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30/10/2020 |
Sobre os contratos de adesão - DAR-I-015/2ª |
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As sociedades técnicas atuais têm conduzido a um extraordinário aumento do número de negócios jurídicos e as pessoas celebram, no seu dia a dia, inúmeros contratos de que dependem para uma coexistência inteiramente desprovida de particulares iniciativas no que se refere à formação dos contratos.
O ritmo de vida com que hoje nos deparamos não permite grandes perdas de tempo em negociações relativas a atos correntes. Hoje, os negócios formam-se a um ritmo incompatível com um esquema negocial que faculte aos intervenientes um consciente exercício das suas liberdades de celebração e, sobretudo, de estipulação.
Não é, aliás, por acaso que frequentemente a doutrina se refere aos contratos de adesão como «contratos mancos» ou «contratos coxos», exatamente porque, nestes contratos, a liberdade de estipulação não está presente. Ou seja, apesar de estes contratos serem hoje encarados como uma necessidade, não podemos perder de vista o poder que o recurso aos contratos de adesão coloca nas mãos de uma das partes, que normalmente são empresas de grande envergadura.
De facto, os abusos que os contratos de adesão potenciam são mais que evidentes, até porque a parte que impõe os termos contratuais está naturalmente tentada a considerar muito mais os seus interesses do que os interesses do aderente. E o problema tende a ganhar outra dimensão se tivermos em conta que, cada vez mais, os cidadãos se veem obrigados a celebrar contratos de adesão, ao longo da sua vida, nas mais variadas áreas e com diferentes entidades.
Sucede que, na celebração desses contratos, o consumidor, na maior parte das vezes, se depara com dificuldades. Isto não só porque os contratos apresentam um articulado previamente escrito e, normalmente, o consumidor se limita apenas a assinar, mas, sobretudo, porque muitos desses contratos se encontram, intencionalmente ou não, redigidos de uma forma complexa e nada clara e apresentam cláusulas com uma letra tão reduzida que é quase impossível ler, o que significa que o cidadão, para além de se encontrar privado de negociar as cláusulas, muitas vezes, acaba por nem saber muito bem aquilo que está a contratar.
Ora, hoje, mais do que nunca, os contratos de adesão devem ser claros, de fácil leitura e interpretação, assegurando que há uma formação de vontade e uma tomada de decisão esclarecidas por parte dos consumidores, com o propósito de assegurar que quem subscreve um contrato tem a plena consciência do que está a subscrever e de quais são os direitos e os deveres de cada parte, não devendo ser permitido que contenham informação e cláusulas relevantes para uma das partes escondidas através de letras minúsculas e de difícil leitura.
Falamos de um problema vulgarmente conhecido como as letras pequeninas ou as letras miudinhas dos contratos, onde se inclui muita informação, algumas das vezes, até bastante relevante. Aliás, costuma mesmo ter um tamanho tão reduzido que pode fazer com que uma parte importante das cláusulas contratuais acabe por passar literalmente ao lado de quem as subscreve.
Desta forma, Os Verdes pretendem reforçar a transparência contratual e contribuir para uma proteção e informação adequada dos cidadãos, eliminando o obstáculo das letras reduzidas, que dificultam a celebração de um contrato de forma consciente e informada, e evitando a possibilidade de existirem divergências entre a vontade real e a vontade declarada através do contrato, originadas por um documento pouco claro ou pouco legível.
Propomos, assim, que os contratos celebrados respeitem um parâmetro mínimo e cumpram determinadas regras, não podendo ser redigidos em letra de tamanho inferior a 11 ou a 2,5 mm e nem com um espaçamento entre linhas inferior a 1,15, com o objetivo de garantir a cabal compreensão dos compromissos contratuais, propondo, para o efeito, nesta iniciativa legislativa, uma alteração ao Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais.
2ª intervenção
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Concluímos que parece que estamos todos de acordo sobre a oportunidade desta iniciativa de Os Verdes e sobre a necessidade de rever o regime das cláusulas contratuais gerais.
Esta matéria chegou, aliás, a ser objeto de uma petição em 2013, solicitando a definição de normas ao nível do tamanho de letra e espaçamento entre linhas nos contratos — ou seja, exatamente a matéria em que incide esta iniciativa legislativa de Os Verdes —, e nessa discussão em Plenário todos os grupos parlamentares afirmaram acompanhar as preocupações expressas na petição, o que foi aqui hoje, de certa forma, reafirmado, o que registamos com muito agrado.
É verdade que já existem, na legislação portuguesa, mecanismos que procuram salvaguardar vários aspetos relacionados com os contratos de adesão, desde logo, o Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais, que tem tido aqui um papel muito importante, mas também a Lei de Defesa do Consumidor e até mesmo o Regime Jurídico dos Contratos de Seguro. Mas, ainda assim, o que a realidade nos tem mostrado é que além destas normas não serem escrupulosamente cumpridas e poderem até transportar alguma subjetividade, dando margem para diferentes interpretações, continuamos a ter contratos de adesão com informações redigidas em letra de tamanho minúsculo e quase impossível de ler.
Ora, estas situações só ocorrem porque, de facto, há uma lacuna na lei e é esta lacuna que Os Verdes pretendem preencher com esta iniciativa legislativa.
Por fim, em relação ao que foi dito sobre o regime sancionatório, queria referir que ele está previsto no Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais e, portanto, não percebo muito bem, mas estamos abertos para, em sede de especialidade, acolher as melhores soluções.
Aliás, queria também aqui expressar toda a disponibilidade por parte de Os Verdes para acolher todos os contributos que possam ocorrer em sede de especialidade, com a inclusão dos tais contratos online, com o regime sancionatório, se por aí houver problemas. Portanto, estamos abertos a procurar soluções que melhor respondam à transparência nestes contratos, sem que isso signifique dilatar no tempo a sua finalização e sem fugir do essencial, que é, naturalmente, o reforço da transparência nos contratos de adesão no Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais.