A Língua Gestual Portuguesa é um dos instrumentos que permite superar as barreiras de comunicação que dificultam e, muitas vezes, impedem que as pessoas surdas usufruam de direitos fundamentais e está, desde 1997, consagrada na Constituição da República Portuguesa, no artigo 74.º, n.º 2 alínea h), cabendo ao Estado «proteger e valorizar a língua gestual portuguesa, enquanto expressão cultural e instrumento de acesso à educação e da igualdade de oportunidades».
Também a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência estabelece que o Estado deve providenciar formas de assistência humana, incluindo guias, leitores ou intérpretes profissionais de língua gestual, para facilitar a acessibilidade aos edifícios e outras instalações abertas ao público.
Logo, a Língua Gestual Portuguesa, expressamente consagrada, deve ser valorizada e, à sua consagração deve corresponder a garantia dos meios que potenciem a inclusão da comunidade surda e a concretização plena dos seus direitos.
No entanto, apesar da evolução a que temos assistido, a realidade evidencia-nos que persiste uma carência de intérpretes de Língua Gestual Portuguesa nos serviços públicos, assim como persistem várias questões por resolver no que diz respeito ao cumprimento dos direitos das pessoas surdas e da valorização da carreira de tradutor e intérprete.
Desta forma, é preciso dar passos para uma sociedade mais acessível e mais inclusiva.
Ainda não estão plenamente asseguradas as acessibilidades das pessoas surdas aos serviços públicos, o que se traduz em enormes barreiras na comunicação, constituindo um sério entrave ao acesso aos serviços públicos.
No caso da Saúde, a necessidade de assegurar a comunicação das pessoas surdas com os profissionais de saúde é essencial, quer seja em contextos de urgências, internamento, tratamentos oncológicos, consultas entre outros.
Ocorre também que os Encarregados de Educação surdos, cujos educandos se encontram a frequentar escolas que não são de Referência para a Educação Bilingue, deparam-se com um problema no que diz respeito à comunicação com os profissionais de educação, nomeadamente docentes e outros agentes da comunidade escolar.
Este facto faz com vivenciem estas contrariedades diariamente. Alguns deles suportam injustamente as despesas adicionais do serviço de interpretação para participar devidamente na vida escolar dos seus educandos. Outros, não podendo fazê-lo, apenas acompanham parcialmente a vida escolar dos seus educandos, desconhecendo muitas vezes as suas reais dificuldades. Ou seja, veem-se obrigados a abdicar do seu estatuto de Encarregado de Educação, sendo outro familiar ouvinte a acompanhar e diligenciar sobre a vida escolar dos seus educandos.
Destaca-se aqui a especial importância da comunicação entre os pais ou Encarregados de Educação e a escola, sendo indispensável a presença e a participação efetiva dos mesmos no processo educativo.
Acresce ainda o facto de a Lei nº 89/99, de 5 de julho, que define as condições de acesso e exercício da atividade de intérprete de língua gestual ter cerca de vinte anos e ter sido aprovada num contexto em que a Língua Gestual Portuguesa não tinha o essencial reconhecimento público que tem hoje, o número de tradutores e intérpretes era reduzido face ao atual e a própria comunidade surda não tinha a perceção que tem hoje do apoio que pode e deve ter com estes profissionais.
Ou seja, também esta legislação carece de se adequar à realidade e de contemplar a evolução e as mudanças que ocorreram nas últimas duas décadas.
Acontece também que muitos profissionais são detentores do Certificado de Competências Pedagógicas (CCP), mas, aquando da sua inscrição na plataforma Netforce - Portal para a Formação e Certificação de Formadores e outros profissionais, (uma aplicação informática disponibilizada e gerida pelo IEFP, I.P.) para validar a candidatura, têm de escolher a área/curso e a opção de “Intérprete de Língua Gestual Portuguesa” não é contemplada.
Desta forma, o profissional vê-se obrigado a selecionar outra área/curso que não a da sua formação.
Subsiste uma outra situação, muitas vezes esquecida, relacionada com o ensino e a prática da condução. É de relembrar que o Decreto-Lei n.º 40/2016, de 29 de julho, no Anexo II (a que se refere o artigo 9.º) – Regulamento da habilitação legal para conduzir, determina no Artigo 44.º que “Quando o examinando for surdo pode requerer ao serviço competente do IMT, I. P., a intervenção de intérprete de língua gestual credenciado para estar presente durante a realização da prova”.
Sucede, porém, que esta lei é muitas vezes ignorada e desrespeitada, eventualmente por desconhecimento das autoridades competentes que acabam por impossibilitar o examinando de realizar as provas necessárias ou por não permitir o serviço de interpretação, impossibilitando-o de aceder à informação.
A verdade é que em Portugal estamos a fazer um caminho importante, mas ainda insuficiente face às carências evidenciadas nesta matéria, tal como evidenciam os exemplos acima referidos e, tendo em vista uma sociedade verdadeiramente inclusiva, importa garantir a igualdade e a inclusão.
Efetivamente, a construção de uma sociedade inclusiva, sem discriminações e com igualdade de oportunidades para todos tem sido uma das grandes prioridades políticas do PEV, aos mais diversos níveis de intervenção. No que respeita particularmente às pessoas surdas, a título de exemplo, batalhámos no Parlamento pela tradução para língua gestual de conteúdos televisivos, particularmente dos conteúdos informativos, entre muitas outras medidas.
Face ao exposto, com vista a uma sociedade justa e inclusiva e em cumprimento com o princípio da igualdade consagrado na Constituição da República Portuguesa, o Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes apresenta o seguinte Projeto de Resolução que contempla várias propostas de modo a promover a igualdade de oportunidades e a concretização de direitos da comunidade surda, assim como a revisão e valorização da profissão de intérprete de Língua Gestual Portuguesa.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, os deputados do Partido Ecologista Os Verdes, apresentam o seguinte Projeto de Resolução.
A Assembleia da República recomenda ao Governo que:
1. Proceda à contratação de intérpretes de Língua Gestual Portuguesa para os serviços públicos, sobretudo para a saúde e a educação, nomeadamente para as escolas que não são de Referência para a Educação Bilingue, em função das carências identificadas e por forma a promover a acessibilidade e a inclusão social da comunidade surda.
2. Tome as diligências necessárias com vista à revisão da Lei n.º 89/99, de 5 de julho, que define as condições de acesso e exercício da atividade de intérprete de língua gestual, cujo processo deverá ser desenvolvido em articulação com as organizações representativas destes profissionais e da comunidade surda, assim como à criação da carreira própria para intérprete de Língua Gestual Portuguesa.
3. Tome as diligências necessárias com vista à inclusão da profissão de intérprete de Língua Gestual Portuguesa na base de dados que suporta a inserção dos dados relativos às habilitações de nível superior.
4. Diligencie no sentido da devida clarificação e efetivo cumprimento da legislação relativa ao ensino e prática da condução.
5. Em articulação com as organizações representativas dos profissionais intérpretes de Língua Gestual Portuguesa, implemente outras medidas com vista à valorização e dignificação da profissão de intérprete de Língua Gestual Portuguesa.
6. Em articulação com as organizações representativas das pessoas com deficiência, particularmente da comunidade surda, implemente outras medidas com vista à concretização dos direitos e à plena integração das pessoas surdas.