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26/03/2021 |
PROJETO DE RESOLUÇÃO Nº 1159/XIV/2ª - Pela necessidade de integrar a preservação da biodiversidade marinha nas obras de infraestruturas Portuárias |
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As construções ou intervenções na orla costeira, servindo necessidades de mobilidade e acessibilidade das atividades económicas, implicam também fortes alterações das condições e hidrodinâmicas naturais e nos ecossistemas marinhos onde se inserem. É possível, no entanto, reduzir os seus impactes ambientais e ao mesmo tempo construir um ecossistema, mesmo que artificial, com maior valor ecológico.
Se estas obras são fundamentais, então mais do que minimizar ou mitigar os impactos que elas têm sobre o ambiente marinho, importa aproveitar a oportunidade para construir novos ecossistemas em que se consiga integrar e harmonizar a atividade humana com o meio natural. Atualmente, com algumas técnicas ou medidas simples, é possível atingir um máximo de desenvolvimento ecológico mesmo num meio que sendo artificial permite o desenvolvimento de um ecossistema rico em biodiversidade.
Para atingir estes objetivos, é fundamental encontrar formas de construir as infraestruturas em zonas marinhas que integrem e interajam com as áreas naturais adjacentes. Este tipo de abordagem não acarretará, necessariamente, um acréscimo dos custos das referidas obras. Trata-se apenas de promover pequenas alterações ao projeto, que minimizem a diferença entre o construído e o meio anterior à intervenção.
A costa portuguesa é, frequentemente, fustigada por violentas tempestades e furacões que, não raras vezes, provocam estragos avultados e obrigam a obras de recuperação, reconstrução ou mesmo até de relocalização de portos e infraestruturas marítimas. Seja no continente, seja nas regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, estes momentos de intervenção ou reconstrução podem ser vistos como oportunidades para desenvolver uma nova abordagem ecológica, através da aplicação de soluções simples, mas que fazem uma grande diferença na preservação da fauna costeira e marinha.
As intervenções ou edificações previstas devem reproduzir arquitetonicamente, ainda que de modo artificial, a linha de costa, onde dominam as rochas ásperas e cheias de reentrâncias. Assim, as peças de betão a construir e a colocar em contacto direto com o meio marinho podem ser rugosas e cheias de reentrâncias, de modo a contribuir para a fixação dos diversos organismos marinhos e promover um aumento da biodiversidade no local. Para além do aumento da biodiversidade, o número de bivalves, como por exemplo, as cracas e lapas, irá aumentar, nomeadamente porque estas infraestruturas poderão ter um papel importante em termos de maternidade para estas espécies. Uma simples medida consiste em adaptar o molde utilizado na fabricação das peças de betão.
Na zona interdita ou entre marés a biodiversidade é bastante rica em diversidade ecológica, devido às poças de água temporárias que aí se formam é à renovação de água em cada maré. É possível, e relativamente simples, construir nas novas infraestruturas poças artificiais, reproduzindo assim o meio natural na zona entre marés. Tal como deve ser reproduzido, dentro dos possíveis, o tipo de fundo marinho adjacente às zonas de implantação do porto ou infraestrutura marítima, principalmente em zonas onde existem poucas áreas de concentração de areia e sedimentos. Por norma estas zonas são alvo de fenómenos de hidrodinamismo marítimo cíclicos com períodos de remoção e de adição das referidas areias e sedimentos. Nos portos há uma grande concentração de sedimentos permanente e este constitui um ecossistema claramente mais pobre quando comparado com um ecossistema de fundo rochoso. Isto deve-se principalmente à redução do hidrodinamismo natural no fundo dos portos.
As obras marítimas têm como principal objetivo a redução do hidrodinamismo de superfície, as ondas. Na realidade, a hidrodinâmica do fundo pouco tem importado para os projetistas dos portos, a não ser no que se refere a eventuais problemas de acumulação de sedimentos com consequente redução das profundidades dos portos. Contudo, é possível manter o objetivo de redução da hidrodinâmica das ondas à superfície sem se anular totalmente a hidrodinâmica do fundo. Para tal, será necessário construir canais de circulação da água no fundo dos molhos de proteção dos portos e infraestruturas marítimo-portuárias. Podem ainda ser construídos pequenos recifes artificiais dentro das áreas portuárias, sem pôr em causa a sua navegabilidade, o que ainda tem a vantagem de serem de fácil monitorização.
Existem exemplos de intervenções semelhantes, um pouco por todo o mundo, e que devem servir de inspiração e de modelo a utilizar no nosso país. Refiram-se a construção de poças de maré no porto de Sydney na Austrália e no paredão de defesa da maré de Shaldon e Ringmore, no Reino Unido, a construção de pequenos buracos em estruturas adjacentes à orla costeira em São Roque, em Ponta Delgada. A experimentação de maiores rugosidades no porto de Seattle, Washington, EUA.
É possível também minimizar o impacte que as construções têm no meio terrestre costeiro e que acaba por afetar a avifauna local. Assim, nos telhados e nas fachadas dos edifícios de apoio portuário pode ser facilitada a nidificação das aves marinhas, reduzindo-se a iluminação “parasita” e criando nichos com coberto vegetal adequado para facilitar a vida das aves, sem comprometer a função técnico-administrativa dos edifícios.
É tendo em conta este conjunto de preocupações, e mesmo considerando que esteja prevista a minimização de impactos ambientais deste tipo de projetos nos estudos exigidos pela legislação - Estudos de Impacte Ambiental (EIA) e Planos de Gestão Ambiental (PGA), sobretudo na perspetiva da gestão de resíduos e outras medidas avulsas de menor importância, que o Grupo Parlamentar Os Verdes apresenta o seguinte Projeto de Resolução:
Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, a Assembleia da República delibera recomendar ao Governo que:
- Crie medidas e ações concretas de preservação da biodiversidade marinha nos regulamentos de construção, reconstrução ou requalificação de obras de portos e infraestruturas marítimas costeiras e exija às entidades que gerem as infraestruturas portuárias que integrem essas medidas nos projetos e respetivos cadernos de encargos desse tipo de obras.
- Integre nessas medidas o apoio à construção e colocação de peças de betão que tenham superfície rugosa e reentrâncias, simulando as existentes no meio natural, construção de poças artificiais na zona entre as linhas de maré; construção de paredões com ângulos de maior exposição solar; construção de canais de circulação da água no fundo dos molhes de proteção dos portos e infraestruturas marítimo-portuárias para impedir a acumulação de areias e inertes; redução da iluminação “parasita” nos edifícios e introdução de nichos com coberto vegetal adequado, que atraiam e facilitem a nidificação de aves marinhas.
- Defina rácios limites entre a linha de costa artificializada vs linha de costa natural, no sentido de minimizar os impactos ambientais cumulativos, no meio marinho.
Assembleia da República, Palácio de S. Bento, 26 de março de 2021.
Os Deputados
Mariana Silva
José Luís Ferreira
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