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09/10/2020 |
Sobre o Projeto do PEV que prevê o estudo do trabalho infantil em Portugal - DAR-I-006/2ª |
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O trabalho infantil é, ainda hoje, uma realidade e não existe apenas nas zonas de conflito ou nos países e regiões mais pobres do mundo. O desrespeito pelos direitos das crianças acontece, igualmente, nos países mais ricos e desenvolvidos, incluindo na União Europeia, onde a taxa de risco de pobreza infantil se tem mantido muito elevada.
Todas as crianças têm direito à proteção, à dignidade, à integridade física, à educação, à saúde e à habitação que lhes permitam crescer num ambiente favorável, com qualidade de vida, e sentirem-se felizes e realizadas, cabendo ao Estado, conforme consagrado na Constituição da República Portuguesa, garantir estas condições.
Vários foram os instrumentos e compromissos internacionais que instituíram os direitos, a proteção e o bem-estar das crianças, como a Declaração Universal dos Direitos da Criança, adotada pela Organização das Nações Unidas, em 1959, onde se afirma que «a Humanidade deve à criança o melhor que tem para dar», e a Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada por Portugal em 1990, sendo, nos termos desta Convenção, uma obrigação dos Estados atender aos direitos das crianças.
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), atualmente poderão existir 152 milhões de menores vítimas de trabalho infantil no mundo inteiro e, desses, quase metade faz trabalhos perigosos, que colocam em risco a sua saúde e segurança. A erradicação do trabalho infantil até 2025 foi fixada como um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável pelas Nações Unidas.
Em Portugal, nos anos 80 do século XX, fez-se um esforço para sensibilizar a população portuguesa para que se opusesse à realidade do trabalho infantil e exigisse uma maior proteção e garantia do bem-estar e da qualidade de vida das crianças. Ao Estado impôs-se um compromisso pela sua erradicação a partir da segunda metade da década de 90, sendo adotadas medidas importantes para a eliminação deste flagelo.
Em 1998, foi realizado um inquérito nacional junto das famílias com crianças em idade escolar, que permitiu identificar a dimensão do trabalho infantil, e foi possível definir a estratégia de combate ao fenómeno.
Em 2001, realizou-se novo estudo, intitulado Trabalho Infantil em Portugal 2001, que revelou que quase 49 000 crianças, dos 6 aos 15 anos, desenvolviam atividades económicas em Portugal, remuneradas ou não, mas que mais de metade não o fazia regularmente, e revelou também um aumento de 2000 casos relativamente a 1998. Desde essa altura, o fenómeno não é estudado em Portugal. Passaram quase 20 anos.
Combater o trabalho infantil é assegurar condições de trabalho e de rendimentos às famílias, uma vez que a pobreza e as situações de crise potenciam este flagelo, pois as famílias poderão ver-se obrigadas a recorrer a esta prática e a contar com o trabalho das crianças para poderem satisfazer necessidades básicas e sobreviver.
A abolição do trabalho infantil exige políticas transversais e integradas, ao nível de educação, da proteção social, da saúde e do trabalho, que permitam melhorar a situação das famílias, sendo fundamental combater a pobreza, com especial destaque para a pobreza infantil, através da garantia de trabalho com direitos para os adultos e sendo também importante garantir que as entidades e os serviços envolvidos no combate ao trabalho infantil estejam dotados de todas as condições necessárias para cumprirem cabalmente a sua missão.
Apesar da evolução positiva de Portugal em matéria de combate ao trabalho infantil, há ainda casos no País, que é preciso conhecer para assegurar a sua eliminação, através da melhoria das condições de vida das famílias e da implementação de medidas eficazes.
Assim sendo, Os Verdes propõem que seja realizado um estudo que permita uma intervenção estruturada e planificada de garantia dos direitos das crianças, impondo-se que o Estado cumpra a Constituição da República Portuguesa.
Sr. Presidente: Apesar de as intervenções demonstrarem consenso, não podemos deixar de reforçar a necessidade urgente de o Governo tomar medidas no sentido de quantificar e qualificar o problema do trabalho infantil, aprofundar o combate a esta forma de exploração e melhorar o dia a dia das crianças e das suas famílias.
Acresce o facto de, nos dias de hoje, existirem determinadas atividades que, não sendo diretamente consideradas trabalho infantil, devem merecer preocupação e atenção, pois podem intensificar-se e agravar-se em contextos de crise. Com efeito, a identificação de situações de trabalho infantil no presente pode levantar algumas dificuldades, sendo que a Confederação Nacional de Ação Sobre o Trabalho Infantil também tem vindo a alertar para algumas situações que carecem de maior atenção, como, por exemplo, nas áreas da moda, das artes e espetáculos e do desporto.
Não podemos ignorar que, com os efeitos da pandemia a refletirem-se no crescimento do número de desempregados e nos cortes nos salários, nomeadamente por via do layoff, entre outras causas, é necessário garantir às crianças um futuro risonho, longe da pobreza e dos sacrifícios.