de famílias. Embora nos últimos anos tenham vindo a ser realizadas obras de reabilitação em alguns edifícios, melhorando a sua eficiência energética permitindo também por essa via garantir mais bem-estar e conforto, a verdade é que a maioria destes fogos com problemas estruturais e de má qualidade contribuem para acentuar a pobreza energética dos residentes muitos dos quais sem meios económicos para suportar os custos de energia.

É necessário que a reabilitação que tem vindo a ser realizada seja alargada a todo o parque de habitação social garantindo o isolamento térmico dos edifícios, através de intervenções nas fachadas, coberturas e caixilharias, impedindo a entrada humidade e infiltrações, bem como implementando sistemas de aquecimento, nomeadamente a partir de fontes renováveis, de forma a garantir ao conforto e qualidade de vida das pessoas que aí habitam e deste modo mitigar a pobreza energética.

Para além de intervenções no parque de habitação social é igualmente preciso adotar medidas de que permitam melhorar as condições de habitabilidade da população com menos recursos económico, dando particular prioridade à população mais idosa, que pela sua idade avançada é mais vulneráveis às situações climatéricas extremas, em termos de aquecimento/climatização, caixilharias, infiltrações melhorando a eficiência dos edifícios e desta forma proporcionando mais conforto e bem-estar dos seus residentes.

Embora haja uma ou outra autarquia que já disponibiliza pequenos serviços de eletricista, carpintaria, serraria, em particular para corresponder às necessidades dos idosos é fundamental que seja estabelecido um apoio e serviço alargado a todo o território de forma a abranger a população que pela falta de condições económicas está impedida de suportar os custos de mercado relacionados com as pequenas intervenções nas suas habitações.

Tendo em consideração que o aquecimento/climatização é um elemento essencial para a qualidade de vida das pessoas e que a falta de climatização nos períodos de temperaturas extremas, em particular o frio, interfere com o seu rendimento laboral e no caso das crianças e jovens interfere com a sua aprendizagem. É igualmente necessário que sejam tomadas medidas para assegurar que nas escolas e demais edifícios públicos sejam assegurados os recursos económicos para suportar os custos com o gás/eletricidade bem como para realizar as intervenções necessárias para melhorar o conforto energético dos edifícios. Todos os anos são inúmeros os casos de escolas, em particular aquelas que sofreram intervenções no âmbito do Parque Escolar, que têm de desligar o aquecimento devido aos elevados custos com a energia expondo os alunos a situações de frio extremo.

Tendo em conta que uma parte significativa da população portuguesa se encontra em situação de pobreza energética, por um lado em resultado dos baixos rendimentos associados aos custos elevados da energia, nomeadamente da eletricidade e do gás, e por outro derivado das más condições e qualidade do parque habitacional que são ineficientes do ponto de vista energético, com impactos muitos severos na sua qualidade de vida e saúde levando inclusive à morte, conforme tem-se verificado aquando de vagas de frio, Os Verdes consideram fundamental que sejam estabelecidas medidas de apoio para o acesso à energia das populações mais vulneráveis e a adoção de medidas para melhorar a eficiência dos edifícios de habitação social e demais população com menos meios económicos, nomeadamente dos mais idosos que pelas suas condições físicas são mais vulneráveis a situações de amplitudes térmicas extremas, desde logo as vagas de frio.

Assim, o Grupo Parlamentar Os Verdes apresenta o seguinte Projeto de Resolução.

Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, a Assembleia da República delibera recomendar ao Governo que:

1- Crie um programa no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência de apoio à eficiência energética, das habitações da população com menos recursos económicos, melhorando o bem-estar e conforto da população.

2- Garanta os meios e as condições necessárias para reabilitar o parque habitacional social reduzindo a pobreza energética e por essa via assegurando melhor qualidade de vida à população que aí reside.

3- Realize em conjunto com as autarquias um levantamento detalhado das famílias que se encontram em pobreza energética, bem como das suas condições de habitabilidade, e estabeleça apoios para que os municípios e freguesias garantam pequenos serviços domésticos, como de serralharia, carpintaria, em particular à população idosa de forma a melhorar as condições energéticas e respetiva habitabilidade.

4- Estabeleça um apoio igual ou superior a 25% na redução da fatura da eletricidade e do gás (natural ou em garrafa) nos meses em que as temperaturas baixas se façam sentir às famílias que beneficiam de tarifa social.

5- Garanta um apoio igual ou superior a 75 % na fatura da eletricidade e do gás natural (natural ou em garrafa) à população idosa que está abrangida pela tarifa social, nos meses de inverno.

6- Garanta os meios necessários para assegurar a climatização das escolas e demais edifícios públicos seja para suportar os custos com o gás/eletricidade bem como para realizar as intervenções necessárias para melhorar o conforto energético dos edifícios.

Assembleia da República, Palácio de S. Bento, 11 de março de 2021

Os Deputados,

José Luís Ferreira
Mariana Silva

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