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Intervenções na AR (escritas)
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26/10/2020
Sobre a nacionalização dos CTT- DAR-I-014/2ª

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Apesar da seriedade com que o assunto tem de ser encarado, o processo dos CTT pode muito bem ser relatado como quem conta uma história. Uma história com um episódio estranho e penoso para os portugueses. Um episódio no qual o interesse público não entra, nem sequer como personagem secundária, mas que, ainda assim, pode começar pelo clássico «era uma vez».

Era uma vez uma empresa pública que prestava um serviço público de altíssima qualidade, facto, aliás, reconhecido até no plano internacional, que respeitava os seus trabalhadores e que todos os anos contribuía com importantes receitas para os cofres do Estado. E assim foi durante décadas, até que um Governo do PSD e do CDS decidiu, em 2014, entregar esta importante empresa aos privados, vendendo em bolsa os 31,5% que o Estado detinha, ainda por cima a preço de saldo.

Ora, esta decisão, como, aliás, já todos sabíamos, está a ter consequências muito negativas, tanto para o Estado como para as populações e ainda para os próprios trabalhadores dos CTT. De facto, com a decisão de privatizar os CTT, o PSD e o CDS privaram o Estado de importantes receitas, tão necessárias para dar resposta às políticas sociais. Ao fim destes anos, o Estado já perdeu centenas de milhões de euros em dividendos e o País deixou de ter um serviço de correios público, fiável e seguro.

A verdade é que, seis anos após a privatização, é hoje perfeitamente notória a crescente degradação dos serviços de correio.

Encerraram centenas de estações e postos de correios, foram vendidos os edifícios, foram despedidos trabalhadores, os vínculos precários aumentaram e aumentaram os percursos de cada giro de distribuição, assim como os tempos de espera para atendimento.

Há falta de dinheiro disponível nas estações para pagamento de pensões e de outras prestações sociais, registam-se atrasos inadmissíveis na entrega de vales postais e as situações em que o correio deixou de ser distribuído diariamente generalizaram-se.

Enquanto isso, os acionistas continuam a apoderar-se, sob a forma de dividendos, de todos os lucros gerados pela empresa e até se dão ao luxo de distribuir dividendos superiores aos lucros, descapitalizando completamente os CTT. Só entre 2013 e 2016, foram distribuídos mais de 270 milhões de euros em dividendos, cerca de um terço da receita total da privatização. Em 2017, os CTT apresentaram lucros de 27,3 milhões de euros, mas distribuíram dividendos de 57 milhões. Dá que pensar!

A tudo isto acresce ainda o facto de o Banco CTT ter sido implementado sobre a estrutura de estações de correios, funcionando nas instalações e com os trabalhadores dos correios, que são desviados dos balcões dos serviços postais para os balcões do serviço do Banco, o que aumenta as filas de espera no atendimento postal. Definitivamente, a Administração remete o serviço postal para segundo ou terceiro plano, o que agora interessa é apenas, e apenas, o Banco CTT.

Em resumo, a privatização trouxe menos qualidade, menos estações de correios, menos distribuição, menos receitas para o Estado, delapidação de património e os trabalhadores viram as suas condições de trabalho sofrer um substancial retrocesso.

A tudo isto é ainda necessário somar o aumento das tarifas, que, desde a privatização, já subiram mais de 50%. Ou seja, neste momento, e como resultado da privatização, os cidadãos pagam mais e a oferta do serviço é menor.

Ora, face a este cenário, é tempo de repensar não o contrato de concessão — aliás, descaradamente incumprido —, porque isso não resolveria rigorosamente nada, mas a própria propriedade dos CTT. Por tudo isto, Os Verdes propõem alterar o rumo desta história, trazendo, de novo, os CTT para a esfera pública.

É exatamente isso que se pretende com esta iniciativa legislativa: recolocar o interesse público como protagonista principal de uma longa história que dispensaria o triste episódio da privatização.

2ª Intervenção

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No final deste debate queria referir-me ao que foi dito pela Sr.ª Deputada Sofia Matos, mas também pelo Sr. Deputado Jorge Mendes.

O Sr. Deputado Jorge Mendes disse que «tivemos de honrar os compromissos», portanto, o PSD esteve contrariado.

A Sr.ª Deputada Sofia Matos disse que não são reféns de dogmas e que não foi o Governo PSD/CDS que privatizou os CTT, foi a troica. Disse que estiveram obrigados àquilo.

Tudo bem, admitamos até que foi assim. Mas o que leva o PSD a não corrigir agora esse erro que foi assumido pelos Srs. Deputados, que dizem que foi um erro, que estavam contrariados e foram obrigados a privatizar os CTT? O que é que os leva agora a impedir que se faça essa reversão?! Isso é que não percebemos! Continua a ser a troica?

O Sr. Deputado Jorge Mendes falou aqui da auditoria da IGF e ainda bem, porque essa auditoria veio mostrar três coisas.

Primeira, que o serviço público alimenta ou engorda os ganhos dos CTT.

Segunda, que a alteração legislativa que o Governo PSD/CDS promoveu em 2012 instalou a dúvida sobre a titularidade dos bens da concessão após terminar o contrato.

Por fim, que no processo de privatização o interesse público não foi de todo acautelado.

Mas destas conclusões, de facto, apenas uma é novidade, porque já todos sabíamos que o interesse público não foi tido nem achado neste processo, como sabíamos que o serviço público estava a engordar os ganhos dos CTT. O que não sabíamos era do jeito que, consciente ou inconscientemente, o Governo PSD/CDS acabou por atribuir aos privados. Incógnitas ou incertezas legais sobre a titularidade dos bens de concessão que integram a rede postal depois de terminar o contrato, Srs. Deputados?!

Garantir a esta empresa privada a possibilidade de se eternizar no monopólio, que só não é natural porque, neste caso, foi construído pelo PSD e pelo CDS, é absolutamente estranho num Estado de direito. Permitir que no final de um contato a reversão gratuita e automática dos bens da rede pública para o Estado não seja um dado adquirido é absolutamente inaceitável e de uma irresponsabilidade completamente condenável.

Aqui, Srs. Deputados do PSD, não adianta atirar com as culpas para a troica, porque o que diz a auditoria da IGF, como o Sr. Deputado referiu há pouco, é que o PSD e o CDS estiveram muito mal neste processo.

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