Em Janeiro do ano corrente o Governo assinou com a Vinci um acordo que deixou o país perplexo, uma vez que estava a assumir um compromisso para a construção de um novo aeroporto no Montijo sem que, sequer, estivesse concluída a Avaliação de Impacte Ambiental (AIA), então em curso.
Resultava daqui a perceção clara de, entre outras questões, uma procura de influência em relação ao resultado da AIA e, portanto, um profundo desrespeito por este instrumento de política ambiental.
O referido acordo motivou a ação imediata do PEV, ao nível parlamentar, com o agendamento de um debate em Plenário da Assembleia da República, para pedir esclarecimentos urgentes sobre o que se estava a passar.
Foram, de resto, diversas as vezes em que o Grupo Parlamentar dos Verdes levantou a questão da intenção de construção de um aeroporto na Base Aérea nº 6 (BA6) no Montijo. Numa das vezes, confrontando o Primeiro-Ministro (PM) com esta preocupação, a resposta que foi dada aos Verdes foi que se tratava da solução mais rápida e barata! Eis os critérios (de resto, questionáveis) que o PM considerou mais relevantes para orientar a decisão sobre um projeto desta dimensão e com impactos brutais. Ou seja, toda a vertente de segurança das populações e do território e de gestão de património natural único foi desvalorizada na ponderação da decisão do Governo.
Este processo conheceu devoluções e reentregas do estudo de impacte ambiental, e no final do passado mês de outubro a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) emitiu a Declaração de Impacte Ambiental (DIA), num sentido favorável - condicionado. Em bom rigor, nada de que não se estivesse à espera, e que demonstrou a forma como os interesses económicos prevalecem, neste sistema, sobre os valores ambientais, sociais e de segurança das populações, o que, para o PEV, é absolutamente inadmissível.
A verdade é que o Governo fez uma opção clara de se aliar a uma multinacional, em vez de defender os interesses dos portugueses e das nossas riquezas naturais. O interesse público exigiria, contudo, que os critérios ambientais e de segurança das pessoas e do território estivessem em primeiro lugar.
Mais, há a referir que o PEV considera que, se este projeto de construção de um terminal aeroportuário na BA6 no Montijo, avançar, as medidas mitigadoras exigidas pela APA são completamente insuficientes para evitar danos profundos e, muitos deles, efetivamente irreversíveis.
O facto de a decisão da APA ter surgido, nos termos em que surgiu, não deve constituir um baixar de braços em relação à indignação perante o atentado que ali se procura cometer, antes deve, ela própria, ser motivo de exigência de um processo claro, transparente, isento e sério.
É, justamente, por isso que o PEV considera que não pode haver um processo, com as características acima referidas, que não seja sujeito à realização de uma Avaliação Ambiental Estratégica (AAE).
A AAE visa a identificação, descrição e avaliação dos eventuais efeitos significativos no ambiente resultantes de um plano ou programa, antes da sua aprovação e para produzir resultados que sirvam para ponderar a decisão final (artigo 2º, do Decreto-Lei nº 232/2007, de 15 de junho, alterado pelo Decreto-lei nº 58/2011, de 4 de Maio). Para o efeito, a AAE implica a avaliação e a ponderação de diversas alternativas e a justificação da razão de uma determinada escolha em detrimento de outras estudadas (artigo 6º, do DL nº 232/2007). É importante, entretanto, especificar que o DL nº 80/2015, de 14 de Maio, considera expressamente como programas setoriais (e, portanto, sujeitos obrigatoriamente a AAE) as decisões de localização relativas a grandes projetos com incidência territorial.
Neste sentido, uma qualquer decisão sobre a localização de um novo terminal aeroportuário deve ser sujeita a AAE, de modo a aferir dos impactos e das alternativas possíveis e razoáveis. De referir que uma AAE em nada conflitua com um processo de AIA, nem prejudica a sua realização, o mesmo é dizer que um não substitui o outro, antes se complementam.
O que não é aceitável é que o Governo passe por cima destes procedimentos fundamentais. Fundamentais, inclusivamente, para a credibilidade de uma decisão tomada. De resto, torna-se até imperioso perguntar o que é que o Governo teme que pudesse resultar de uma AAE? O facto de se demonstrar claramente que a BA6 não é a melhor solução de entre várias possíveis? Efetivamente, não existe qualquer estudo em Portugal que, aferindo de várias alternativas, indique essa como a menos prejudicial ou a mais vantajosa. O único estudo que existe, já com vários anos, aponta, inclusivamente, uma outra solução como melhor do que a agora decidida pelo Governo e, em abono da verdade, escolhida pela ANA/Vinci, grupo económico que detém, diga-se, «coincidentemente», a concessão da exploração da Ponte Vasco da Gama.
O que o PEV reafirma é que a intransigência do Governo não se compatibiliza com uma lógica de desenvolvimento sustentável. Relembramos que o Governo chegou mesmo a afirmar que ou o aeroporto era no Montijo, ou não haveria aeroporto. Isto mesmo antes do processo de AIA concluído!
Os Verdes destacam alguns dos impactos monumentais que uma eventual construção de um terminal aeroportuário na BA6 no Montijo acarretaria, como sejam a sujeição das populações, sobretudo dos concelhos da Moita e do Barreiro, a níveis de ruído capazes de afetar significativamente a sua saúde e bem-estar; a destruição de habitats e de ecossistemas valiosos no estuário do Tejo; a afetação de zonas classificadas, seja ao nível da Reserva Natural, da Zona de Proteção Especial ou da Rede Natura 2000; a perda de avifauna e de outras espécies selvagens com um grande impacto ao nível da biodiversidade; a perda de património arqueológico, entre outras questões.
Para além disso, colocam-se questões de vulnerabilidade e risco muito relevantes, como sejam o impacto sobre objetivos traçados para a neutralidade carbónica; o défice de opções de mobilidade, que se traduzirá inevitavelmente em impactos significativos sobre o tráfego, sem que esse aspeto tenha sido estudado com rigor; o perigo de inundação de estruturas relevantes num aeroporto que pode vir a ser afetado por um dos efeitos mais conhecidos do fenómeno das alterações climáticas, que é a subida do nível dos mares, e que nos requer responsabilidades ao nível do processo de adaptação, bem como a não a insistência em erros que acrescentam risco à vulnerabilidade existente; a inexistência de rigor e ponderação adequada em aspetos de segurança tão relevantes como o bird strike (ou colisão com aves), entre outros aspetos que poderiam aqui ser realçados.
Assim, o Partido Ecologista os Verdes, de modo responsável, apresenta o seguinte Projeto de Resolução:Nos termos das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, a Assembleia da República delibera recomendar ao Governo que abandone o processo relativo à construção de um novo aeroporto na BA6 do Montijo e a realização de uma Avaliação Ambiental Estratégica que afira de diversas hipóteses de localização de respostas aeroportuárias, ao abrigo do Decreto-Lei nº 232/2007, de 15 de junho, alterado pelo Decreto-Lei nº 58/2011, de 4 de Maio.
Acompanhe aqui a evolução deste Projeto de Resolução.