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20/03/2021 |
PROJETO DE RESOLUÇÃO Nº 1125/XIV/2ª - MEDIDAS PARA A PRESERVAÇÃO DOS HABITATS E SALVAGUARDA DAS ESPÉCIES ENDÉMICAS AMEAÇADAS |
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Não obstante, Portugal ser um país pouco extenso, possui uma grande variabilidade de habitats, conferindo-lhe uma grande riqueza de espécies e uma diversidade de paisagens. No continente, são conhecidas mais de 3300 espécies de plantas vasculares, por exemplo um número superior às existentes no Reino Unido, contudo cerca de meio milhar são espécies exóticas introduzidas.
As plantas vasculares, também designadas por traqueófitas ou plantas superiores, são plantas terrestres que apresentam tecidos especializados destinados aos transportes de solutos que alimentam as células, ou seja, inserem-se neste grupo a maioria das plantas.
A composição e a distribuição das formações vegetais são modeladas, essencialmente, por fatores naturais, em função da variabilidade geológica, edáfica, climática, hidrológica, geomorfológica e biológica e pela intervenção humana.
Muita da flora endógena, das quais inúmeras plantas raras, encontram-se ameaçadas devido à destruição e modificação da dinâmica dos seus habitats naturais que conduzem a alterações significativas na composição florística das comunidades vegetais alterando a composição química e o regime hidrológico dos solos.
Em Portugal as principais ameaças para a flora e os habitats prendem-se com a pressão populacional, sobretudo no Litoral (expansão urbana e industrial, crescimento turístico, construção de diversas infraestruturas), atividades florestais e agrícolas intensivas, como é o caso das monoculturas de eucalipto, de amendoal e do olival intensivo (em particular no Alentejo), as más práticas de gestão da vegetação (uso de herbicidas e desmatações recorrentes), incêndios de grandes proporções, poluição dos solos e das águas e exploração de recursos hídricos (construção de barragens) e geológicos.
Para além da interferência da ação antrópica direta, as ameaças “naturais” contribuem para o desequilíbrio dos ecossistemas e degradação dos respetivos habitats, como é o caso das alterações climáticas e a proliferação de espécies exógenas invasoras, com graves consequências para as plantas nativas e animais que dependem destes habitats.
As alterações climáticas que têm tornado os fenómenos cada vez mais extremos e frequentes, são uma clara ameaça para a biodiversidade em particular para as plantas, devido ao aumento da temperatura, à redução da precipitação e às secas severas e prolongadas que têm efeitos extremamente prejudiciais para os habitats, em particular das zonas de montanha.
No caso das plantas exóticas invasoras a inexistência dos seus competidores e predadores do seu meio natural de onde são nativas leva a que estas invasoras acabem por destruir as populações endógenas provocando claros desequilíbrios no ecossistema.
De entre as exóticas invasoras mais nocivas para as plantas autóctones estão as acácias, o chorão, a erva-das-pampas, as háqueas, a conteira ou o jacinto de água. O Decreto-lei n.º 92/2019, de 10 de julho lista 197 espécies de plantas invasoras em Portugal, não sendo permitido o seu cultivo ou utilização como planta ornamental ou ainda os transportes de sementes ou propágulos.
A introdução de espécies não indígenas na natureza pode originar situações de predação ou competição com espécies nativas, a transmissão de agentes patogénicos ou de parasitas e afetar seriamente a diversidade biológica, as atividades económicas e até a saúde pública.
As invasoras afetam, sobretudo, áreas sujeitas a grandes perturbações provocada direta ou indiretamente pela ação do Homem, como sejam vastas extensões contínuas com monoculturas de crescimento rápido, como o eucalipto, áreasdevastadas por incêndios ou espaços onde foram deixadas clareiras,como por exemplo,as intervenções de limpeza e corte de vegetação.
Por outro lado, o declínio das atividades agro-pecuárias tradicionais mais sustentáveis, praticamente sem recursoa produtos fitofarmacêuticos, que permitia a manutenção dos habitats, através do pastoreio intensivo, revolvimento anual do solo, gestão de pomares e olival tradicional conduziu a alterações muitas significativas nos ecossistemas levando a que muitas destas espécies, dependentes destas atividades, passassem a estar em risco de extinção em Portugal.
Entre 2016 e 2018, no âmbito de um projeto financiado pelo POSEUR coordenado pela Sociedade Portuguesa de Botânica e Associação Portuguesa de Ciência da Vegetação (PHYTOS), em parceria com o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas e que contou com a colaboração de várias entidades institucionais e de particulares, foi elaborada uma Lista Vermelha da Flora Vascular em Portugal Continental, ou seja uma lista de avaliação do risco de extinção de 630 espécies nativas do continente, cerca de um quinto das espécies existentes.
Os resultados obtidos nesta lista são preocupantes uma vez que 381 dessas plantas encontram-se ameaças: criticamente em perigo (84), em perigo (128) e vulnerável (169). A situação é muito alarmante tendo em conta que as plantas pertencentes à categoria criticamente em perigo poderão desaparecer no prazo de poucos anos. A Lista Vermelha indica também que 19 espécies foram extintas duas das quais, que só existiam em Portugal desapareceram por completo da face da Terra.
Considerando que este estudo incidiu apenas sobre um quinto das espécies existentes em Portugal é provável que o número de espécies ameaçadas seja muito superior. Segundo os botânicosainda existem áreas mal estudadas, em Portugal, pelo que se não forem feitos esforços no sentido de identificar as espécies, muitas delas poderão mesmo desaparecer, antes da sua ocorrência ser sequer conhecida.
Um número considerável de espécies ameaçadasencontram-se legalmente protegidas, todavia não confere uma efetiva proteção das espécies pelo que consideramos ser necessário criar medidas e ações de conservação nos próprios habitats, como as que já existemno controlo das infestantes, nas ações de gestão, tal como, na possibilidade de se aplicarem restrições em determinadas áreas.
Para além da intervenção direta nos próprios habitats é igualmente necessário, segundo aponta a Lista Vermelha,atuar no sentido de garantir a salvaguarda de espécies, como seja, a conservação de material genético em bancos degermoplasma, a criação de coleções vivas em viveiros ou espaços botânicos e os repovoamentos de forma a fortalecer a população das espécies ameaçadas.
O Partido Ecologista Os Verdes tem um património de trabalho e de intervenções que resultam do conhecimento do terreno, do contacto com as populações e com ostécnicos e cientistase que têm ido ao encontro das necessidades de preservação dos habitats, da biodiversidade e da salvaguarda das espécies ameaçadas.
Esse conhecimento e inserção no terreno tornou claro que é essencial não só o reforço de meios humanos e materiais, essenciais à conservação da natureza, como também o desenvolvimento de ações mais diversificadas. Entre estas ações, propôs-se, travar e reduzir as monoculturas florestais e agrícolas, controlaras espécies exóticas invasoras, alertar para os impactes da construção de grandes infraestruturas como barragens, exploração de recursos geológicos em áreas de grande valor ecológico,limitar a expansão urbana e turística no litoral, em particular nas áreas dunares, a recuperação das áreas ardidas, entre muitas outras.
Todavia, as opções de sucessivos Governos não passaram pela efetiva defesa, preservação e valorização da biodiversidade, mas acima de tudo por ceder aos interesses de determinados setores e a grandes grupos económicos, por exemplo, ligados às celuloses, aos turismo, à energia, ao imobiliário, para além do próprio desinvestimento nos organismos públicos ligados à conservação da natureza que contribuem para o atual cenário em que muitas espécies de flora se encontram ameaçadas pelo que é necessário inverter tal tendência.
Se no que concerne às causas naturais se torna mais difícil e complexa a intervenção de forma a atenuar e reduzir a ameaça a determinadas espécies, como seja o caso das alterações climáticas com amplitudes imprevisíveis e áreas afetadas incalculáveis, a verdade é que aquelas em que as causas estão diretamente relacionadas a intervenção antropogénica dependem, essencialmente, da vontade e opções políticas nomeadamente ligadas à ocupação do solo e à utilização dos recursos naturais.
Nesse sentido para além de Os Verdes considerarem necessário, conforme defendem especialistas e académicos, programas,planos e estudos para identificar e aprofundar o conhecimento de espécies, bem como a monitorização e o seu acompanhamento, em particular as que se encontram em risco de extinção, é também urgente que o Governo tome a conservação da natureza e da floraendémica como uma prioridade.
Para além dos próprios desequilíbrios do ecossistema é importante realçar que o desaparecimento de espécies endémicas no nosso país representaa sua extinção no Planeta, pelo que é prioritário salvaguardar este património biológico que herdamos.
Os Verdes apresentam o seguinte Projeto de Resolução:
Assim,nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, a Assembleia da República recomenda ao Governo que:
1- Desenvolva e apoie intervenções de conservação nos próprios habitats que passa indubitavelmente pelo controlo de espécies exóticas invasoras e de ações de gestão.
2- Promova e apoie estudos, desde logo com a academia, no sentido de identificar e aprofundar o conhecimento de espécies raras e ameaçadas, em particular em risco de extinção, de forma a apontar medidas adequadas para a sua salvaguarda e proteção.
3- Desenvolva e implemente um programa nacional de monitorização das plantas vasculares que se encontram ameaçadas de risco de extinção e proceda à elaboração de planos para a sua conservação.
4- Crie medidas agro-ambientais e apoios para a agricultura familiar e biológica, modos de produção mais amigos do ambiente, que permitam manter atividades agro-pecuárias e contribuam para a gestão dos habitats, tais como, a pastorícia extensiva e o revolvimento do solo.
5- Adote medidas de forma a salvaguardar o património genético das espécies endógenas que se encontram ameaçadas, muitas das quais identificadas em situação crítica e em risco de extinção, nos próximos anos.
6-Crie mecanismos de forma a que sejam realizadas ações céleres nas áreas percorridas por incêndios florestais no sentido de controlar a proliferação espontânea de espécies de crescimento rápido e de invasoras, bem como de recuperação dos próprios habitats através do repovoamento de espécies endémicas.
7- Realize uma avaliação rigorosa e prévia dos impactos que novas explorações geológicas podem representar para as plantas vasculares que se encontram ameaçadas ou em risco de extinção.
8 - Estabeleça medidas no sentido de se avaliar e proceder ao levantamento de espécies florísticas em áreas onde venham a ocorrer grandes operações urbanísticas, construção de grandes infraestruturas e nas áreas sobre as quais recaiam grandes projetos de (re)arborização e de plantações de culturas intensivas.
9- Garanta os meios necessários para expandir e reforçar dos viveiros do ICNF no sentido de aumentar a salvaguarda de um número maior de espécies endémicas.
Assembleia da República, Palácio de S. Bento, 20 de março de 2021
Os Deputados,
José Luís Ferreira
Mariana Silva
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