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21/09/2020
Projeto de Resolução N.º 638/XIV/2.ª - Reversão da privatização dos CTT - Correios de Portugal, S.A.

Em dezembro de 2013, ficou concluída a primeira fase da privatização dos CTT - Correios de Portugal, S.A., pela mão do Governo do PSD e CDS-PP, mas, anteriormente, já tínhamos assistido a um “processo prévio de privatização”, com o objetivo claro e exclusivo de preparar e facilitar o caminho de entrega desta empresa aos privados.

 

Efetivamente, tal como sucedeu com outros processos idênticos de entrega de importantes empresas aos privados, a privatização dos CTT foi precedida de um conjunto de medidas no sentido da degradação e desmantelamento da empresa, ignorando por completo a garantia da continuação da qualidade do serviço prestado até aí. Mais uma vez, o que interessava, verdadeira e exclusivamente era preparar a privatização. Podemos mesmo afirmar que a palavra de ordem foi destruir o que é público para entregar ao privado.

 

Depois, dando sequência às exigências da agenda do neoliberalismo, que continua a assentar na ideia ou no princípio de privatizar, principalmente nos sectores que se mostram mais capazes de gerar lucros garantidos e, se possível, a preços de saldo, o Governo PSD/CDS-PP decidiu, em 2014, proceder à venda da participação do Estado nos CTT, ou seja, os restantes 31,5% que o Estado então detinha nesta importante empresa, que foram vendidos em Bolsa, ainda por cima a um preço muito abaixo do mercado.

 

De um ponto de vista mais geral, desta decisão do Governo de então, resultaram desde logo, duas consequências muito negativas, tanto para o Estado, como para os cidadãos.

 

Por um lado, privou-se o Estado de receitas necessárias para dar resposta às políticas sociais. Recorde-se que os CTT contribuíam todos os anos com importantes receitas para os cofres do Estado porque, enquanto empresa pública, eram rentáveis e davam lucro, ao mesmo tempo que prestavam um serviço público inestimável. Facilmente se percebe por que razão se apresentavam como muito apetecíveis para serem privatizados.

 

Ao fim destes anos, o Estado já perdeu centenas de milhões de euros em dividendos e o país deixou de ter um serviço de correios público, fiável e seguro.

 

Por outro lado, com a decisão de privatizar os CTT, o Governo acabou por sujeitar os cidadãos à constante degradação de um serviço público, como se tem vindo a verificar dia após dia, porque o lucro a todo o custo passou a ser a única variável a considerar na gestão dos CTT. E isto sucede quando os serviços públicos estão pensados, exatamente, para não ficarem sujeitos à lógica dos lucros privados e à mercê das “necessidades” da distribuição de dividendos pelos acionistas.

 

Acresce ainda que os Correios são um serviço fundamental para as populações, para o desenvolvimento do país e para a coesão territorial, desde logo porque contribuem para atenuar desequilíbrios sociais e económicos.

 

Os Serviços Postais em Portugal foram instituídos em 1520 e, contando com uma história de quase 500 anos, apesar de todas as transformações por que passaram, foram sempre considerados um serviço de excelência, o que é reconhecido até no plano internacional, não se estranhando, por isso, que os CTT representem uma das marcas emblemáticas do nosso país. Na verdade, os CTT não representavam qualquer problema para o país pois contribuíam com muito emprego, com uma presença nacional muito alargada, com um serviço de qualidade e com lucros para o Estado.

 

Além disso, nem a nível mundial a privatização dos Correios é uma tendência. Entre os 50 maiores operadores mundiais, para além de Portugal apenas a Holanda e Malásia privatizaram a 100% as empresas postais. Na Europa, apenas a Alemanha, Bélgica, Áustria, Itália e Grécia privatizaram parcialmente o seu capital, enquanto o Reino Unido dividiu a empresa em duas, mantendo-se a rede de balcões nas mãos do Estado. Por seu lado, a Dinamarca acabou por reverter a privatização.

 

Ora, seis anos depois da privatização desta importante empresa e face à constante degradação do serviço prestado aos cidadãos, é tempo de repensar, não o contrato de concessão, aliás descaradamente incumprido, porque isso não resolverá rigorosamente nada, mas a própria propriedade dos CTT.

 

A verdade é que, após estes seis anos de privatização, é hoje perfeitamente notória a crescente deterioração e descaracterização dos serviços de correio, o que contraria o que a própria empresa apresenta como a sua Missão, Visão e Valores.

 

Os exemplos desta situação são muitos: encerraram centenas de estações e postos, e muitos destes encerramentos aconteceram sem aviso prévio (desde a privatização dos CTT foi encerrada mais de uma centena de estações), em 2018 havia 33 concelhos sem estação dos CTT enquanto em 2012 não existia nenhum concelho nessa situação, foram vendidos edifícios, foram retirados da via pública centenas de recetáculos postais, foram despedidos trabalhadores, os vínculos precários aumentaram, aumentaram os percursos de cada giro de distribuição, assim como os tempos de espera para atendimento.

 

Mas não ficamos por aqui: há falta de dinheiro disponível nas estações para pagamento de pensões e de outras prestações sociais, registam-se atrasos que já chegaram a duas semanas na entrega de vales postais com as pensões, as situações em que o correio deixou de ser distribuído diariamente generalizaram-se (existem mesmo localidades no país onde o carteiro apenas passa um vez por semana, e outras, pouco mais do que isso), populações inteiras que se veem obrigadas a deslocarem-se vários quilómetros até à estação mais próxima, muitas vezes sem terem transportes ou condições para o fazer e o recurso sistemático, por parte dos CTT, a empresas de trabalho temporário e a prestadores de serviços, entre tantos outros exemplos que aqui poderiam ser referidos.

 

Tudo isto sem ter em conta as necessidades e direitos das populações e dos trabalhadores e sem garantir condições que assegurem a celeridade, a segurança e a privacidade da correspondência.

 

Ou seja, a degradação deste serviço evidencia-se desde a preparação da sua privatização e tem prosseguido o cenário de agravamento, com milhares de reclamações relacionadas com problemas dos serviços prestados. 

 

De facto, segundo a DECO - Defesa do Consumidor, a partir de 2015, o total de reclamações aumentou e não tem parado. Entre 2015 e 2016 o aumento foi de cerca de duas mil - de 6890 para 8934 -, tendo, em 2018, chegado às 16077 reclamações, incluindo tanto as registadas no livro de reclamações físico e eletrónico como as recebidas diretamente na Anacom - Autoridade Nacional de Comunicações.

 

Em resumo, a privatização trouxe menos qualidade, menos postos de trabalho, menos estações de correios, menos distribuição, menos lucros e património delapidado. Estamos perante mais uma privatização lucrativa para poucos e ruinosa para muitos.

 

Além disso, a esta evidente degradação do serviço, é ainda necessário somar o aumento das tarifas que, desde a privatização, já subiram mais de 50%. Ou seja, neste momento, e como resultado da privatização e do rumo de destruição deste serviço, os cidadãos pagam mais e a oferta do serviço é menor, enquanto os trabalhadores viram as suas condições de trabalho sofrer um substancial retrocesso.

 

Logo, o que se está a passar nos CTT não é próprio de um Estado de Direito, os acionistas continuam a apoderar-se, sob a forma de dividendos, de todos os lucros gerados pela empresa e até a distribuírem dividendos superiores aos lucros, descapitalizando os CTT. Entre 2013 e 2016, foram distribuídos mais de 270 milhões de euros em dividendos, cerca de um terço da receita total da privatização. Em 2017, os CTT apresentaram lucros de 27,3 milhões de euros, mas distribuíram dividendos de 57 milhões, o que corresponde a um payout ratio de quase 209%.

 

Refira-se também que, recentemente, a empresa anunciou a contratação de mais de 800 trabalhadores desde abril de 2020, no entanto, as contas do primeiro semestre revelam que há menos 500 trabalhadores desde junho do ano passado.

 

A tudo isto acresce ainda o facto do Banco CTT ter sido implementado sobre a estrutura de Estações de Correio, funcionando nas instalações e com os trabalhadores dos correios, que são desviados dos balcões dos serviços postais para os balcões do serviço do Banco, o que aumenta as filas de espera. Definitivamente, a Administração remete o serviço postal para segundo ou terceiro plano, sendo evidente a degradação da qualidade do serviço de correios, em benefício do Banco CTT.

Não se estranha, por isso, que durante todo este processo tenhamos assistido a uma incansável luta por parte das populações e dos trabalhadores no sentido de reivindicar um serviço de Correios à medida das necessidades do país.

 

Também vários autarcas de diferentes forças políticas consideram que a concessão dos CTT deverá ser resgatada de forma a reverter a degradação deste serviço, uma vez que não estão a cumprir com as suas responsabilidades.

 

Não será por acaso que a ANACOM propôs que o Governo multasse os CTT por desrespeito pelo Contrato de Concessão e Convénio de Qualidade, o que comprova a degradação deste serviço. Ainda assim, importa destacar que a ANACOM tem permitido as inúmeras propostas de aumento das tarifas por parte do Conselho de Administração dos CTT.

 

Neste contexto, é de destacar que os CTT falharam alguns indicadores de qualidade em 2017 e em 2018, assim como falharam todos os indicadores de qualidade de serviço definidos para o ano de 2019 pela ANACOM. Assim, por três anos consecutivos a empresa não cumpre os critérios definidos pelo regulador para o serviço postal universal.

 

A realidade é que, desde que este processo se iniciou até ao dia de hoje, a reivindicação pelo não encerramento das estações e pela defesa de um serviço público de qualidade tem sido uma constante.

 

Importa ainda salientar que, em fevereiro de 2018, o então Ministro do Planeamento chegou a afirmar que a situação dos CTT era consequência da privatização a 100% feita pelo anterior Governo, dizendo que cabia agora ao regulador assegurar a qualidade dos serviços, porque o Estado deixou de ter participação na empresa.

 

Contudo, o que importa agora é assumir o enorme erro que foi privatizar os CTT e reverter a situação porque, a cada dia que se soma, acresce a necessidade de reverter esta privatização, tal como o Partido Ecologista Os Verdes já deixou bem expresso.

 

Convém ainda clarificar que, mesmo com a evolução a que assistimos nos últimos anos, os CTT não perderam a sua importância, continuando a ser um fator de promoção da coesão territorial e de combate às desigualdades.

 

No entanto, não é necessário grande esforço para se perceber que o serviço postal, a continuar nas mãos de privados e seguindo este rumo, tem o seu futuro comprometido, sob pena de ser destruído de forma irreversível, e que a privatização dos CTT se apresenta como lesiva para o Estado, as populações e os trabalhadores.

 

Ora, perante tudo isto, importa que os CTT prestem um serviço de qualidade a toda a população, cumprindo o seu papel no desenvolvimento do país a nível local, regional e nacional, sendo para isso fundamental que o Governo defenda este serviço estratégico e os interesses e necessidades dos cidadãos e do país, o que só é objetivamente possível quando os CTT voltarem a integrar a esfera do Estado, passando este a deter o controlo e a gestão do serviço postal.

 

Na verdade, seis anos após a privatização dos CTT e face ao que assistimos, Os Verdes não têm dúvidas de que o enfoque para a recuperação dos CTT não reside propriamente no contrato de concessão, mas sim na própria natureza da propriedade dos CTT, que deve regressar ao Estado, o quanto antes. A sua privatização nunca se justificou e mantém-se hoje sem se justificar.

 

Saliente-se ainda que o contrato de concessão termina no final de 2020, impondo-se a adoção de medidas urgentes para a recuperação do controlo público dos CTT e do serviço postal público.

 

Por todas estas razões, têm sido recorrentes os debates na Assembleia da República sobre a gestão dos CTT porque, de facto, face ao exposto, exige-se que o Governo intervenha rapidamente, assumindo um papel de defesa de um serviço postal de qualidade, público e universal e invertendo este caminho de degradação que, como já era expectável, se veio revelar trágico para o país, recuperando os CTT e o serviço postal universal através da reversão da sua privatização e do regresso da sua gestão à esfera do Estado.

 

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, os deputados do Partido Ecologista Os Verdes, apresentam o seguinte Projeto de Resolução:

 

A Assembleia da República recomenda ao Governo que inicie o processo de reversão da privatização dos CTT - Correios de Portugal, S.A., por forma a que a sua gestão regresse à esfera do Estado.


Acompanhe aqui esta iniciativa.
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