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10/12/2020 |
PROJETO DE RESOLUÇÃO Nº 797/XIV/2ª - Pela revisão da carreira de vigilante da natureza e o reforço de meios humanos para a conservação da natureza e biodiversidade |
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Vários relatórios internacionais e nacionais (1) apontam para uma continuada e alarmante perda de biodiversidade à qual Portugal não é exceção. Isto ocorre devido a uma multitude de fatores, uma vasta maioria de origem antropogénica.
A perda de habitat, a sobreexploração de recursos e as alterações climáticas estão entre as principais ameaças globais à conservação da biodiversidade. A situação é preocupante e convoca ações a diversos níveis: na defesa das espécies em perigo, na gestão e ordenamento do território, na preservação dos patrimónios genéticos e dos recursos autóctones, na valorização dos recursos essenciais ao desenvolvimento.
Travar os processos atuais de perda de biodiversidade e de degradação dos serviços ecossistémicos implica tomar medidas urgentes de recuperação e de proteção dos valores ambientais, mas também medidas que visem dar condições efetivas àqueles que são considerados os guardiães dos recursos naturais e culturais.
Os Vigilantes da Natureza são um pilar fundamental para a Conservação da Natureza, mas também para o desenvolvimento sustentável das regiões onde se inserem.
Ao longo dos anos, o papel do Vigilante da Natureza, progrediu de tal modo que começou a ser identificado como o rosto do Ministério do Ambiente no terreno. O Corpo Nacional de Vigilantes da Natureza foi criado em 1975, como um Corpo Especializado na Preservação do Ambiente e Conservação da Natureza, mas só em 1987 se concretizaria esse projeto.
Assim, os Vigilantes da Natureza assumem as funções de vigilância, fiscalização e monitorização relativas ao ambiente e recursos naturais, no âmbito do domínio hídrico, património natural e conservação da natureza.
Para além do referido, estes profissionais asseguram também a proteção das Áreas protegidas, das Matas Nacionais, Florestas Autóctones e da Rede Natura 2000.
O desenvolvimento da Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e Biodiversidade 2030 e da Estratégia da União Europeia nesta área, cujos eixos centrais serão a constituição de uma rede de áreas protegidas a nível terrestre e marítimo, a definição de compromissos concretos para restaurar sistemas degradados e reabilitar a diversidade biológica constituem uma oportunidade para um investimento sério no reforço da equipa do Corpo Nacional de Vigilantes da Natureza.
Os meios humanos destinados à Conservação da Natureza e da Biodiversidade continuam a estar muito aquém do necessário para assegurar os mínimos exigíveis, designadamente no espaço da rede nacional de áreas classificadas, que, obtendo estatuto de proteção nos diplomas legais que as criaram, acabam por, na prática, encontrar um verdadeiro modelo de desproteção.
É preciso dar passos visíveis para recuperar profissionais que contribuem para a garantia da proteção dos nossos ecossistemas e de um património natural que urge preservar.
A questão dos meios humanos e do reforço das equipas de vigilantes da natureza, para prosseguir estes objetivos é, portanto, determinante para o sucesso das políticas ambientais. Não é possível continuar a descurar os recursos humanos necessários para desenvolver as medidas que se impõem. Na realidade, o Corpo de Guardas e Vigilantes da Natureza deveria ter pelo menos 600 elementos, no entanto este nunca chegou a alcançar os 300.
Em 2020, existem cerca de 200 elementos. Para tal muito contribuiu a determinação e as propostas concretas de alteração aos Orçamentos do Estado apresentadas pelo PEV, na legislatura anterior, que tornaram possível existirem normas para abertura de concurso e contratação de guardas e vigilantes da natureza (num total de 100), contrariando assim a tendência atual para o seu decréscimo.
Para além do reforço dos meios humanos, existem também outras reivindicações mais antigas por parte destes profissionais relativamente à carreira que urge considerar.
A entrada em vigor da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro que estabeleceu os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas originou a fusão das carreiras da Administração Pública em torno de três carreiras gerais, alterou o regime de vinculação dos trabalhadores e determinou os prazos para a integração das carreiras específicas no novo regime. No entanto, os vigilantes da natureza foram remetidos para o regime do contrato em funções públicas e ficaram a aguardar a criação de uma carreira específica.
Assim, entre as carreiras não integradas no regime geral encontra-se a de Vigilante da Natureza, estabelecida pelo Decreto-Lei n.º 470/99, de 6 de novembro, que atualmente apresenta uma distribuição de trabalhadores por diversos serviços do Ministério do Ambiente e da Ação Climática, como sejam o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional e a Agência Portuguesa do Ambiente. Nas Regiões Autónomas os Vigilantes da Natureza encontram-se sob alçada das Secretarias Regionais do Ambiente e os seus modelos de carreira seguem as normas existentes em Portugal continental.
Entretanto, os prazos para a integração das carreiras especificas já foram ultrapassados e os vigilantes da natureza, bem como a Associação Portuguesa de Guardas e Vigilantes da Natureza continuam a reivindicar a revisão da carreira especial de Vigilante da Natureza e a atualização do conteúdo funcional da mesma.
Em termos gerais, existem um conjunto de medidas para que a revisão da carreira especial de Vigilante da Natureza seja efetivada, que se traduzem: na urgência de regularizar a situação precária em que se encontram, com perda de eficiência e de autoridade; na definição de um modelo organizativo hierarquizado, nacional, responsável, valorizado, habilitado e apetrechado para o cumprimento da legislação, para a fiscalização, vigilância, monitorização e salvaguarda dos recursos naturais; na reformulação e revalorização da carreira de Vigilante da Natureza, com a publicação dos diplomas específicos em falta e com a definição de regras de implementação únicas e inequívocas para todos os serviços do Ministério do Ambiente e da Ação Climática e também na alteração dos índices remuneratórios, que são extremamente baixos e na respetiva progressão na carreira.
Para além da aguardada revisão da carreira especial de Vigilante da Natureza, a Associação alerta também para o incumprimento do Decreto-Lei nº 470/99, de 6 de novembro, que permanece por regulamentar e implementar, permitindo dar resposta a necessidades diárias e condições de trabalho, como sejam o uniforme, meios de comunicação, meios de transporte, formação profissional e treinamento, uso e porte de arma, entre outras.
A criação de condições organizativas e de trabalho dignas e funcionais, bem como o efetivo enquadramento das funções destes profissionais, permitiria de acordo com a Associação Portuguesa de Guardas e Vigilantes da Natureza uma proteção mais eficaz do ambiente em Portugal.
Se acrescentarmos ao panorama atual o recorrente subfinanciamento das estruturas do Estado com responsabilidade sobre a conservação da Natureza, bem como a redução progressiva de meios humanos nesta área, pode concluir-se que a conservação da Natureza e da biodiversidade constitui, efetivamente, um parente pobre das políticas públicas. Daí resultaram, inevitavelmente, elementos bastante negativos no estado da conservação da natureza e na perda de biodiversidade.
A fiscalização e a vigilância dos nossos espaços naturais constituem medidas preventivas que devem ser intensificadas e desenvolvidas por profissionais formados, empenhados e devidamente valorizados. Com o propósito de contribuir para a revisão da carreira de vigilante da natureza e continuar o reforço da contratação de vigilantes suficientes, o Grupo Parlamentar Os Verdes apresenta o seguinte Projeto de Resolução:
Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, a Assembleia da República delibera recomentar ao Governo que:
- Promova a revisão e regulamentação da carreira especial de Vigilante da Natureza, em articulação com as organizações representativas dos trabalhadores.
- Proceda ao levantamento das necessidades efetivas de reforço das equipas de Vigilantes da Natureza e proceda à abertura de novos concursos públicos para a contratação dos efetivos de que o país realmente necessita para garantir as suas funções em matéria de conservação da natureza e biodiversidade.
Assembleia da República, Palácio de S. Bento, 10 de dezembro de 2020
Os Deputados
Mariana Silva
José Luís Ferreira
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(1)- The World Wildlife Fund (WWF) Living Planet Report 2020
EU Biodiversity strategy for 2030
Relatório do Censo dasAves Comuns 2004-2018 - SPEA