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15/10/2020
PROJETO DE RESOLUÇÃO Nº723/XIV/2ª - PELA RETOMA DA ATIVIDADE ASSISTENCIAL NOS CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

Após o surgimento dos primeiros casos do novo coronavírus SARS-COV-2, no início de março, e da eclosão da pandemia em Portugal, foram tomadas uma série de medidas para garantir o distanciamento físico levando ao confinamento da generalidade dos cidadãos nas suas habitações, de modo a evitar a disseminação do vírus pela comunidade.

Atendendo a que este é um vírus novo, como tal não existe para já nenhuma vacina nem medicamentos eficazes para a COVID-19, que afeta de forma mais severa doentes de risco, em particular os mais idosos, o Serviço Nacional de Saúde dirigiu todos os esforços para dar resposta  à doença, não só ao nível dos hospitais, como também nos cuidados de saúde primários. De um modo geral, enquanto os hospitais se concentraram nos casos severos, os centros de saúde tratavam da população que apresentava sintomas mais leves a moderados.

Os cidadãos reconheceram ao Serviço Nacional de Saúde, uma conquista do 25 de abril, e aos seus profissionais, um papel determinante na resposta à crise de saúde pública. E com a pandemia ficou bem patente o subfinanciamento crónico e o desinvestimento a que foi sujeito o SNS ao longo dos anos (encerramento de unidades de saúde de proximidade, redução de valências de unidades hospitalares, degradação de instalações, falta de profissionais de saúde e de meios).

O facto de o foco estar centrado no novo coronavírus, numa altura em que mal se conhecia o vírus, teve um custo demasiado elevado no funcionamento e na resposta às outras doenças que foram relegadas para segundo plano, em patologias que não podiam esperar pelo diagnóstico, tratamento ou acompanhamento.

No que concerne aos hospitais, foram adiados praticamente todos os atos clínicos programados, como consultas e cirurgias, exames, entre outros serviços, sem que fosse feita, numa primeira fase, a reprogramação das agendas, salvaguardando os casos prioritários ou urgentes.

Quanto aos cuidados de saúde primários, centraram igualmente a sua capacidade de resposta no vírus, reorganizando-se de forma a alargar a resposta e a capacidade de controlar o avanço da contaminação, criando em muitas unidades de saúde áreas dedicadas à COVID-19 e reforçando o atendimento a potenciais infetados.

Todavia, foi genericamente descurada a resposta às outras doenças e condicionado o acesso dos utentes aos serviços de saúde. Desde o início da pandemia foram encerradas praticamente todas as extensões de saúde do país, os horários dos centros de saúde foram reduzidos e os atendimentos complementares foram suspensos.

Aliás, em algumas unidades de saúde, a Covid-19 foi um pretexto para encerrar muitos serviços e reduzir horários, ou para desabituar os utentes dos serviços de proximidade, provocando um receio legítimo de intenção de encerramento de unidades e serviços no futuro.

As consultas programadas deixaram de se realizar presencialmente, mantendo-se apenas as consultas para situações agudas. No entanto, em várias unidades de saúde os utentes passaram a ter de aguardar à porta do centro de saúde, sem qualquer abrigo, e noutros as pessoas passaram a ser atendidas ao postigo ou mesmo à janela.

Perante este cenário, muitas das consultas programadas realizaram-se à distância através de e-mail, telefone ou por outro meio. Embora a telemedicina possa ter um papel facilitador e complementar em determinadas circunstâncias, em nada substitui as consultas presenciais.

Acresce à situação de os utentes passarem a comunicar maioritariamente através de e-mail ou telefone, o facto de terem que aguardar tempos infinitos para que a sua chamada telefónica fosse atendida ou o e-mail respondido, questão motivada pela falta de recursos humanos e de meio técnicos.

As dificuldades no acesso aos serviços nos cuidados de saúde primários têm empurrado muitos utentes para as urgências dos hospitais (muitas vezes por recomendação do SNS 24, ao constatar que os centros de saúde se encontram encerrados ou com horário reduzido), ou a recorrerem ao setor privado (com gastos bastante consideráveis), ou simplesmente, a ficarem sem qualquer tipo de resposta clínica. Desde modo, casos sem gravidade para uma urgência, acabam no hospital justamente por não haver resposta a montante, o que traduz o número elevado de pulseiras verdes e azuis. Os hospitais, face a este cenário, estão a ficar com as urgências num caos com os tempos de espera a aumentar, prevendo-se que a situação venha a piorar devido ao novo coronavírus e às doenças da época, como a gripe sazonal.

Dados de 2017, referentes apenas às Unidades de Saúde Familiar (USF), indicam que estas unidades contribuíram em média para evitar cerca de 650 mil idas às urgências por ano.

Se numa primeira fase havia desconhecimento por completo do vírus, hoje, face à investigação e literatura que tem sido produzida a nível mundial, embora ainda não tenhamos uma vacina segura e eficaz e tratamento da doença, e também face à experiência já acumulada nestes meses em que, no país e no mundo, se procura gerir a pandemia, temos mais conhecimento de como lidar com o novo coronavírus. Não obstante essa evidência, tarda a serem recuperados os serviços de diagnostico, tratamento e acompanhamento dos doentes nos hospitais, tal como não se compreende que passados sete meses ainda não tenha sido retomada e normalizada a atividade assistencial nos cuidados de saúde primários que foi profundamente afetada.

Seja pela falta de resposta direta, pelo facto dos utentes deixarem de procurar os serviços de saúde devido às condicionantes no acesso ou mesmo pelo receio de ficarem infetados com o vírus, desvalorizando por exemplo os sintomas de enfarte ou de AVC, constata-se que, desde março, o número de óbitos registado em Portugal tem sido muito superior à média dos últimos anos, muito para além das 2000 pessoas que faleceram vítimas de COVID-19.

Tendo em conta que o novo coronavírus não pode servir de pretexto para terminar com serviços de saúde, encerrar unidades e reduzir horários, o Partido Ecologista Os Verdes considera que é necessário retomar a atividade assistencial, em particular nos cuidados de saúde primários, de forma a assegurar o acesso à saúde aos utentes e a aliviar a pressão sobre as urgências dos hospitais, evitando que venha a ser condicionada severamente a capacidade de resposta às situações urgentes e de extrema gravidade.

Importa, igualmente, salientar que a incumbência dos cuidados de saúde primários vai muito para além da resposta às situações de doença, tendo um papel decisivo no que concerne à sua prevenção. Por essa via, a retoma do normal funcionamento das unidades de proximidade pode contribuir decisivamente para o combate à COVID-19 através do reforço da informação e formação da população, dada a maior relação de confiança utente / médico de família, e prevenir ou atuar ao nível da saúde mental que tem sido agradava com a pandemia.

Assim, o Grupo Parlamentar Os Verdes apresenta o seguinte Projeto de Resolução:

 

Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, a Assembleia da República exorta o Governo a:

  1. Repor os horários, reabrir as extensões de saúde, retomar o atendimento complementar nos centros de saúde, que foram reduzidos ou suspensos com a eclosão da pandemia;
  2. Retomar a atividade assistencial dos cuidados de saúde primários, em particular as consultas programadas, assegurando os cuidados necessários aos doentes;
  3. Proceder às intervenções necessárias nos centros de saúde, de forma a assegurar condições adequadas nas áreas de espera e de atendimento aos utentes, evitando que aguardem à porta ou que sejam atendidos ao postigo;
  4. Garantir a contratação de mais profissionais de saúde para os cuidados de saúde primários, nomeadamente médicos, enfermeiros e secretários clínicos, assistentes operacionais, e outros profissionais;
  5. Assegurar a contratação de recursos humanos e de meios para outras unidades do SNS, como os hospitais de forma a assegurar os tempos de resposta garantidos, seja ao nível das consultas como das cirurgias.
  6. Assegurar os meios técnicos necessários, nomeadamente informáticos e de telecomunicações, para que haja uma resposta célere aos utentes, em particular garantindo o atendimento das chamadas telefónicas;
  7. Reforçar o fornecimento de material clínico e medicamentoso, cuja falta compromete a eficiente prestação dos cuidados;
  8. Reforçar a informação e formação a prestar aos utentes nos cuidados de saúde primários de maneira a prevenir a infeção pelo vírus SARS-CoV-2;
  9. Criar um programa específico nos cuidados saúde primários, de forma a prevenir, detetar e atuar ao nível da saúde mental.
Acompanhe aqui esta iniciativa.
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