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28/01/2021
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 891/XIV/2.ª - Recomenda ao Governo que rejeite um Tratado da Carta da Energia incompatível com os compromissos ambientais e os interesses das populações
O Tratado da Carta da Energia (TCE) foi assinado em Lisboa a 17 de dezembro de 1994 e entrou em vigor em abril de 1998, sem um debate público significativo, sendo um acordo de investimento que envolve atualmente cerca de 50 países europeus e da Ásia central, abrangendo todos os aspetos das atividades comerciais relacionadas com o sector da energia, incluindo comércio, transporte, investimentos e eficiência energética.

Nos dias de hoje, este tratado é obsoleto e não há evidências de que facilite o investimento ou reduza o custo da energia, havendo até interesses contrários aos da generalidade dos cidadãos. Na sua atual forma, o principal efeito deste tratado é proteger as indústrias de combustíveis fósseis - e as respetivas emissões de gases com efeito de estufa - e ameaçar as finanças públicas dos estados signatários.

Acresce o facto de incluir o controverso sistema de arbitragem ISDS (Investor-State-Dispute-Settlement), sendo o acordo que tem motivado mais casos conhecidos de recurso a esse mecanismo, além de ser o único que permite estas arbitragens contra a União Europeia como um todo. Houve mais de 114 queixas apresentadas ao abrigo do tratado, sendo a tendência crescente pois, desde 2013, foram registadas, pelo menos, 75 novas queixas.

Com efeito, o crescimento de processos ISDS situa-se na ordem dos 437%, entre 1998 e 2019, sendo relevante ter em conta que 97% dos investidores que processaram Estados ao abrigo do TCE, até final de 2012, eram empresas de combustíveis fósseis ou envolvidas em projetos de energia poluentes.

Recorde-se que as cláusulas conferem amplos poderes aos investidores estrangeiros para poderem processar diretamente os estados em tribunais arbitrais internacionais, para receberem indemnizações avultadas por ações governamentais que, alegadamente, prejudiquem os seus investimentos. Quer isto dizer que este mecanismo é um ataque à soberania dos Estados e à capacidade de definir livremente políticas económicas, sociais e ambientais. Isto, apesar de não existir qualquer justificação de foro jurídico para a criação de um sistema de justiça a funcionar paralelamente.

De facto, em março de 2018, o Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu que os casos ISDS intra-UE (a maioria dos casos do TCE) ao abrigo de tratados bilaterais violam a lei da UE ao sobreporem-se aos seus tribunais e dos seus estados. O mesmo argumento também pode ser aplicado ao TCE.

Por tudo isto, o Tratado da Carta da Energia é um perigo para o combate às alterações climáticas, para o ambiente em geral e para as finanças públicas dos países envolvidos. Podemos mesmo afirmar que pode ser um instrumento dissuasor de políticas mais amigas do ambiente.

Recorde-se, aliás, que a Vattenfall reivindicou 1,26 mil milhões de euros devido a um aumento dos padrões ambientais para uma central de energia a carvão na Alemanha, o que forçou o governo local a flexibilizar a legislação para resolver o caso. Também a companhia de petróleo Rockhopper reivindica centenas de milhões de euros de hipotéticos lucros porque Itália proibiu novos projetos de extração de petróleo e gás na costa.

Na verdade, o TCE tem estado sob alguma pressão, estando em cima da mesa negociações com vista a um processo de modernização ou reformulação, tendo em conta algumas divergências e crescentes preocupações legais e políticas, nomeadamente a aplicação ou não do tratado nas disputas entre dois estados da União Europeia e a transição para energias não poluentes, em conformidade com o Acordo de Paris.

A pressão sobre o TCE pode e deve conduzir a alterações que atenuem os seus problemas, devendo reafirmar-se explicitamente o direito dos estados para tomar medidas legítimas de política pública, tais como proteção da saúde, meio ambiente ou ética pública, bem como proteção social ou do consumidor. Além disso, deve ficar bem claro que as disposições de proteção do investimento não podem ser interpretadas como um compromisso das partes de não alterar suas leis.

Todos os perigos presentes no Tratado da Carta da Energia têm suscitado várias preocupações e críticas por parte de cidadãos, juristas, parlamentares, tribunais e governos.

A este propósito, saliente-se que o Governo do Luxemburgo considerou as atuais propostas para o TCE insuficientes e defendeu o abandono deste tratado. Por seu lado, a Itália tomou a decisão de denunciar unilateralmente e retirar-se do Tratado a 1 de janeiro de 2016, fazendo com que qualquer investimento energético realizado nesse país após essa data não seja protegido pelo TCE, enquanto todos os investimentos feitos anteriormente permanecem abrangidos pelo acordo até 2036.

Foi também publicada uma Carta Aberta subscrita por cientistas, incluindo portugueses, e líderes climáticos que apelam aos membros do Tratado para que se retirem do Tratado e se comprometam claramente com a transição energética.

A propósito das preocupações suscitadas pelo Tratado da Carta da Energia, o Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes entregou, a 7 de julho de 2020, a Pergunta n.º 3758/XIV/1.ª, abordando precisamente a ameaça para o clima e para as finanças públicas, as ações judiciais entre investidores e estados e o processo negocial.

Recorde-se ainda que, já em 1996, a Proposta de Resolução n.º 5/VII - Aprova, para ratificação, o Tratado da Carta de Energia incluindo anexos, decisões e ata final e o protocolo da carta da energia relativo a eficiência energética e aos aspetos ambientais associados, assinados, em Lisboa, em 17 de dezembro de 1994 - mereceu a abstenção do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes.

O Partido Ecologista Os Verdes considera que é fundamental debater-se e fazer-se uma avaliação do que está realmente em causa, quais as vantagens e desvantagens, quais os riscos e o que é necessário mudar, tanto na perspetiva de Portugal como da europa, salientando que o TCE acaba por contrariar muitos dos objetivos apresentados pela União Europeia, particularmente em termos ambientais.

Para permitir que as gerações vindouras possam continuar a usufruir do Planeta sem a destruição provocada pelas alterações climáticas, exige-se uma mudança profunda no TCE.
Porém, caso a reformulação do TCE não vá ao encontro das preocupações ambientais e dos direitos dos cidadãos, o abandono do tratado é uma opção que deve ser seriamente equacionada, como até já foi afirmado publicamente pela Comissão Europeia - P-9-2020-005555-ASW_EN.pdf (europa.eu).

Acrescente-se que foi publicado um relatório - ect_rapport-numerique.pdf (openexp.eu) - onde são apresentadas informações que evidenciam que o TCE é incompatível com a luta contra as alterações climáticas.

Esse relatório revela que a estimativa do volume de emissões protegidas pelo tratado durante o período de 2018 até 2050 é de 148 Gigatoneladas de CO2 ou equivalente. Caso a União Europeia queira cumprir os objetivos do Acordo de Paris e evitar uma subida de temperatura de 2º C, o máximo que poderá emitir é 78 Gigatoneladas.


Fonte: Site da Plataforma Troca

Também um relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) - https://www.ipcc.ch/sr15/ - demonstra que as consequências de subidas de temperatura superiores a 1,5º C serão absolutamente catastróficas para o planeta e para a Humanidade. No entanto, para ter 50% de probabilidade de evitar uma subida de 1,5º C, o volume total de emissões associado à União Europeia é de 30 Gigatoneladas.

Ou seja, este tratado tem muitos pontos que estão em conflito direto com o desenvolvimento sustentável, representando um risco grande para qualquer governo empenhado em combater as alterações climáticas.

Importa acrescentar que, por outro lado, decorre um processo de expansão do TCE. Burundi, Eswatini (Suazilândia), Mauritânia e Paquistão estão na iminência de aderir ao tratado. Bangladesh, Chade, China, Marrocos, Nigéria, Sérvia e Uganda estão num patamar não muito distante, sendo que outros países, como Cambodja, Colômbia, Guatemala, Panamá e Gâmbia já iniciaram o processo de adesão. Cada país que aderir a este tratado poderá aumentar o volume total de emissões protegidas e os custos de abandonar o tratado num momento posterior.

Pelo exposto, o Partido Ecologista Os Verdes defende que Portugal não deve pactuar com um Tratado da Carta da Energia que seja contrário às preocupações e compromissos ambientais e aos interesses das populações e do país. Portugal deve defender intransigentemente um tratado alinhado com os objetivos da sustentabilidade do desenvolvimento.

Assim, o Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes apresenta o seguinte Projeto de Resolução:

Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, a Assembleia da República delibera recomendar ao Governo que:

1. Promova um amplo debate sobre o Tratado da Carta da Energia, permitindo avaliar os seus reais riscos para o ambiente e os interesse nacionais.

2. No quadro do processo das negociações para a reformulação/modernização do Tratado da Carta da Energia pugne pelo cumprimento dos compromissos ambientais e de desenvolvimento sustentável, pela defesa dos direitos dos cidadãos e pela exclusão das cláusulas de arbitragem entre investidores-estados (ISDS) e, caso esse processo não vá ao encontro destas premissas, tome as diligências necessárias para que Portugal abandone este tratado.

Palácio de S. Bento, 28 de janeiro de 2021

Os Deputados,

José Luís Ferreira
Mariana Silva

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