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20/11/2019
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 86/XIV/1ª. - ENVOLVIMENTO DO GOVERNO NA PROCURA DE SOLUÇÕES COM VISTA AO FIM DOS PARAÍSOS FISCAIS
Os paraísos fiscais são, geralmente, um país ou um território, onde a legislação proporciona a aplicação de capitais estrangeiros, atribuindo vantagens fiscais suscetíveis de evitar a sua tributação no país de origem, onde os impostos são geralmente maiores. Este mecanismo caracteriza-se, regra geral, pelo regime fiscal extremamente favorável em termos de impostos sobre o rendimento, pela ausência de controlo das atividades desenvolvidas, pela permanência do sigilo bancário e comercial e pela falta de transparência e ausência de troca de informações.

Ou seja, as empresas ou pessoas não registam os lucros no país onde fazem os negócios e ganham dinheiro, fazendo-o nos paraísos fiscais para beneficiarem dessas vantagens, não sendo os seus lucros sujeitos a impostos sobre rendimento nem as suas receitas taxadas.

Não será, por isso, de estranhar que uma das formas mais comuns de evasão fiscal internacional seja o recurso a paraísos fiscais, estimando-se que haja uma concentração de 26% da riqueza mundial nos paraísos fiscais, e já há muito se percebeu para que servem e quem servem.

Perante estes factos, facilmente se conclui que os paraísos fiscais têm contribuído e continuam a contribuir, aliás, de forma acentuada, para a imoralidade e para a injustiça fiscal que vai reinando.

É inconcebível que existam zonas absolutamente intocáveis, onde a supervisão financeira não entra, a cooperação judicial fica à porta e os próprios Estados preferem fingir que não estamos perante um problema que urge resolver.

Um Estado não deve pactuar com este mecanismo que permite não pagar impostos, fugir ao pagamento das obrigações fiscais e esconder dinheiro. Importa ainda salientar que estas atividades podem estar, muitas vezes, associadas a negócios pouco claros, à economia clandestina, à evasão e fraude fiscais, ao crime organizado, à lavagem de dinheiro e, por vezes, a práticas que fragilizam a estabilidade mundial, como o negócio da droga e do armamento.

Por outro lado, é bem conhecida a realidade, por vezes muito difícil, dos cidadãos que trabalham, ou trabalharam uma vida inteira, que têm menos rendimentos, que contribuem para a economia e o desenvolvimento do país, e são obrigados a pagar os seus impostos, tendo ainda salários e pensões muito baixos.

Logo, não é aceitável que se continue a perpetuar um sistema onde a generalidade dos cidadãos viva num verdadeiro inferno fiscal, e outros, uns poucos, vivam em paraísos fiscais, gozando do privilégio de pouco ou nada pagarem em impostos pelos seus rendimentos avultados.

Acresce ainda que a existência de paraísos fiscais é absolutamente inseparável do agravamento das desigualdades sociais, da pobreza e da insustentabilidade do modelo económico que se vai instalando no mundo.

A lei deve ser igual para todos e ninguém, por muito dinheiro que tenha, deveria ter um tratamento diferenciado.

Por outro lado, pela falta de transparência e clareza que representam, estas isenções fiscais acabam por trazer custos elevados aos Estados nacionais, tanto pela via da fuga de capitais e consequente perda de receita fiscal, como pela pressão que exercem sobre as jurisdições por via da concorrência fiscal.

Efetivamente, os paraísos fiscais fragilizam de forma substancial as bases financeiras do Estado e não criam riqueza para o país, colocando em causa as suas receitas e recursos que, de outro modo, poderiam ser canalizados para investimento público em áreas absolutamente prioritárias, como serviços públicos e políticas sociais.

Segundo um estudo da Comissão Europeia, alguns portugueses “desviaram” cerca de 50 mil milhões de euros para offshores entre 2001 e 2016, tornando-se Portugal o terceiro país da União Europeia que mais riqueza transferiu para paraísos fiscais, sendo superado apenas por países como o Chipre (38%) e Malta (31%). Estima-se que cerca de um quarto (23,9%) do Produto Interno Bruto (PIB) é desviado para offshores, representando uma perda de receitas fiscais num valor equivalente a 1% do PIB.

Recorde-se que, depois de, em 2017, ter sido divulgado que quase 10 mil milhões de euros foram transferidos para offshores entre 2011 e 2014 sem tratamento fiscal, a Autoridade Tributária e Aduaneira ficou obrigada a publicar anualmente as estatísticas sobre essas transferências a partir de 2018, através da Lei n.º 14/2017, de 3 de maio, que alterou os artigos 63.º-A e 64.º-B da Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro.

De acordo com os dados comunicados pelos bancos à Autoridade Tributária e Aduaneira, em 2018 foram transferidos 8,95 mil milhões de euros para paraísos fiscais, tendo sido realizadas 113.875 transferências para territórios com situação tributária mais favorável, mais 11.571 do que no ano anterior, tendo sido os destinos preferidos a Suíça e Hong Kong. Relativamente aos ordenantes, em 2017 foram 11.093 e em 2018 totalizaram 13.043, sendo a maioria pessoas coletivas, como empresas.

As denúncias que, ao longo dos tempos, foram sendo tornadas públicas permitiram dar mais visibilidade ao problema dos paraísos fiscais, dando uma ideia da sua dimensão e gravidade, ao mesmo tempo que deixaram bem claro o nível gritante de injustiça e de imoralidade com que nos debatemos. Foi o que sucedeu com os LuxLeaks, SwissLeaks, OffshoreLeaks ou os Panama Papers. No entanto, mesmo quando não surgem denúncias, os paraísos fiscais são uma realidade sempre presente.

Mas mais, os paraísos fiscais também foram o palco de alguns dos acontecimentos, como a falência de bancos ou as fraudes em larga escala. Por cá, será oportuno recordar os processos escandalosos do BCP (Banco Comercial Português), do BPP (Banco Privado Português) ou do BPN (Banco Português de Negócios), que indiciaram práticas relacionadas com empresas sediadas precisamente em paraísos fiscais e cuja fatura, nalguns casos, acabou por ser paga pelos contribuintes portugueses.

Importa ainda destacar que a própria União Europeia tem favorecido a livre circulação de capitais, possibilitando políticas de dumping social que os Estados usam para reduzir impostos, como forma de atrair capital. Como se não bastasse, existem paraísos fiscais no espaço europeu, o que não é apenas um problema europeu, mas global.

Facilmente se conclui que a existência de paraísos fiscais tem consequências negativas do ponto de vista económico, financeiro, social e político, razão pela qual o Partido Ecologista Os Verdes sempre foi contra este sistema e sempre reclamou o seu fim.

A verdade é que a Organização das Nações Unidas e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) têm aconselhado, há décadas, um combate à utilização dos paraísos fiscais, mas optando pela vertente da necessidade de troca de informações entre os paraísos fiscais e os restantes Estados, o que, sendo importante, não resolve o problema da sua própria existência.

Também em Portugal têm surgido algumas tentativas de modificação do enquadramento jurídico dos paraísos fiscais, mas sem grande sucesso. Acima de tudo, é preciso ter como objetivo a extinção dos paraísos fiscais.

Por uma cultura de responsabilidade democrática, impõem-se medidas para combater as práticas que continuam a favorecer quem pretende fugir às suas obrigações fiscais e o Governo deve pugnar por um sistema fiscal baseado na justiça e na transparência.

É, pois, imperioso caminhar no sentido da eliminação dos paraísos fiscais, de uma vez por todas, como forma de ajudar, também, a credibilizar o nosso sistema fiscal.

Sendo verdade que o Governo não pode impor o fim dos paraísos fiscais fora das suas fronteiras, também não pode esperar passivamente que o problema se resolva. Pode e deve diligenciar, junto dos restantes Estados e das Organizações Internacionais de que faz parte, no sentido de procurar medidas e encontrar soluções para acabar com os paraísos fiscais.

Face ao exposto, o Partido Ecologista Os Verdes considera que a eliminação de paraísos fiscais é uma medida que representa um conjunto de benefícios para o país e é da mais elementar justiça.

Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes apresenta o seguinte Projeto de Resolução

A Assembleia da República delibera recomendar ao Governo que:

Tome a iniciativa e se envolva ativamente, junto dos restantes Estados e das Organizações Internacionais de que faz parte, no sentido de encontrar soluções com vista à eliminação dos paraísos fiscais.

Acompanhe aqui a evolução deste Projeto de Resolução.
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