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08/06/2020
PROJETO DE RESOLUÇÃO Nº 508/XIV/1ª - ESTRATÉGIA NACIONAL PARA O FOMENTO DO ARVOREDO URBANO

Nas últimas décadas temos vindo a assistir, um pouco por todo o mundo, ao progressivo despovoamento e desertificação do interior e à concentração populacional nos centros urbanos, com maior incidência em zonas litorais.

 

Ao nível global, desde 2008, e pela primeira vez na história, mais de metade das populações vivem em áreas urbanas, e até 2050 é expectável que esta percentagem possa ascender a  70% da população mundial.

 

Segundo dados do INE, em 2018 existiam em Portugal 159 cidades, onde residiam 4 457 358 pessoas, o que se traduz no facto de 43,72% da população se ter fixado nessas localidades.

Com base nos Censos de 2011 a área metropolitana de Lisboa contava com 2,8 milhões de habitantes, representando cerca de 27% da população portuguesa, enquanto que na área metropolitana do Porto residia 18% da população.

 

A par desta concentração demográfica, a intensa expansão do tecido urbano, e as consequentes alterações na morfologia do solo e das paisagens naturais, tem criado microclimas próprios e diferenciados, onde as temperaturas, pluviosidade e ventos diferem dos microclimas das zonas mais rurais. Entre estas diferenças no meio urbano estão as ilhas de calor urbano, a diminuição da velocidade média do vento, alterações ao nível da radiação solar, da humidade atmosférica, entre outras.

 

Paralelamente, a diminuição dos espaços verdes e das coberturas vegetal e arbórea, para dar lugar a estruturas de betão, têm levado ao esgotamento e à degradação dos ecossistemas naturais nas zonas urbanas e nas periferias, à perda drástica de serviços vitais dos ecossistemas e, potencialmente, à diminuição da resiliência a fenómenos causados pelas alterações climáticas. Fenómenos como cheias e inundações nas cidades são cada vez mais frequentes, denunciando a crescente impermeabilização dos solos, que conduz a problemas de drenagem e a avultados prejuízos para as sociedades.

 

Face a novos desafios ambientais que estão colocados à humanidade, como o problema das alterações climáticas e da perda de biodiversidade, é identificada a necessidade de novas abordagens políticas orientadas para a adoção de soluções baseadas na natureza (NBS). Uma dessas soluções passa pela otimização do enorme potencial do arvoredo em meio urbano, tendo em conta as suas inúmeras vantagens, como a capacidade de retenção da água da chuva no subsolo e de drenagem para os lençóis subterrâneos, contributo para menores níveis de poluição, regulação climática e criação de uma paisagem mais harmoniosa nas cidades.

 

Em termos de regulação microclimática, a copa das árvores, em particular as de folha caduca, tem um papel de amenização e de economia energética, fornecendo mais sombra no verão, podendo até contribuir para a redução da dependência e dos custos com climatização nos próprios edifícios. Simultaneamente, o arvoredo quando disposto em “cortina” permite que as suas copas funcionem como uma barreira acústica natural diminuindo, a poluição causada pelo ruído.

 

São inúmeros os benefícios sociais e ambientais de um bom planeamento do arvoredo no meio urbano e nos espaços públicos, entre os quais o combate à poluição atmosférica. As árvores, sobretudo as adultas, prestam nesse combate um serviço de elevado valor ecológico, na medida em que atuam como sumidouros de carbono e desempenham funções de filtragem de emissões contaminantes, muitos dos quais com origem no tráfego rodoviário e nas emissões industriais, como é o caso do dióxido de carbono, do ozono, do dióxido de enxofre, do dióxido de azoto, do monóxido de carbono e de partículas finas em suspensão.

 

De acordo com a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), “apesar das melhorias significativas registadas nas últimas décadas, em Portugal estima-se que as partículas PM2.5, NO2 e O3 são responsáveis pela morte de 6.000 portugueses todos os anos”. A poluição do ar agrava problemas respiratórios e cardiovasculares, e contribui, em geral, para elevados custos de saúde em grupos vulneráveis, como crianças, idosos e grupos de doentes de risco.

 

A fruição dos espaços verdes e o contacto com a natureza, em parques e jardins das cidades, promovem, também, o desenvolvimento de atividades físicas e influenciam positivamente a qualidade de vida dos cidadãos, com vantagens para o bem-estar físico e psíquico, resultando num fator importante de prevenção na saúde pública. Infraestruturas verdes, como parques e jardins, interferem ainda na vivência e na coesão social, pois propiciam áreas de convívio, lazer, encontro e cultura para todos. 

 

A criação de Cidades e Comunidades Sustentáveis é definida como um dos objetivos do desenvolvimento sustentável (ODS- objetivo 11) pela Organização das Nações Unidas. Neste contexto, os ODS apontam como metas, para 2030, o aumento da urbanização inclusiva e sustentável através do planeamento e gestão de áreas populacionais participativas, integradas e de espaços públicos seguros, inclusivos, acessíveis e verdes.

 

A par destas medidas, é ainda considerada prioritária a salvaguarda do património natural, a eficiência dos recursos, a mitigação e adaptação às mudanças climáticas e a resiliência a fenómenos extremos.

 

Muito recentemente, perante a pandemia por Covid-19, o mundo ganhou mais consciência para o facto de ser necessário preservar a biodiversidade e a saúde dos ecossistemas, de modo a prevenir o surgimento de novas doenças, que é, de resto, uma das potenciais consequências que a comunidade científica atribui ao fenómeno das alterações climáticas.

 

Tal pressuposto integra a mais recente Estratégia de Biodiversidade para 2030, apresentada a 20 de maio pela Comissão Europeia, e cuja prioridade se centra na recuperação de ecossistemas degradados na terra e no mar em toda a Europa, de modo a dar resposta à crise global da biodiversidade marcada pela extinção de genes, espécies e ecossistemas ao nível mundial.

 

O impacto das mudanças que se verificam no clima é, de facto, global, mas as políticas capazes de mitigar os seus efeitos são de âmbito nacional, cabendo a cada país traçar planos estratégicos em matéria de sustentabilidade.

 

É neste âmbito que Os Verdes vêm salientar a importância estratégica da gestão do arvoredo cujo valor social, ambiental, paisagístico e a sua capacidade de prestação, gratuita, de serviços de ecossistemas têm vindo a ser negligenciados e subestimados.

 

Torna-se, pois, urgente a criação de uma estratégia que se centre no arvoredo como parte essencial da infra-estrutura ecológica urbana, e que, à semelhança de outras infraestruturas urbanas, possa ser corretamente planeado, desenvolvido, gerido e mantido enquanto sistema de apoio/suporte da vida e do bem-estar da população.

 

Cremos que tal proposta deverá integrar uma concepção do património arbóreo enquanto rede funcional que liga os espaços verdes da cidade com os ecossistemas florestais e fluviais existentes no território, procedendo de forma alinhada com outras estratégias e planos vigentes em matéria de preservação e conservação da natureza, contribuindo, deste modo, para aumentar a biodiversidade através do seu papel de corredor verde e de ligação entre habitats dentro e fora do perímetro urbano.

 

Os habitats fornecidos pelas árvores são atrativos para a vida selvagem, oferecendo abrigo, alimento e local de passagem para diversas aves, animais vertebrados, répteis, morcegos e insetos, de entre os quais se destacam os responsáveis pela essencial polinização. Todos estes organismos vivos são geradores de equilíbrio  e restauro ecológico.

 

Este conceito de continuum natural conta já com décadas em termos legislativos em Portugal (foi introduzido logo pela primeira Lei de Bases do Ambiente - Lei 11/87, de 7 de abril) e enfatiza a importância da continuidade e preservação da biodiversidade entre as infraestruturas verdes existentes, particularmente corredores ecológicos e espaços verdes urbanos e suburbanos.

 

É, pois, fundamental que também no domínio da gestão do arvoredo em meio urbano e nos espaços públicos, se proceda à articulação entre Infraestruturas Verdes, as Estruturas Ecológicas e as Rede de Corredores Verdes para a definição de um modelo de ocupação urbana sustentável, em coordenação com instrumentos de ordenamento do território e de preservação dos valores naturais.

 

Por este motivo, os planos e regulamentos que devem servir de base a futuras ações de gestão do arvoredo deverão contemplar linhas estratégicas fundamentais tais como: património arbóreo e biodiversidade; critérios de seleção e diversidade de espécies autóctones; conhecimento técnico e tecnológico na gestão e manutenção do arvoredo; comunicação e participação social; preservação e proteção da saúde e segurança (fitossanitária, biodiversidade, saúde humana); articulação com outras infra-estruturas ecológicas urbanas e a estrutura ecológica nacional; permeabilidade e adaptação dos solos; gestão sustentável da água e dos meios hídricos; resiliência a fenómenos climáticos extremos.

 

Em Portugal, com exceção da defesa das árvores protegidas e de interesse público ao abrigo da lei em vigor, assistimos a inúmeras práticas de intervenção injustificadas sobre o arvoredo em meio urbano. Se, por um lado, se verifica a adoção de Regulamentos de Gestão do Arvoredo por parte de alguns municípios, noutras situações a total ausência de critérios no planeamento e gestão do património arbóreo tem levado a práticas que incluem podas “radicais” ou podas de rolagem, abates indiscriminados sem a devida fundamentação fitossanitária, ausência de manutenção após transplante de espécies. Não menos preocupante é a indefinição de competências técnicas e de áreas profissionais certificadas para proceder a intervenções de plantio, limpeza e manutenção do arvoredo, fruto do vazio legal em torno desta matéria. É importante criar condições para que as autarquias disponham de meios técnicos adequados que as possibilitem ter uma atuação consequente a este nível.

 

Na defesa do pulmão verde das cidades, essencial à qualidade de vida, para além da criação de novos espaços verdes, importa ainda preservar o património histórico e cultural de parques e jardins emblemáticos, cuja manutenção se encontra suspensa e por vezes dependente de programas de apoio externos, que após o seu término deixam comprometida a viabilidade económica daqueles investimentos.

 

Nesse sentido, o Grupo Parlamentar Os Verdes apresenta o seguinte Projeto de Resolução

 

Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, a Assembleia da República delibera recomendar ao Governo:

 

  1. Criar em conjunto com as autarquias uma estratégia nacional para o fomento do arvoredo em meio urbano.
  2. Tomar como objetivo, na referida estratégia, a preservação e alargamento de corredores e espaços verdes, articulados com as infraestruturas verdes e as Estruturas Ecológicas urbanas e não urbanas, em alinhamento com estratégias e planos de conservação e preservação na prossecução de metas e objetivos ambientais;
  3. Integrar na estratégia um Manual de Boas Práticas na Gestão do Arvoredo em Meio Urbano, contendo regras adequadas aos objetivos a prosseguir, incluindo, designadamente:

a)    requisitos funcionais, operacionais, ambientais e paisagísticos para as intervenções de plantio, poda, limpeza e manutenção, abate e transplante de árvores em meio urbano e nos espaços públicos;

b)    informação sobre espécies autóctones mais adaptadas a cada espaço urbano.

Acompanhe aqui esta iniciativa.
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