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11/12/2020
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 798/XIV/2.ª - Mitigação e controlo das emissões poluentes provenientes do transporte marítimo
O transporte marítimo tem sido um meio de transporte relativamente barato para bens não urgentes, o que justifica que uma parte considerável do transporte mundial de mercadorias seja hoje feito quase exclusivamente por via marítima, apesar de usar combustíveis altamente poluentes. Também o turismo dos navios de cruzeiro estava, antes da pandemia de COVID-19, a crescer de tal forma que já representava uma das principais fontes de poluição.

De acordo com a Carbon War Room, mais de 90% do comércio mundial é feito por intermédio de transporte marítimo ao longo da sua cadeia logística, incluindo vestuário, alimentos, brinquedos, equipamentos, materiais, energia e matérias-primas, e os 15 maiores navios do mundo emitem mais óxidos de azoto (NOx) e óxidos de enxofre (SOx) para a atmosfera do que os 1.300 milhões de automóveis a circular em todo o mundo.

A poluição causada pelos meios de transporte, concretamente do transporte marítimo que utiliza um combustível extremamente poluidor devido ao alto teor de enxofre que consta da sua composição, representa consequências muito negativas e deve ser drasticamente reduzida, uma vez que afeta a qualidade do ar, da água, a biodiversidade, o clima e a saúde humana.

Com efeito, o elevado nível de emissão de óxidos de enxofre e óxidos de azoto e partículas tóxicas ultrafinas pode provocar dores de cabeça, doenças cardiorrespiratórias, além da formação de aerossóis de sulfato que aumentam a acidificação terrestre e do meio aquático.
Tendo presente os desafios ambientais que enfrentamos e os objetivos a que Portugal se propõe, do ponto de vista nacional, mas também internacional, as emissões poluentes provenientes do transporte marítimo devem ser alvo de medidas de minimização e de controlo, para que este sector seja também chamado a contribuir para a descarbonização. No entanto, o transporte marítimo não foi abrangido no Acordo de Paris.

Acresce ainda que a legislação comunitária isenta o sector do transporte marítimo do pagamento de impostos sobre o combustível, promovendo a manutenção da insustentabilidade da situação atual e a demora no investimento na transição energética da frota para combustíveis menos poluentes.

Na União Europeia, Portugal ocupa o 13.º lugar nas emissões provenientes da navegação. De acordo com a Federação Europeia de Transportes e Ambiente, em 2017, o porto marítimo de Lisboa foi o mais concorrido a nível europeu, visitado por 115 cruzeiros que permaneceram atracados durante quase oito mil horas, sendo a sexta cidade portuária da Europa com mais emissões poluentes.

Em 2017, a Carnival Corporation, a maior operadora de cruzeiros de luxo do mundo, emitiu cerca de 10 vezes mais óxido de enxofre no litoral europeu do que os 260 milhões de veículos europeus. Também a frota da empresa Mediterranean Shipping Company (MSC), foi responsável pela emissão de cerca de 11 milhões de toneladas de CO2 em 2018.

Um estudo da Federação Europeia de Transportes e Ambiente, com base nas estatísticas oficiais da União Europeia, apurou que os navios que navegam com destino e partida da Europa emitiram mais de 139 milhões de toneladas de CO2 em 2018.

Segundo a Zero - Associação Sistema Terrestre Sustentável, membro da Federação Europeia de Transportes e Ambiente, as emissões dos navios de cruzeiro na costa portuguesa foram 86 vezes superiores às emissões da frota automóvel que circula no país, representando mais de 10% do total das emissões nacionais de óxidos de enxofre. Relativamente ao óxido de azoto, os navios de cruzeiro em Lisboa emitiram quase o equivalente a um quinto dos mais de 370 mil veículos de passageiros que circulam na cidade.

Recorde-se que a Comissão Europeia adotou um relatório sobre a aplicação da Diretiva (UE) 2016/802 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2016, relativa à redução do teor de enxofre de determinados combustíveis líquidos, um instrumento da União Europeia para reduzir as emissões de poluentes atmosféricos provenientes do sector do transporte marítimo, que considerou que a contribuição das emissões provenientes dos navios para as zonas portuárias/costeiras deveria ser abordada pelos Estados-Membros, através de uma maior implantação de eletricidade proveniente da rede terrestre (cold ironing) ou da facilitação do acesso aos seus portos a navios mais ecológicos, com elevada eficiência energética ou que utilizem combustíveis alternativos.

Saliente-se também que a criação de Áreas de Controlo de Emissões (ECA – Emission Control Area) nos mares do Norte e Báltico e Canal da Mancha, previstas na Convenção MARPOL (Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios) da Organização Marítima Internacional, representou uma melhoria significativa na qualidade do ar nesta área.

Daí, haver estudos que recomendam a ampliação destas áreas para os restantes mares europeus, nomeadamente a costa Atlântica, incluindo Portugal, e o Mar Mediterrâneo, que constituem áreas com elevado tráfego marítimo e que são particularmente afetadas por essas emissões.

Nestas áreas, o combustível a ser utilizado não poderia ter mais de 0,1% de enxofre (em vez dos atuais 3,5% para todos os navios, excetuando os navios de passageiros que têm 1,5%), e, no que respeita aos óxidos de azoto, os navios têm de utilizar tecnologias que permitam uma redução significativa dessas emissões.

A ZERO estima, assim, que essas reduções, no que respeita à costa portuguesa, seriam na ordem dos 93% no caso do enxofre, e de 23,5% no caso dos óxidos de azoto, com reflexos claros na melhoria da qualidade do ar em Portugal.

Segundo informação disponibilizada, passam, por dia, na Zona Económica Exclusiva (ZEE) de Portugal Continental no trajeto Norte-Mediterrâneo, ou vice-versa, aproximadamente 110 navios de carga, 30 navios-tanque (petroleiros) e 2 grandes navios de cruzeiro. De acordo com a Agência Europeia de Ambiente estes navios totalizam uma emissão de cerca de 31 mil toneladas de dióxido de enxofre por ano e 85 mil toneladas de óxidos de azoto.

Acresce ainda o facto de a poluição atmosférica associada à navegação internacional causar aproximadamente 50 mil mortes prematuras por ano na Europa, com um custo anual para a sociedade de mais de 58 mil milhões de euros, de acordo com estudos científicos. Isto sucede porque as pequenas partículas no ar, após entrarem nos pulmões, são suficientemente pequenas para passar através dos tecidos e entrar na corrente sanguínea, podendo, assim, desencadear inflamações e problemas cardíacos e pulmonares, sendo que as emissões dos navios também podem conter partículas cancerígenas.

Desta forma, há uma preocupação crescente com a poluição causada pelo transporte marítimo, não só de grandes navios de cruzeiros, nomeadamente em Lisboa, mas também de navios de comércio, exigindo-se medidas concretas. Contudo, tendo em conta os impactos negativos, poucas medidas foram implementadas para reduzir efetivamente as emissões de poluentes.

Face ao exposto, o Partido Ecologista Os Verdes, consciente de que a poluição é um caso muito sério e grave, considera que se impõem medidas e compromissos eficazes que permitam mitigar e controlar as emissões poluentes provenientes do transporte marítimo, quer se trate de navios de cruzeiro ou de comércio, com o objetivo de minimizar os impactos negativos sobre o ambiente e a saúde pública.

Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes apresenta o seguinte Projeto de Resolução.

A Assembleia da República delibera recomendar ao Governo que:

1. Proceda a estudos, com entidades que trabalham sobre esta matéria, que permitam conhecer de forma rigorosa os efeitos do sector do transporte marítimo na saúde humana e no ambiente, tornando públicos os resultados desses estudos e permitindo implementar as medidas mais ajustadas com base nesses resultados.

2. Promova uma maior e mais eficiente fiscalização e monitorização dos impactos causados pelo transporte marítimo.

3. Proceda à monitorização e divulgação da qualidade do ar nos portos portugueses e zonas contíguas.

4. Tome as medidas necessárias com vista a incentivar circuitos de proximidade e a privilegiar o transporte ferroviário de mercadorias, mais sustentável e seguro.

5. Tome as diligências necessárias no sentido da criação de uma Área de Controlo de Emissões que inclua a costa continental portuguesa, incluindo a Zona Económica Exclusiva, que ligue a área já existente do Mar Báltico, Mar do Norte e Canal da Mancha ao Mediterrâneo, em estreito diálogo e coordenação com os países envolvidos.

6. Interceda, junto das instituições europeias, com vista a encontrar uma solução mais justa e sustentável relativamente à matéria fiscal sobre o sector dos transportes marítimos.

7. Promova as diligências necessárias por forma a estabelecer que os navios atracados nos portos nacionais não podem manter os motores em funcionamento, fomentando uma maior implantação do fornecimento de eletricidade a partir de fontes renováveis.

8. Implemente medidas que permitam mitigar as emissões poluentes dos navios, incentivando o uso de combustíveis e tecnologias mais limpas sem emissões de carbono, privilegiando opções mais eficientes e sustentáveis.

Palácio de S. Bento, 11 de dezembro de 2020

Os Deputados,

José Luís Ferreira
Mariana Silva

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