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06/03/2020
PROJETO DE RESOLUÇÃO Nº 295/XIV/1.ª - CONTROLO DE ESPÉCIES INVASORAS E DE INFESTANTES NA PATEIRA DE FERMENTELOS E DESPOLUIÇÃO DO RIO CÉRTIMA E SEUS AFLUENTES
A Pateira de Fermentelos estende-se por áreas dos concelhos de Águeda, de Oliveira do Bairro e de Aveiro. Esta lagoa interior de água doce que integra a bacia hidrográfica do Rio Vouga (Baixo Vouga) encontra-se a cerca de 20 km da linha de costa, desenvolvendo-se nos últimos 4 km do rio Cértima, o seu principal afluente, a montante da confluência deste curso de água com o rio Águeda. Este rio desagua na margem esquerda do Águeda, imediatamente a jusante da Ponte de Requeixo.

Sendo uma das maiores lagoas naturais da Península Ibérica, a Pateira de Fermentelos, ocupa atualmente uma área de superfície e profundidade variáveis de acordo com a estação do ano, que, no seu exponente máximo, atinge mais de 5 km2. A sua envolvente é maioritariamente ocupada por áreas agrícolas, as quais são facilmente inundáveis nos períodos de maior precipitação ao longo do ano, terrenos propícios para a produção de arroz.

A Pateira assume grande importância não só pelo que representa para as populações locais, a nível socioeconómico, paisagístico, cultural e turístico, mas também em termos ecológicos, botânicos, zoológicos e hidrológicos.

Esta lagoa, onde espraia o Cértima, e a sua área envolvente detêm um papel preponderante na preservação da biodiversidade, florística e faunística, que lhe está associada, bem como pela respetiva conservação de habitats e espécies mais ameaçadas.

Destaca-se, em particular, pela presença de uma numerosa quantidade de espécies da avifauna, residentes e/ou migratórias, onde podem ser observadas diversas espécies de aves com estatuto legal de proteção, como o garçote/garça-pequena (Lxobrychus minutus), a garça vermelha (Ardea purpúrea), a águia-sapeira (Circus aeruginosus), o milhafre-preto (Milvus migrans) e uma basta presença de passeriformes, entre outros, não deixando de ser sintomático que o termo “pateira”, que designa a lagoa, tenha surgido pela abundância de patos.

Ao nível da ictiofauna têm potencial de ocorrência na Pateira espécies que beneficiam de estatuto de proteção, como é o caso da boga portuguesa (Chondostroma lusitanicum), do ruivaco (Rutilus macrolepidotus), do bordalo (Rutilus alburnoides), do barbo-comum (Barbus bocagei), e da boga comum (Chondostroma polylepis). Nesta lagoa e área envolvente encontram-se também outros peixes, crustáceos, répteis, anfíbios, pequenos mamíferos, e uma espécie de bivalve de água doce, a Anodonta, que pelas dimensões que pode atingir, é uma espécie emblemática na região.

Quanto à flora, para além de espécies ripícolas, como o salgueiro, amieiro, freixo, entre outras, dominam habitats com povoamentos de tábua, caniço, bunho, bem como comunidades de espécies exóticas e infestantes flutuantes, enraizadas ou suspensas entre o fundo e a superfície como o jacinto-de-água (Eichornia crassipes), o pinheirinha-de-água (myriophyllum aquaticum), a ludwigia (peploides), ou os nenúfares. 

Pela importância e diversidade de avifauna que se verifica na lagoa e respetivos habitats associados foi-lhe conferido o estatuto de proteção comunitária pela Diretiva Aves, classificada como “zona sensível” pelo Decreto-Lei n.º 152/97, de 19 de julho sendo uma importante e extensa zona húmida da Rede Natura 2000 (Zona de Proteção Especial da Ria de Aveiro – PTZPE0004). Esta área integra também o Sítio de Importância Comunitária (SIC) da Ria de Aveiro (PTCON0061).

Desde novembro de 2012 que a lagoa, conjuntamente com as áreas limítrofes do rio Cértima e do Águeda é reconhecida como Zona Húmida de Importância Internacional pelo Comissariado Internacional da Convenção de Ramsar.

Embora a Pateira de Fermentelos seja uma área de grande valor ecológico, ao longo dos anos tem sido exposta a um conjunto de problemas que derivam não só da presença de espécies invasoras e infestantes, que altera o equilíbrio deste ecossistema, mas também pela constante poluição a que o rio Cértima e seus efluentes têm sido sujeitos e que contribui para a degradação desta zona húmida que urge recuperar e preservar.

Ao nível das espécies invasoras e infestantes para além das espécies faunísticas que desequilibram o ecossistema como o achigã, a perca-sol e o lagostim vermelho contribuindo para reduzir a biodiversidade endógena assume particular preocupação ao nível da flora a invasão por nenúfares, pinheirinha-de-água e jacintos-de-água.

A pinheirinha-de-água que afeta em particular o Cértima é uma erva aquática, semelhante a um pequeno pinheirinho, com folhas emergentes azul-esverdeadas proveniente da América do Sul. Segundo informação que consta no sítio (invasoras.pt) esta espécie forma tapetes que podem cobrir totalmente a superfície da água. O seu crescimento reduz a qualidade da água, a biodiversidade, a luz disponível e o fluxo de água.

Fora da área de distribuição nativa, a pinheirinha-de-água reproduz-se apenas vegetativamente por fragmentação dos caules. Não forma autofragmentos mas estes formam-se por ações mecânicas, enraizando rapidamente. Os rizomas são resistentes, viajando longas distâncias agarrados ao fundo de embarcações. As partes aéreas crescem tanto fora de água como submersas.

Para além da pinheirinha-de-água tem assumido grande preocupação, a invasão por jacintos-de-água, sobretudo na Pateira. Esta é das plantas invasoras aquáticas mais problemáticas e mais resistentes do mundo, afetando em particular o nosso país. O jacinto-de-água oriundo da bacia Amazónica, que se reproduze rapidamente, surge sobretudo em cursos de água com pouca corrente e em lagoas de água doce com abundância de nutrientes, como é o caso da Pateira, tolerando também águas poluídas, designadamente por metais pesados.

Em Portugal e na Europa, esta planta foi introduzida inicialmente para fins ornamentais, contudo devido aos seus impactos na biodiversidade figura no nosso país na lista de espécies classificadas como invasoras pelo Decreto-Lei 565/99, de 21 de dezembro.

Os jacintos de água formam densos tapetes que cobrem completamente a superfície da água, pela massa compacta de folhagem, e conduzem facilmente ao desequilíbrio do ecossistema aquático, devido à impossibilidade de entrada da luz solar e de oxigenação.

No sentido de controlar esta espécie na Pateira de Fermentelos, há vários anos que a autarquia de Águeda adquiriu uma ceifeira-aquática, que embora eficaz, a quantidade de sementes que germinam, uma vez que a planta não foi definitivamente eliminada, tornam, porém a “luta” inglória, afetando não só esta lagoa como também se propagam para jusante empurrados pelo vento e com as correntes da água afetando igualmente a ria de Aveiro, em particular nos períodos de baixo caudal e de altas temperaturas.

No que concerne à poluição das águas, a montante da lagoa, o rio Cértima e os seus principais afluentes, de que é exemplo o Levira, têm sido expostos a constantes descargas que são posteriormente encaminhadas para a Pateira. O rio Cértima, que nasce na Serra do Buçaco, ao longo dos seus cerca de 43km percorre de sul para norte, os municípios da Mealhada, Anadia, Oliveira do Bairro e Águeda, concelhos com grande pressão antropogénica, em particular pelas suas atividades económicas ligadas ao setor primário e à indústria.

A população tem sucessivamente denunciado a poluição deste curso de água devido a descargas de efluentes por intermédio de algumas empresas, por certas ETAR, que não têm as condições necessárias para proceder ao tratamento das águas residuais que aí afluem, bem como devido à existência de outros focos difusos de poluição.

Nos últimos anos, foram várias as notícias divulgadas pela comunicação social nacional e regional denunciando o mau estado das águas do Cértima, por exemplo turvas, acastanhadas, espumosas, com peixes mortos das quais emanam por vezes cheiros nauseabundos, pondo em causa não só a qualidade ambiental e desequilibro do ecossistema, mas também a própria saúde pública, pois as águas do Cértima servem também para irrigar áreas de cultivo.

Em 2013, face à crescente poluição no rio Cértima, Os Verdes apresentaram ao Ministério que tutelava a área do ambiente, a pergunta n.º 1708/XII/2.ª sobre as descargas ilegais de efluentes neste rio. Na resposta, o governo referiu que na bacia hidrográfica do Cértima, desde 2003, tinham sido sucessivamente fiscalizadas mais de três centenas e meia de instalações, das quais resultaram o levantamento de quase uma dezena de autos entre 2010 e 2012.

No âmbito da elaboração do Plano de Gestão das Bacias Hidrográficas (PGBH) dos rios Vouga, Mondego e Lis é referido que o Rio Cértima apresenta grandes problemas de qualidade ecológica, sendo classificado como “mau”, em determinados elementos biológicos (invertebrados bentónicos, azoto amoniacal, Carência Bioquímica de Oxigénio aos 5 dias - CBO5-  e taxa de saturação em oxigénio), existindo uma forte correlação com as cargas de efluentes urbanos, indústria transformadora e agricultura.

O PGBH tem previsto como objetivo que, em 2021 esta massa de água atinja o estado “razoável” e de “bom” em 2027, face às medidas previstas, tais como aplicação do programa de ação da zona vulnerável, controlo e redução da poluição tópica urbana e obras para controlo de afluências indevidas aos sistemas de drenagem de água residuais e à rede hidrográfica.

No último verão a população voltou a denunciar a mortandade de peixes no Cértima, que de acordo com o Ministério do Ambiente, prendeu-se principalmente por anoxia (falta de oxigénio) agravada pelo aumento de temperatura da água, situação que está correlacionada também a com a   poluição das águas pela ação humana.

Na sequência de episódios de contaminação de origem antropogénica ocorridos neste rio aliados à existência de problemas de obstrução do canal principal, de sedimentação e à diminuição do caudal da linha de água por captações agrícolas, no âmbito do Fundo Ambiental vai ser realizada uma intervenção de reperfilamento do leito e margens com a desobstrução do canal principal, recuperação do corredor fluvial e consequente funcionalidade dos sistemas naturais ribeirinhos, promoção da conetividade com as áreas envolventes, favorecimento da valorização paisagística e da biodiversidade, entre outros, nos concelhos de Águeda e de Oliveira do Bairro.

Porém, embora importante, esta operação cinge-se apenas a dois concelhos, quando deveria ter sido estendida aos municípios da Anadia e da Mealhada, territórios com grande pressão de atividades económicas.

Pelo exposto e considerando que a Pateira de Fermentelos representa um grande valor ambiental, pela importância que reveste ao nível da diversidade e equilíbrio ecológico, razão pela qual, aliás, se encontra classificada;

Considerando ainda a importância que o Cértima e a Pateira, assumem no que diz respeito às atividades económicas da região, em particular ao nível da produção de arroz e do turismo de natureza, respetivamente;

 

Considerando por fim, que ao longo dos anos o equilíbrio desta lagoa tem sido colocado em causa, seja pela proliferação de espécies exóticas e infestantes (animais e vegetais), bem como pela poluição, que aí aflui através do rio Cértima, o qual necessita urgentemente de ser despoluído.
O Partido Ecologista Os Verdes considera absolutamente imperioso tomar medidas urgentes no sentido de permitir o controlo de espécies invasoras e de infestantes na Pateira de Fermentelos e rio Cértima, mas também para a despoluição e monitorização deste rio e seus afluentes.
 
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, os deputados do Partido Ecologista Os Verdes, apresentam o seguinte Projeto de Resolução:
 
A Assembleia da República recomenda ao Governo que:
1 - Proceda ao reforço da realização de ações de monitorização e fiscalização na bacia hidrográfica do Rio Cértima e seus afluentes, de forma a evitar descargas ilegais de águas residuais.
2 - Identifique os troços mais problemáticos e georreferencie os principais focos de poluição destes cursos de água.
3 - Analise as águas rejeitadas no Domínio Público Hídrico pelas entidades e empresas que têm licença para tal.
4 - Promova medidas e ações de sensibilização dirigidas às empresas, à população e nas escolas no sentido de evitar práticas que conduzam à poluição das águas do Rio Cértima.
5 - Desenvolva e implemente um plano de ação para a despoluição e controlo de espécies invasoras e de infestantes na Pateira de Fermentelos e rio Cértima;
6- Realize o cadastro de plantas, em particular de espécies invasoras de forma eliminá-las e espécies raras de modo a salvaguardá-las
7- Estenda a intervenção de reabilitação e valorização ecológica do rio Cértima também aos concelhos da Anadia e da Mealhada
8 - Apoie as autarquias locais na valorização ambiental, cultural e paisagística da Pateira de Fermentelos e Cértima, em particular no controlo de espécies invasoras e de infestantes.

Acompanhe aqui esta iniciativa.
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