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15/01/2021 |
Sobre o acordo ortográfico - DAR-I-039/2ª |
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nos anos 80, um grupo de especialistas da língua portuguesa reuniu-se e criou uma série de regras ortográficas modificativas, alegadamente para «unificação e simplificação da escrita do Português».
Em 1990, foram assinados dois documentos: o Projeto de Ortografia Unificada da Língua Portuguesa e a Introdução ao Projeto de Ortografia Unificada da Língua Portuguesa, que viriam dar origem ao Acordo Ortográfico (AO) de 1990.
Este Acordo foi assinado por Portugal, Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, tendo Timor-Leste aderido em 2004.
Em Portugal, entrou em vigor oficialmente em 13 de maio 2009, com um período de seis anos para a sua total implementação. Nas escolas do ensino básico e secundário, passou a ser aplicado em 2011 e, em 2012, foi aplicado em todos os demais organismos e publicações do Estado.
Após vários anos de efetiva aplicação do Acordo Ortográfico de 1990, Os Verdes consideram que importa avaliar se os três objetivos propalados foram cumpridos.
Numa comparação de palavras modificadas no Português falado no Brasil e em Portugal, sabe-se que 2691 palavras se mantiveram diferentes, que 569 palavras se tornaram iguais e que 1235 palavras, de iguais que eram, se fizeram diferentes. Destas, duas centenas mudaram apenas em Portugal. Apesar de se advogar a «unificação ortográfica», essa dupla grafia mantém-se e até se multiplica…
Dizia que, apesar de se advogar a «unificação ortográfica», essa dupla grafia mantém-se e até se multiplica, pois são permitidas facultatividades no Acordo, ou seja, a diversidade da escrita entre os dois países aumentou.
Desta forma, a unificação foi um objetivo falhado.
No segundo objetivo, tornou-se visível que, com a adoção de «dupla grafia», se geraram muitas ambiguidades e mesmo um caos linguístico.
Logo, a simplificação foi também um objetivo falhado.
No terceiro objetivo, verificou-se, com base em análises retroativas à sua aplicação, que a «ajuda» para facilitar a aprendizagem do Português não precisaria de ser muita, dado que os erros ortográficos, de crianças e de adultos em aprendizagem, não incidiam, com relevo, neste tipo de grafias.
Mas mais: dadas as ambiguidades geradas, os agentes de ensino nunca foram capazes de resolver as dualidades e dificuldades criadas, tornando muito difícil transmitir informação segura e lógica aos alunos.
Assim, também a ajuda ao ensino foi um objetivo falhado.
Logo, a implementação deste Acordo acaba por se mostrar incompatível com os objetivos a que se propôs, sendo fundamental proceder-se a uma avaliação da sua aplicação.
Não menos importante é o facto de, até agora, o Acordo Ortográfico de 1990 não ter sido ratificado por todos os países. No âmbito da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), o Acordo está em vigor em Portugal, no Brasil, em São Tomé e Príncipe e em Cabo Verde, enquanto Timor-Leste e Guiné-Bissau apenas o ratificaram, sem implementar. Falta a ratificação do acordo por parte de Angola e de Moçambique e relembremos que, no Brasil, surgem várias reservas em relação à aplicação do mesmo.
Neste contexto, importa salientar que a ortografia — e o código linguístico, no geral — é uma das matrizes de um povo e qualquer alteração desta natureza terá de ser feita de forma bem estruturada, coerente, participada e acompanhada de uma avaliação séria de todos os seus impactos.
A verdade é que se desconhece qualquer estudo que ateste a viabilidade económica, o impacto social e a adequação ao contexto histórico, nacional e patrimonial deste Acordo, além de nunca se ter conseguido, até ao dia de hoje, a sua aceitação plena por largos setores da sociedade.
O que está em causa é a absoluta necessidade de se avaliar a implementação do Acordo Ortográfico de 1990, pois trata-se da defesa da língua portuguesa enquanto património cultural e, portanto, uma questão do interesse público, devendo esse processo assegurar a participação da comunidade académica e literária e delinear o caminho a seguir, através da correção dos efeitos negativos e, caso seja essa a conclusão, numa situação limite, da orientação para a sua suspensão, acautelando todos os procedimentos para o imprescindível acompanhamento e transição deste processo.
Intervenção de encerramento
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Apesar de esta questão já ter sido discutida nas anteriores legislaturas, como foi já dito, sabemos, por exemplo, que a quase totalidade dos pareceres sobre o Acordo Ortográfico de 1990 foram negativos — dos 27 pareceres solicitados, 25 foram negativos —, apesar de terem sido ignorados e nunca discutidos seriamente.
Saliente-se, ainda, que este Acordo foi preparado em debates alheios à população e às comunidades académicas e literárias, sem ter em conta grande parte dos contributos que foram elaborados.
Além disso, o período de transição deveria ter permitido uma avaliação dos impactos, das lacunas, das vantagens e desvantagens, mas também da sua recetividade. Isso não sucedeu, desperdiçando-se a oportunidade de estudar e acompanhar a sua implementação.
Assim, Os Verdes recomendam, com a presente iniciativa — e, Sr.ª Deputada Fernanda Velez, não leu o projeto, porque ninguém pediu que o Acordo fosse suspenso —,…
… que o Governo, e passo a citar porque até pode ser que o PSD mude de opinião, «Promova uma avaliação científica global dos efeitos da aplicação do Acordo Ortográfico de 1990, diagnosticando a perceção da sua utilização entre a população em geral, as escolas, as comunidades académicas e literárias e os órgãos de comunicação social, tornando essa avaliação pública.» e que «Do resultado dessa avaliação sejam promovidas medidas com vista à correção de efeitos nefastos e negativos que sejam identificados e, se as conclusões de tal avaliação assim apontarem, numa situação limite (…)» — numa situação limite, depois do estudo! — assuma a suspensão do Acordo, «(…) acautelando as medidas necessárias de acompanhamento e transição, por forma a evitar uma maior desestabilização neste processo.»
A língua é viva, Sr.ª Deputada, e há sempre oportunidade de nos corrigirmos.