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Intervenções na Ar (Escritas)
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31/10/2013
Apreciação conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.os 177/XII (3.ª) — Aprova as Grandes Opções do Plano para 2014 e 178/XII (3.ª) — Aprova o Orçamento do Estado para 2014
Intervenção do Deputado José Luís Ferreira
Apreciação conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.os 177/XII (3.ª) — Aprova as Grandes Opções do Plano para 2014 e 178/XII (3.ª) — Aprova o Orçamento do Estado para 2014
- Assembleia da República, 31 de Outubro de 2013

1ª Intervenção

Sr.ª Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, na sua intervenção, o Sr. Primeiro-Ministro sugere que este Orçamento do Estado representa um «momento de viragem», aliás, é uma expressão que vem na sequência daquilo que o Governo tem dito ultimamente, pois fala, com alguma insistência, num «momento de viragem» e alguns membros do Governo vão até mais longe e falam num «milagre económico».
Aquilo que nos parece é que a referência a esse «momento de viragem» acaba por se reduzir apenas a um pretexto para o aprofundamento das políticas que provocaram já números verdadeiramente assustadores, em termos de desemprego, que empurraram para a emigração milhares e milhares de famílias, que colocaram a fome e a miséria a bater à porta de muitas casas portuguesas, que levaram à destruição da nossa produção e que engordaram a dívida para números insustentáveis.
Quando oiço o Governo falar desse putativo «momento de viragem», lembro-me que, há uns tempos, o Sr. Primeiro-Ministro dizia que começava a ver luz ao fundo do túnel. Afinal, Sr. Primeiro-Ministro, parece que a luz que se via ao fundo do túnel não era o fim do túnel, era a luz do comboio, que, ainda por cima, vinha em sentido contrário. E a prova de que essa luz não era o fundo do túnel está aqui, Sr. Primeiro-Ministro, está neste Orçamento do Estado.
É um Orçamento que prolonga o túnel da austeridade e da recessão, um Orçamento que assenta em cortes, mas cortes num só sentido, o sentido do costume, ou seja, cortes nos salários de quem trabalha e cortes nas prestações sociais, nas pensões de reforma e de sobrevivência, no subsídio de desemprego e de doença, nas deduções ao IRS para os trabalhadores e pensionistas, e por aí fora.
É claro que estes cortes, a somarem-se aos cortes que já no ano passado eram provisórios, vão, naturalmente, emagrecer, de forma drástica, o rendimento disponível das famílias, o que irá provocar uma nova contração da procura interna.
Ora, se vamos ter uma nova contração da procura interna, significa que o objetivo que aponta para o crescimento do PIB, em 0,8%, não é propriamente um objetivo, mas, sim, uma verdadeira miragem. E é uma miragem, Sr. Primeiro-Ministro, porque estamos diante de um Orçamento que assenta no faz-de-conta.
Vejamos: com o forte emagrecimento do rendimento das famílias em 2014, agravado com mais um brutal corte nos salários e nas pensões e com uma subida prevista na taxa de desemprego, como é possível esperar uma melhoria no consumo privado?! Só fazendo de conta! E, então, fazemos de conta que o consumo privado vai crescer.
Ora, como o consumo privado não vai crescer, a previsão do crescimento do PIB, em 0,8%, fica, assim, dependente da procura externa.
Sucede que todos os dados, nomeadamente os do próprio FMI, que fez agora uma revisão em baixa do crescimento mundial para 2014, face às estimativas anteriores, apontam para que as nossas exportações não andem tão bem como o Governo espera. Ora, sendo assim, temos de fazer de conta que as exportações vão aumentar substancialmente em 2014.
E o mesmo se diga relativamente ao desemprego. Sabemos que este Governo nunca olhou para este flagelo social como uma prioridade a combater. Nunca em tão pouco tempo foram destruídos tantos postos de trabalho como aqueles que este Governo destruiu. E o Governo prevê agora, neste Orçamento, que a taxa de desemprego suba de 17,4% para 17,7%. São números vergonhosos, mas, mesmo assim, para ficarmos por esta taxa de desemprego, de 17,7%, Sr. Primeiro-Ministro, vamos ter de fazer de conta muitas vezes.
Temos de fazer de conta que, por exemplo, o Governo não colocou nesta proposta de Orçamento o seu artigo 59.º, que refere o seguinte: «Durante o ano de 2014 as empresas públicas e as entidades públicas empresariais do setor público empresarial (…) reduzem no seu conjunto, no mínimo, em 3% o número de trabalhadores face aos existentes em 31 de dezembro de 2012 (…)». É que nem é em 31 de dezembro de 2013, mas em 31 de dezembro de 2012.
Mas também temos de fazer de conta que, por exemplo, o Governo não colocou nesta proposta de lei o seu artigo 61.º. E o que diz este artigo? Diz que «Durante o ano de 2014, as autarquias locais reduzem, no mínimo, em 2% o número de trabalhadores face aos existentes em 31 de dezembro de 2013».
Portanto, fazemos de conta que o Governo está mesmo empenhado em combater o desemprego, para nos podermos fixar na taxa que o Governo prevê neste Orçamento do Estado.
Sr. Primeiro-Ministro, podemos fazer de conta sobre muitas matérias e muitas coisas, mas há uma matéria sobre a qual não podemos fazer de conta, que é Constituição da República Portuguesa.
E a verdade, porque é um facto, é que este Governo ainda não conseguiu apresentar a esta Assembleia da República um Orçamento dentro das regras constitucionalmente estabelecidas. Este Governo tem muitas dificuldades em mover-se dentro do quadro constitucionalmente consagrado.
A nosso ver, e creio que também do Governo, porque só assim se justificam os sistemáticos recados que o Governo pretende dar ao Tribunal Constitucional, este Orçamento também não se enquadra dentro das normas constitucionais.
Por isso, a pergunta que tenho para lhe fazer, Sr. Primeiro-Ministro, é a seguinte: que planos tem o Governo para o caso de o Tribunal Constitucional vir declarar algumas normas deste Orçamento do Estado inconstitucionais?

2ª Intervenção

Sr. Presidente, Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças, diz que este Orçamento é duro e equitativo. De facto, estamos perante um Orçamento duríssimo, mas é-o apenas para os rendimentos do trabalho, porque os rendimentos do capital continuam sem ser convocados ao sacrifício.
Portanto, este Orçamento é duro para alguns e é tudo menos equitativo. Representa, aliás, mais uma transferência dos rendimentos do trabalho para os rendimentos do capital: são 2211 milhões de euros em cortes nos salários e nas pensões da Administração Pública; uma redução de 13,5 milhões nos abonos de família; um corte de 6,7 milhões nos apoios sociais; e um corte de 10 milhões nas despesas com o rendimento social de inserção.
Mas, ao mesmo tempo, o Governo assegura, através deste Orçamento, a crescente garantia de emissão de dívida por parte da banca, disponibilizando 24 670 milhões de euros para essas garantias, ou seja, mais 550 milhões do que em 2013.
Ó Sr.ª Ministra, afinal, onde está a natureza equitativa deste Orçamento?
Mas, mais: do total da receita obtida pela cobrança de impostos diretos, 75% é conseguida por via dos impostos sobre os rendimentos do trabalho e apenas 25% é obtida por intermédio de impostos sobre os rendimentos do capital.
Portanto, volto a perguntar, Sr.ª Ministra: onde está o caráter equitativo deste Orçamento? As famílias pagam 60% do esforço da austeridade. Entre medidas de corte na despesa com pessoal, com pensões, com prestações sociais e medidas de aumento de impostos e contribuições sociais, as famílias serão obrigadas a suportar 2230 milhões líquidos do pacote total dos 3901 milhões de euros.
Ao mesmo tempo, as empresas energéticas, juntamente com a banca, contribuem apenas com 150 milhões de euros, ou seja, 4% do pacote de austeridade — são uns trocos, Sr.ª Ministra.
E volto a perguntar: quando falamos de equidade de que Orçamento é que nós estamos a falar?
Segundo as previsões orçamentais do Governo, há a expetativa de que a receitas fiscais aumentem e que, ao mesmo tempo, baixem as contribuições sociais pagas pelos trabalhadores, em virtude dos despedimentos que o Governo continua a promover. Porém, sucede que esta evolução, eu diria em contraciclo, não merece grandes explicações nos documentos que acompanham o Orçamento do Estado.
E uma das dúvidas surge da previsão de aumento de 3,5% da receita do IRS ao mesmo tempo que as contribuições sociais no setor privado recuam com o aumento do desemprego.
O Governo diz que a receita fiscal aumentará com a recuperação económica, mas a receita do IVA também vai cair, como todos sabemos.
Sr.ª Ministra, como é que vão aumentar as receitas fiscais? De que forma? Era bom que a Sr.ª Ministra nos dissesse como é que isso vai acontecer.
Por fim, o Governo diz que vai precisar de 4,5 milhões de euros para comprar ativos financeiros em 2014, mas não explica no Relatório do Orçamento que aquisições são essas. Por isso, gostaria que a Sr.ª Ministra nos dissesse de que forma serão usadas essas verbas.
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