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16/11/2020
PROJETO DE RESOLUÇÃO Nº 752/XIV/2ª - INCENTIVOS PARA ERRADICAÇÃO DE RESÍDUOS DE PLÁSTICO NO MAR

A saúde dos oceanos e da vida marinha tem conhecido ameaças sem precedentes. Desde as alterações climáticas à sobrepesca, muitos são os fatores que afetam o papel dos mares na proteção do planeta.

 

Os oceanos cobrem 70% da superfície terrestre e representam a maior biosfera do Planeta albergando até 80% de toda a vida no mundo. Geram cerca 50% do oxigénio de que necessitamos, absorvem 25% de todas as emissões de dióxido de carbono e captam 90% do calor adicional gerado por essas emissões sendo, como tal, o maior escoador de carbono do planeta. 

 

As atividades humanas têm exercido diversas pressões sobre os ecossistemas marinhos, de que resultaram a acidificação, a poluição, a perda de habitats e de biodiversidade.

 

Uma das maiores ameaças ao equilíbrio dos oceanos, da biodiversidade e da saúde humana é o lixo marinho que, não conhecendo fronteiras marítimas, constitui um desafio emergente e transversal a vários setores à escala global.

 

Atividades humanas como o turismo, as atividades recreativas, a excessiva produção e o consumo de artigos e embalagens descartáveis, a produção de resíduos urbanos e as descargas de águas residuais domésticas e industriais não devidamente tratadas, as atividades industriais, o transporte e a pesca marítima de grande escala, a eliminação indevida de material relacionado com atividade piscatória, como redes e aparelhos de pesca, armadilhas e sacos de alimentação em atividades de aquacultura são alguns dos fatores na origem do lixo marinho.

 

Cerca de 80% do lixo marinho é constituído por resíduos de plástico. Quase metade, 49%, dos resíduos encontrados no mar são plásticos descartáveis e 27% do lixo marinho corresponde a resíduo de plásticos com origem em equipamentos de pesca. Os resíduos de plástico estão a poluir cada vez mais os mares e, se se mantiver esta tendência, em 2025 os oceanos conterão uma tonelada de plástico a cada 3 toneladas de peixe. Um cenário mais grave é sustentado pela estimativa de que até 2050 os oceanos possam conter, por peso, mais plástico do que peixe.

 

A poluição provocada pelos plásticos causa impacto prejudicial na biota marinha, representa perigos de navegação para navios e acarreta impactos económicos negativos para a atividade piscatória que tem nos oceanos a sua fonte de rendimento e emprego.

 

Apesar de terem pouco mais de um século de existência, o impacto da degradação mecânica, química e biológica dos plásticos é motivo de forte preocupação, tanto mais que se estima que cerca de 10% dos plásticos produzidos terminam nos oceanos e mares, 39% dos plásticos existentes no oceano encontram-se em alto-mar, 33,7% na linha de costa e no fundo mar, 26,8% em águas costeiras e 0,5% a flutuar em alto-mar.

 

A fragmentação do plástico é considerada um processo infinito e que pode continuar até ao nível molecular, podendo levar à formação contínua de microplásticos e até nano partículas de plástico.

 

Cerca de 90% do total da produção mundial de plásticos é representada por polímeros entre os quais polietileno (PE), polipropileno (PP), policloreto de vinilo (PVC), poliuretano (PUR), poliestireno (PS) e poliamida (PA) que contém uma série de aditivos para melhorar as especificações em termos de durabilidade e resistência.

 

Entre os efeitos nefastos destes aditivos, entre os quais químicos, está o risco da desregulação endócrina suscetível de afetar animais e seres humanos. Os resíduos plásticos são agora encontrados em muitas espécies marinhas - desde os pequenos organismos marinhos a diversas espécies de peixes, crustáceos, aves, grandes mamíferos e, por conseguinte, invadem a cadeia alimentar.

 

A contaminação da cadeia alimentar, por via da ingestão de plástico pelas espécies marinhas, produz uma vasta magnitude de efeitos, sendo que as fases de vida em que são afetadas variam de espécie para espécie. A ingestão de microplásticos pode levar a uma redução do consumo de taxas de alimentação, menos quantidade de energia fundamental ao crescimento e menor índice de reprodução das espécies.

 

São evidentes os riscos de perturbação para os ecossistemas marinhos, na medida em que os microplásticos são um veículo para espécies invasoras que viajam grandes distâncias fixadas a tais partículas. Ao mesmo tempo, os microplásticos podem também hospedar agentes patogénicos como a estirpe de bactérias Vibrio, com impactos sobre a saúde e biodiversidade marinha.

 

Em Portugal, os microplásticos predominam nas areias das praias, representando 72% do lixo encontrado em zonas industriais e de estuários (WWF).

 

Os plásticos compõem equipamentos de artes de pesca, como redes, que também transportam espécies exóticas, suscetíveis de se tornarem invasoras em determinados habitats, comprometendo os ecossistemas.

 

As artes de pesca (redes, linhas, armadilhas, nassas) perdidas ou abandonadas no mar, que representam quase um terço do lixo marinho nos mares europeus e traduzem-se em mais de 11000 toneladas por ano, permanecem no ecossistema marinho durante centenas de anos. Estima-se que as linhas de pesca de monofilamento demorem 600 anos a degradar-se.

 

Estima-se, também, que 20% das artes de pesca se perdem no mar, o material não biodegradável continua por muitos anos a provocar a captura acidental de animais como peixes e crustáceos e causam a morte de golfinhos, focas e tartarugas.

 

Sendo a atividade das pescas, um dos setores mais afetados pelo lixo marinho, há um envolvimento crescente do setor na comunicação da perda de artes de pescas e na sua recuperação. No entanto, apenas 1,5% das artes de pesca são efetivamente recicladas.

 

A recolha de lixo marinho é feita sobretudo através da captura e separação de material plástico que fica retido nas redes de pesca das embarcações, o que acarreta custos operacionais acrescidos. Tem vindo a ser testadas soluções tecnológicas em projetos piloto com a cooperação dos pescadores, com vista à recolha de plástico à superfície e no fundo do mar sem que seja posta em risco a preservação dos ecossistemas marinhos. Por este motivo, é fundamental um maior envolvimento da comunidade piscatória e do setor de atividade para a recuperação, reutilização e reciclagem do plástico recolhido do mar, em alinhamento com o princípio do não desperdício de recursos.

 

Em Portugal, teria lugar em junho, do presente ano, a Conferência dos Oceanos 2020 das Nações Unidas (NU), com vista à abordagem das ameaças para a saúde, a ecologia, a economia e a governação dos oceanos. A Conferência que foi adiada, devido à pandemia Covid-19, pretendia apoiar a implementação do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 14 de proteção da vida marinha.

 

Relativamente aos dados de reciclagem de plástico ao nível europeu e no contexto nacional, outro ODS - 11 - das Nações Unidas aponta para que em 2030 seja possível reduzir substancialmente a geração de resíduos por meio da prevenção, redução, reciclagem e reutilização.

 

Um reforço expressivo sobre a recolha, o volume de reciclagem e reutilização de materiais e produtos integrados irá permitir uma maior sustentabilidade à cadeia de valor do plástico, para que os plásticos que descartamos tenham cada vez menos como destino os aterros sanitários e a incineração, aumentando o volume de plástico que é reciclado.

 

A meta fixada na Estratégia Europeia para os Plásticos prevê que em 2030 todas as embalagens de plástico colocadas no mercado da UE sejam reutilizáveis ou possam ser recicladas de forma economicamente eficiente.

 

Um maior recurso ao plástico reciclado permitirá travar a delapidação de recursos, diminuir a dependência de nova matéria-prima, nomeadamente de combustíveis fósseis na produção de plástico e as emissões de CO2. De acordo com as estimativas, a poupança de energia passível de ser alcançada por via da reciclagem de todos os resíduos de plástico, ao nível mundial, equivale a 3500 milhões de barris de petróleo por ano.

 

Atualmente, a baixa taxa de reutilização e reciclagem dos plásticos em fim de vida, quando comparada com a de outros materiais como o papel, o vidro e os metais, demonstra que o potencial para a reciclagem de resíduos de plástico continua, em larga medida, por explorar, sendo a procura por plástico pouco significativa.

 

As taxas de deposição em aterro e de incineração de resíduos de plástico continuam a ser elevadas. Os impactos ambientais da produção de plásticos e a incineração de resíduos de plástico são alarmantes. A nível mundial, produzem cerca de 400 milhões de toneladas de CO2 por ano.

 

Em Portugal, face aos dados relativos a 2018, e de acordo com notícias publicadas, existem dados contraditórios no que se refere à informação disponibilizada pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e aos dados revelados pelo Ministro do Ambiente e da Ação Climática, quanto às percentagens de reciclagem de plásticos, assentes em diferentes bases de análise.

 

Quando interpretados os dados da reciclagem das embalagens de plástico como um todo, e integradas nos resíduos urbanos, é contabilizada uma taxa de 15% de reciclagem. Já o Ministério do Ambiente defende uma taxa de 44% de reciclagem, números sustentados na quantidade de embalagens declaradas por entidades gestoras, contabilizando 163039 toneladas que pagam ecotaxas, das quais 44% são recicladas. A APA garante que existem muito mais embalagens de plástico nos resíduos urbanos (478 mil toneladas) do que as que foram publicamente referidas pelo ministro (168 mil toneladas).

 

Contudo, o lixo marinho, composto em grande medida por resíduos plásticos, afeta de modo significativo o setor da pesca que, por forma a manter os oceanos limpos e a promover habitats mais saudáveis, também necessita de ver apoiadas medidas de transição para técnicas de pesca mais seletivas e menos prejudiciais para o ambiente, nomeadamente com o recurso à utilização de materiais biodegradáveis.

 

Dotar os portos de pesca de infraestruturas adequadas à correta recolha, triagem, receção e transporte de resíduos plásticos recolhidos no mar, destinados à reciclagem, é fundamental para o sucesso de campanhas e projetos de recuperação de uma parte dos plásticos presentes nos oceanos levadas a cabo por navios e embarcações.

 

Através de instalações portuárias de receção adequadas, os resíduos são recolhidos separadamente para permitir a preparação para reutilização ou reciclagem na cadeia de gestão de resíduos a jusante, impedindo danos sobre a fauna e o meio marinho. Importa, contudo, adaptar o financiamento europeu à prossecução do objetivo de reforço dos meios portuários de receção.

 

A entrega, nos portos, de artes de pesca abandonadas ou perdidas, bem como outros resíduos pescados passivamente, requer articulação com cadeias de transformação e reciclagem. Porém, a separação de resíduos a bordo não deve ser prejudicada pela falta de disposições de recolha separada em terra, nem pela falta de infraestruturas de armazenamento a bordo.

Em Portugal esta abordagem é ainda residual e carece de uma aplicação mais ampla e integrada, não devendo ficar limitada a pequenos projetos de baixo impacto.

Reconhecendo o essencial papel colaborativo da comunidade piscatória para a diminuição do lixo marinho contendo plástico, alguns países têm vindo a adotar sistemas de incentivos diretos que permitem um rendimento extra aos pescadores que recolham resíduos de plástico e metal presos nas suas redes e os entreguem em terra para terem como destino a reciclagem, evitando a rejeição dos resíduos no mar.

A implementação de mecanismos de recompensa para os pescadores e a mobilização de apoios públicos para proporcionar aos pescadores um rendimento complementar permite gerar valor económico na comunidade pesqueira, atendendo ao facto de os apoios serem canalizados para diminuir a poluição marinha, preservando diretamente a fauna e contribuindo para o restabelecimento da mesma.

Outros incentivos indiretos destinam-se a criar condições a bordo para recolha deste material, através de infraestruturas de armazenagem, enquanto são subsidiados estudos que permitam caracterizar a origem e as especificidades deste lixo marinho, o que em última análise acarreta benefícios para o ambiente, mas também para o setor das pescas.

 

O Partido Ecologista Os Verdes, através do presente Projeto de Resolução, pretende exortar o Governo a tomar um conjunto de iniciativas que visam uma abordagem direta e ampliada ao nível nacional para garantir um maior impacto sobre a redução do lixo marinho, em cooperação com o setor das pescas (local e costeira).

 

Neste conjunto de propostas são estabelecidos benefícios ambientais, sociais e económicos, em particular para o setor das pescas. O envolvimento e a sensibilização deste setor de atividade são determinantes, tanto mais que um mar mais limpo e livre de agentes tóxicos trará melhores condições para a atividade, diminuindo riscos e acidentes, potenciando a modernização e a pesca sustentável.

 

Por outro lado, esta cooperação deverá traduzir-se num conjunto de apoios e compensações que permitam, por um lado, um rendimento complementar à pesca face à intermitência do exercício desta atividade e à perda de rendimentos associados a constrangimentos impostos pelo setor, e, por outro lado, dotar as embarcações de um conjunto de infraestruturas de recolha, separação e armazenagem, assim como de tecnologias inovadoras e sustentáveis de captura de lixo marinho.

 

Tal proposta deverá otimizar a capacidade de Portugal se posicionar positivamente face às metas previstas para redução de emissões, diminuição da dependência de combustíveis fósseis, aumento dos níveis de reciclagem de plásticos, diminuição da deposição em aterro e de incineração de resíduos de plástico assumindo a linha da frente no combate ao lixo marinho contendo plástico, enquanto ator chave no setor das pescas e dinamizador da gestão sustentável dos resíduos.

 

É com estes propósitos que o Grupo Parlamentar Os Verdes apresenta o seguinte Projeto de Resolução:

 

Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, a Assembleia da República resolve recomendar ao Governo:

 

1. A criação de incentivos diretos aos pescadores para a recolha, armazenamento e deposição em terra de resíduos de plástico ou metal capturados no mar e que permitam cobrir custos operacionais;

 

2. A criação de uma contribuição indireta, por via de apoios, para a criação de infraestruturas a bordo para a recolha, separação e armazenagem de plástico ou metal capturados no mar;

 

3. A criação de incentivos para a aquisição de tecnologias inovadoras e sustentáveis de captura de lixo marinho adaptadas às embarcações;

 

4. O reforço de infraestruturas, existentes nos portos, destinadas à receção, triagem e separação de resíduos para reciclagem, nomeadamente plásticos e metais, em estreita articulação com entidades gestoras de resíduos e indústrias transformadoras que privilegiam materiais recicláveis e /ou biodegradáveis;

 

5. A criação de apoios à investigação sobre a origem do plástico e das suas particularidades e impactos sobre o ecossistema marinho na costa portuguesa;

 

6. O reforço da articulação entre portos, entidades gestoras de resíduos, universidades e empresas, por forma a otimizar processos de reutilização e reciclagem de redes e artes de pesca;

 

7. O fomento da produção de artes de pesca biodegradáveis;

 

8. A promoção de ações de sensibilização junto dos pescadores/armadores para a adoção de práticas com vista à prossecução das medidas de diminuição da poluição marinha através da recolha seletiva no mar de plásticos e outros materiais passíveis de reciclagem, assim como de artes de pesca abandonadas e a sua entrega nos portos de pesca;

 

9. O desenvolvimento de programas de sensibilização, formação e educação ambiental relacionados com a necessidade de preservação dos oceanos.

Acompanhe aqui esta iniciativa. 
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