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19/06/2020 |
Projeto de Resolução Nº 531/XIV/1ª - REFORMULAÇÃO DO MODELO E APOIOS PÚBLICOS A ATRIBUIR ÀS CENTRAIS DE BIOMASSA FLORESTAL EM FUNÇÃO DA SUA SUSTENTABILIDADE |
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Além das fontes de energia renováveis tradicionais, dispomos hoje também da biomassa, em particular a florestal residual, que há muito se impôs como uma importante fonte de produção de energia calorífera, que tem vindo igualmente a ser utilizada para a produção de energia elétrica.
Integram a biomassa florestal residual os materiais com origem arbórea, arbustiva ou herbácea, que resultam dos sobrantes do abate das árvores, de cortes fitossanitários, do controlo de espécies invasoras lenhosas ou da necessidade de redução de material combustível no âmbito da defesa da floresta contra incêndios.
Todavia, a biomassa florestal, tendo este potencial energético, não pode ser entendida apenas como fonte calorífica ou de produção de eletricidade, uma vez que a biomassa assume, igualmente, um papel importante do ponto de vista ecológico que não pode ser minimizado.
A remoção de biomassa de forma continuada dos espaços florestais e a consequente diminuição da camada orgânica pode afetar a qualidade dos solos florestais ao nível da quantidade de nutrientes disponíveis para a vegetação, bem como contribuir para a própria erosão do solo em particular nas áreas de maior declive, aliás a própria produção florestal ocorre, predominantemente, em terrenos declivosos.
Por estas razões de caráter ambiental e ecológico a utilização de biomassa florestal, para fins energéticos, deve ser devidamente ponderada em função do tipo de material, do solo, do declive e das caraterísticas dos ecossistemas de forma a não comprometer o seu equilíbrio.
Desde os anos 90 que as centrais de biomassa integram a política energética nacional. A primeira grande central termoelétrica no nosso país, foi construída em 1999 no concelho de Mortágua, um dos municípios do país com maior área de eucalipto, podendo esta unidade produzir 63 Gwh. Em 2005, a adoção da Estratégia Nacional de Energia conduziu ao reforço e aposta na energia a partir de biomassa.
Para além da produção de energia a partir de uma fonte renovável, estas centrais utilizando biomassa florestal residual podem, hipoteticamente, permitir a redução do material combustível nos espaços florestais e por essa via contribuir para a prevenção de incêndios florestais ou facilitar as próprias ações de combate. Acresce que as próprias centrais a biomassa florestal podem contribuir para melhorar os rendimentos dos produtores florestais valorizando os sobrantes com pouco ou nenhum valor comercial.
Considerando o potencial da biomassa florestal, em termos energéticos e os alegados aspetos positivos ao nível da gestão e limpeza dos espaços florestais, em 2006, a Direção-Geral de Geologia e Energia lançou 15 concursos para a atribuição de centrais de biomassa prevendo a produção de cerca de 100 megawatts (MW) de potência.
Mais tarde, o Decreto-Lei n.º 5/2011, de 10 de janeiro, veio estabelecer as medidas destinadas a promover a produção e o aproveitamento de biomassa, para garantir o abastecimento das centrais dedicadas de biomassa florestal, fixando o incentivo à venda da eletricidade associado ao cumprimento dessas medidas às centrais que estivessem ou entrassem em funcionamento até ao final de 2013 ou 2014 quando o estabelecimento da central dependesse de prévia avaliação de impacte ambiental (AIA) ou avaliação de incidências ambientais.
A fraca execução dos projetos que resultaram do concurso de 2006, levou a que o governo prorrogasse, em 2015, o prazo até 2017 e 2018 da entrada em funcionamento das centrais de modo a beneficiarem das tarifas bonificadas de produção de eletricidade.
Em 2015, das 15 licenças que foram a concurso em 2006 (num dos lotes não houve interessados) só duas centrais tinham avançado, sendo que uma delas já tinha encerrado a sua atividade. A única central a biomassa das 15 licenças atribuídas, em funcionamento nesse ano, empregava diretamente apenas 12 trabalhadores.
Posteriormente entre 2016 e 2017 foram lançadas mais oito centrais, algumas das quais derivadas da fusão da potência atribuída no âmbito das licenças atribuídas no concurso de 2006.
Os incêndios florestais que devastaram o Centro e Norte em 2017 impulsionaram o incremento da capacidade das centrais de combustão de biomassa florestal atualmente instalada, visando promover a manutenção, limpeza das florestas e a prevenção do risco de incêndio. Em 2017 é lançado novo período de concursos públicos para licenciamento de centrais de biomassa, com uma capacidade máxima por unidade de 15 MW e uma capacidade global de produção de energia a partir de biomassa de até 60 MW.
Em 2019, o governo voltou a prorrogar o prazo, através do Decreto-Lei n.º 48/2019, de 12 de abril, até ao final de 2019 ou 2020 no caso da obrigatoriedade ou não de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA). A AIA é obrigatória, de acordo com o Decreto-Lei n.º 151-B/2013, de 31 de outubro, para os projetos superiores a 50 MW ou 20 MW no caso das centrais se localizarem em áreas sensíveis.
Embora as centrais com potência menor que 50 MW não necessitem de AIA, a verdade é que os impactos destas unidades podem representar grandes prejuízos nos territórios onde estão inseridas, como é o caso da Central de Biomassa do Fundão.
Esta unidade que entrou em pleno funcionamento em dezembro de 2019 veio comprometer a qualidade de vida das populações que residem nas proximidades, desde logo, do ponto de vista atmosférico, não só pelas emissões provenientes das chaminés, propagação de partículas que derivam do manuseamento e destronamento da biomassa nos estaleiros, mas também pelo ruído constante, pois esta unidade labora 24 horas por dia.
No caso da central de biomassa do Fundão, a inexistência de uma prévia avaliação dos impactos no ambiente e na qualidade de vida das populações, para além de não ser obrigatória para projetos com menos de 50 MW, deriva também do aligeiramento do processo de licenciamento e da sua implementação, uma vez que, esta central como uma outra implementada em Viseu pelo mesmo promotor, foram qualificadas como Projetos de Potencial Interesse Nacional (PIN).
Os Verdes têm-se debatido para revogar o regime jurídico dos PIN, nomeadamente, reforçando a ideia de que consiste num sistema de favorecimento pouco transparente de certos projetos e, portanto, injusto a vários níveis, ou seja: gera desigualdade nos procedimentos relativos a projetos que se pretendem implementar e também um aligeiramento de procedimentos que põem em causa valores que se pretendem salvaguardados e preservados.
Os PIN têm funcionado, frequentemente, como bulldozers que arrasam e simplificam os vários processos e servidões administrativas, com implicações ao nível da preservação do ambiente, dos ecossistemas e da qualidade de vida das populações.
Para além dos impactos, em particular nas populações limítrofes, as centrais a biomassa não estão a ir ao encontro dos principais objetivos, para as quais foram implementadas, que são o de contribuir para valorizar a biomassa florestal residual e reduzir o risco de incêndio. Por exemplo, há centrais de biomassa que estão a queimar, praticamente na sua totalidade, madeira de qualidade, não utilizando, como seria conveniente, biomassa residual.
Contudo, embora algumas centrais não estejam a queimar biomassa residual, poderão ao longo dos próximos anos receber milhões de euros de apoios públicos, pois o Decreto-Lei n.º 5/2011, de 10 de janeiro, que estipula os respetivos apoios, sublinha apenas, que as centrais devem contemplar medidas de promoção de fontes de biomassa florestal que permitam atingir, no prazo de 10 anos, 30 % do abastecimento das necessidades de biomassa florestal da central. Aliás, no presente não há qualquer tipo de mecanismo que rastreie a proveniência da biomassa florestal.
Os custos da produção de energia elétrica a partir de biomassa florestal residual são muito elevados, sobretudo devido aos custos associados ao transporte, pelo que, tendo em conta esta variável bem como a crescente potência instalada e a necessidade constante de consumo de biomassa, apenas uma parte ínfima da energia elétrica produzida deriva de biomassa de sobrantes florestais, recorrendo a outras fontes de biomassa, como as culturas energéticas.
As culturas energéticas, de acordo com o Decreto-Lei n.º 64/2017, de 12 de junho, são culturas florestais de rápido crescimento, cuja produção e respetiva silvicultura preveja rotações inferiores a seis anos e cuja transformação industrial seja dedicada à produção de energia elétrica ou térmica, ou seja, entre outras espécies os eucaliptos e a paulownia tomentosa.
O que está a acontecer é que em vez das centrais de biomassa estarem a contribuir para prevenir os incêndios, estão, por esta via, a fomentar a expansão de monoculturas de crescimento rápido, como o eucalipto, espécie com grandes impactos ambientais e que está associada aos grandes e violentos incêndios, aumentando a vulnerabilidade das populações.
De forma a reduzir os custos com o transporte da biomassa, as centrais localizam-se, preferencialmente, em áreas com boas acessibilidades e junto a grandes eixos viários o que poderá constituir-se também como um foco de disseminação de doenças e pragas, por exemplo, o nemátodo da madeira do pinheiro, uma vez que os estaleiros podem armazenar biomassa proveniente de árvores contaminadas.
Como vemos, não é necessário fazer grande esforço para se perceber a urgência em reformular o atual modelo e a atribuição de apoios às centrais de biomassa florestal, ponderados em função do tipo de biomassa e da sua sustentabilidade, evitando que as centrais desviem materiais que poderiam e deveriam ter outros fins, como por exemplo, troncos de qualidade, que contribuam para a desflorestação ou mesmo para criar elevados défices de biomassa comprometendo o equilíbrio dos ecossistemas e a respetiva sustentabilidade. É exatamente essa reformulação que se propõe nesta iniciativa legislativa.
Neste sentido, o Grupo Parlamentar Os Verdes apresenta o seguinte Projeto de Resolução:
A Assembleia da República delibera, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, recomendar ao Governo que:
1- Potencie o consumo maioritário de biomassa residual, agrícola ou florestal nas centrais de biomassa mediante critérios edafoclimáticos e ecológicos de forma a evitar o desequilíbrio dos ecossistemas;
2- Garanta que as novas centrais de biomassa assegurem uma distância considerável dos aglomerados populacionais e o cumprimento rigoroso das normas do ruído, emissões atmosféricas, reduzindo igualmente a poluição luminosa de forma a não comprometer a qualidade de vida da população e a biodiversidade;
3- Reveja a qualificação ou enquadramento das centrais de biomassa como projetos de Potencial Interesse Nacional, tendo em conta os problemas que derivam do aligeiramento do processo de implementação;
4- Garanta que as centrais e respetivas áreas adjacentes não sejam localizadas junto a grandes eixos viários de forma a evitar a proliferação de pragas e doenças;
5- Assegure que as centrais em funcionamento utilizem maioritariamente biomassa florestal residual, excedentária, estabelecendo critérios técnicos e científicos, de forma a evitar que as matérias-primas utilizadas não contribuíam para o défice de matéria orgânica e degradação dos solos, comprometendo os ecossistemas.
6- Estabeleça a obrigatoriedade de os promotores das centrais enviarem trimestralmente um relatório ao ICNF, onde especifiquem o tipo, quantidade e proveniência da biomassa florestal residual utilizada;
7- Reformule os subsídios públicos às centrais de biomassa florestal, fazendo depender estes apoios de critérios ponderados em função do tipo e qualidade da biomassa e da sua sustentabilidade e condicione a atribuição de novas licenças de exploração de centrais de biomassa florestal à apresentação de um plano ação para 10 anos;
8- Impossibilite a utilização pelas centrais de biomassa de monoculturas de culturas energéticas, como o eucalipto, de madeira de qualidade ou de biomassa residual procedente de áreas com baixos níveis de matéria orgânica e de áreas muito afastadas da central de biomassa florestal.
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