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20/03/2021 |
PROJETO DE RESOLUÇÃO Nº 1126/XIV/2ª - MEDIDAS PARA A PRESERVAÇÃO E CONSERVAÇÃO DOS POLINIZADORES E DOS SEUS HABITATS EM TERRITÓRIO NACIONAL |
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O reconhecimento do contributo inegável da polinização para o equilíbrio dos ecossistemas, e conservação da biodiversidade, exige a implementação de um conjunto de ações e medidas de amplitude nacional com vista à proteção, travagem do declínio, conservação das espécies selvagens e domésticas de polinizadores e promoção dos seus habitats.
Os polinizadores são de vital importância para os ecossistemas, para a agricultura e sistema alimentar, exercem influência sobre a quantidade e qualidade dos alimentos disponíveis, pelo que a sua diversidade tem impactos sociais e económicos.
Cerca de quatro quintos das flores silvestres e das culturas das regiões temperadas no continente europeu precisam de polinizadores, para a fertilização e a reprodução das plantas, possibilitando a formação de frutos e sementes. São fundamentais do ponto de vista do equilíbrio ecológico para a diversidade genética das plantas e para a adaptação dos sistemas de produção alimentar humana às alterações climáticas.
Os polinizadores correspondem a espécies de grupos muito distintos, a maioria insetos. Em Portugal existem milhares de espécies de insetos polinizadores, entre abelhas, abelhões, vespas, moscas-das-flores, borboletas, traças, coleópteros e formigas.
A abelha ocidental doméstica, usada na produção de mel, é a espécie mais conhecida pelo seu papel polinizador, no entanto estudos vêm revelar que estes ‘polinizadores domésticos’ complementam, mas não substituem os polinizadores selvagens. Em Portugal a Apismelliferaiberiensis, constitui uma raça autóctone e encontra-se cruzada com as três principais raças europeias, bem como com a abelha do Norte de África que, no Centro e Sul do nosso país, representa cerca de 20%.
A distribuição em território nacional de muitas destas espécies, e a descoberta de novas espécies está a ser objeto de estudo no contexto da primeira Lista Vermelha dos Invertebrados de Portugal, o que contribuirá para uma ampla compreensão da diversidade destas populações, do papel dos insetos nos ecossistemas terrestres e de águas doces. Dados indispensáveis no acompanhamento de medidas necessárias à conservação e à preservação dos seus habitats.
Nas últimas décadas, verificou-se um declínio da abundância e da variedade dos insetos polinizadores selvagens no continente europeu. Um relatório da avaliação mundial sobre os insetos realizada em 2019, confirmou uma tendência negativa na abundância de insetos em geral, com mais de 40% de espécies ameaçadas de extinção, sendo as espécies mais suscetíveis as borboletas, traças, abelhas e os coleópteros. Uma em cada dez espécies de abelhas e borboletas na Europa está em vias de extinção.
Em Portugal, desconhecendo-se o realce alcance deste declínio no universo global dos polinizadores, com base nos dados do projeto EPILOBEE 2013/2014 era estimada uma mortalidade anual entre 10% e 20% em abelhas.
De acordo com o boletim estatístico da Federação Nacional dos Apicultores de Portugal, no setor apícola esta tendência parece ser contrariada no caso das abelhas domésticas pelo aumento de 30% do número de apiários e de colónias, entre 2007 e 2017.
A abundância, diversidade e saúde dos polinizadores estão ameaçadas por inúmeras pressões que vão desde as alterações climáticas - com a subida das temperaturas e a dessincronização entre as épocas de floração e o ciclo de vida dos insetos, mudanças e destruição de habitats que limitam a sua distribuição geográfica - às práticas e políticas agrícolas, entre as quais as monoculturas, a agricultura intensiva e o recurso a pesticidas e fertilizantes.
A poluição e a utilização crítica de produtos fitofarmacêuticos (PFF), particularmente em épocas de floração, aumentam o risco de mortalidade, suscetibilidade a doenças, repercutem-se em alterações das funções fisiológicas (desenvolvimento das larvas, reprodução, longevidade) e do comportamento de abelhas e outras espécies responsáveis pela polinização (capacidade de navegação, alimentação e aprendizagem).
Mudanças causadas por espécies exóticas invasoras (ex. Vespa Vellutina) constituem igualmente ameaças para a diversidade e saúde dos polinizadores, provocando a alteração dos recursos alimentares, perda de locais de reprodução, fonte e vetor de doenças e o roubo do néctar.
À semelhança de outros países europeus, o setor apícola em Portugal é uma atividade
tradicionalmente ligada à agricultura e complementar do rendimento das explorações agrícolas. Técnicas apícolas de melhoramento da colmeia, entre os quais a importação de rainhas de outras subespécies, com vista a um melhor desempenho parecem estar na origem de perda de diversidade genética, e de modo contraproducente, contribuem para uma maior vulnerabilidade de espécies domésticas e selvagens.
Recentes estudos, levados a cabo por investigadores portugueses, vêm sugerir uma perda da diversidade genética nas abelhas europeias ao longo do último século. De acordo com o estudo, a domesticação e a criação tem levado a processos de seleção de indivíduos com características específicas. Ao selecionar as “melhores” abelhas é diminuída a variação genética.
Uma apicultura mais intensiva, práticas de gestão que aumentam a relação entre colónias, assim como a redução do número e densidade de colónias, tendo por base mudanças no habitat, são apontados como fatores prováveis de diminuição da diversidade genética.
Fatores como a termorregulação, comportamento de forragem e defesa da colónia parecem ser influenciados pela diversidade genética, pelo que a perda de diversidade genética da espécie tem impactos sobre a robustez e resistência a agentes patogénicos, daí resultando maior suscetibilidade a doenças.
Perante a preocupante ameaça à sobrevivência dos polinizadores e ao equilíbrio dos ecossistemas, do rendimento e da qualidade de grande parte das culturas, diversos organismos têm vindo a sensibilizar os decisores políticos para a necessidade de integrar a abordagem de conservação dos polinizadores no âmbito das políticas ambientais, agrícolas e sanitárias.
Em 2016 é adotada uma decisão pela Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica (CDB) com vista a fomentar ações que contribuíssem para a conservação dos polinizadores atendendo à identificação de graus elevados de ameaça, apresentada pela Plataforma Intergovernamental de Biodiversidade e Serviços de Ecossistemas (IPBES).
Em 2018, no contexto europeu é feita uma comunicação centrada nos polinizadores selvagens, e estabelecem-se objetivos de longo prazo (até 2030) e ações de curto prazo sob três prioridades: melhorar o conhecimento sobre o declínio dos polinizadores, suas causas e consequências, combater as causas do declínio e envolver a sociedade em geral e promover a colaboração.
Em 2019 a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) lançou um apelo urgente para uma ação de conservação em grande escala das espécies em resposta à crise crescente da biodiversidade, pediu ação aos governos mundiais para travar o declínio das espécies e impedir as extinções provocadas pelo homem até 2030, e ainda melhorar o estado de conservação das espécies ameaçadas, com vista a uma recuperação generalizada até 2050.
Mais recentemente, a Estratégia de Biodiversidade 2020 estabelece o quadro europeu para as ações prioritárias em matéria de biodiversidade contemplando os polinizadores selvagens. Contudo, muitas destas medidas são indiretas, incidindo na proteção ou criação de habitats considerados benéficos para os polinizadores, no fornecimento de recursos alimentares ou no controlo de espécies exóticas invasoras. Algumas medidas diretas visam estritamente a abelha-comum, enquanto polinizador de criação.
Em 2020, Portugal aderiu à aliança internacional “PromotePollinators”, dando um primeiro passo no sentido da cooperação, através do Ponto de Contacto Nacional do IPBES.
Considerando as recomendações internacionais nesta matéria, o compromisso português na investigação do status e distribuição destas espécies em território nacional, é, pois, imperativa a adoção de um plano de ação nacional, convergente com as diversas políticas sectoriais em curso, com contributos diretos para a proteção e conservação dos polinizadores.
Pelos motivos expostos, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, a Assembleia da República delibera recomendar ao Governo que:
Desenvolva um conjunto de medidas promotoras da preservação e conservação dos polinizadores, e dos seus habitats, em território nacional nas áreas estratégicas:
1. Estudar a distribuição dos polinizadores, necessidades de conservação dos habitats e identificação de potenciais ameaças à sua sobrevivência. Dando continuidade e promovendo a investigação científica sobre a distribuição dos polinizadores em Portugal e avaliação do estado de conservação das espécies. Identificando as ameaças e causas prováveis de declínio ou vulnerabilidade dos polinizadores em Portugal, em particular das abelhas selvagens.
2. Promover os habitats favoráveis à conservação dos polinizadores procedendo à identificação, em território nacional, de habitats com relevância para a conservação dos polinizadores, com particular incidência sobre áreas classificadas Rede Natura 2000, áreas abrangidas pela Diretiva Habitats. Incluindo medidas de conservação dos polinizadores no âmbito da gestão de Infraestruturas Verdes em áreas rurais e urbanas, assim como em áreas alvo de restauro ecológico.
3. Elaborar uma listagem de espécies e variedades vegetais, ricas em pólen e néctar, privilegiando espécies autóctones, na criação e promoção de habitats atrativos para os polinizadores.
4. Desenvolver orientações dirigidas às autarquias para a criação de condições favoráveis de habitats naturais e seminaturais para polinizadores em áreas urbanas e periurbanas (ilhas de biodiversidade, hotéis para insetos).
5. Investigar e promover práticas agrícolas e apícolas sustentáveis e promotoras da conservação dos polinizadores. Elaborando um Manual de Boas Práticas para a Promoção dos Polinizadores Selvagens dirigida a este setor e incentivando a investigação sobre práticas e métodos apícolas que melhor contribuam para a preservação e conservação destas espécies, para travar a perda de diversidade genética.
6. Fomentar ações de informação e formação dirigidos aos produtores agrícolas, sensibilizando para os benefícios económicos e ecológicos da polinização, de práticas agrícolas mais sustentáveis na defesa dos insetos polinizadores silvestres e domésticos. Favorecendo a produção apícola ecológica, orgânica ou biológica, e sensibilizando para a sua relevância na salvaguarda dos polinizadores silvestres.
7. Desenvolver campanhas dirigidas aos produtores apícolas para promoção do uso da abelha autóctone,Apismelliferaiberiensis, suas variedades e ecótipos locais, divulgando as vantagens em termos de resiliência e adaptação, na produção apícola e na conservação da sua diversidade genética.
8. Promover ações de investigação, prevenção, controlo e erradicação de espécies exóticas invasoras, e de combate às doenças que ameaçam a sobrevivência das espécies.
9. Reduzir a exposição e a diminuição da mortalidade dos polinizadores devido à utilização de produtos fitofarmacêuticos (PFF), promovendo juntos de agricultores e silvicultores a adoção de práticas que permitam reduzir e limitar consideravelmente o seu uso, sensibilizando para os riscos da aplicação de PFF em períodos de floração, particularmente, na proximidade de habitats sensíveis para a conservação ou na proximidade de colmeias.
10. Criar orientações dirigidas às autarquias no sentido de restringir a utilização de PFF em áreas urbanas que alberguem habitats naturais e seminaturais de polinizadores, esclarecendo sobre alternativas e envolver a participação dos cidadãos na conservação dos polinizadores através de campanhas e programas de informação e sensibilização.
Assembleia da República, Palácio de S. Bento, 20 de março de 2021
Os Deputados,
Mariana Silva
José Luís Ferreira
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