Pesquisa avançada
Início - Grupo Parlamentar - XII Legislatura - 2011/2015 - Intervenções na Ar (Escritas)
 
Intervenções na Ar (Escritas)
Partilhar

|

Imprimir página
31/05/2012
Apresentação do PJR nº 346/XII, dos Verdes, que garante o direito à água e ao saneamento

Intervenção da
Deputada Heloísa Apolónia (PEV)
Apresentação do PJR nº 346/XII, que
garante o direito à água e ao saneamento

Assembleia da República, 31 de maio de 2012

Sra. Presidente
Sras. e Srs. Deputados

O país vive hoje sob a intenção e a vontade expressa do Governo de privatização da água. É essa ameaça que leva Os Verdes a apresentar a presente iniciativa legislativa, que garante o direito humano à água e ao saneamento.

Garante o DIREITO – é a recusa de entender a água como uma mercadoria; é a constatação que a água é um recurso natural, escasso, essencial à vida, imprescindível, portanto, e não passível de ser recusado a alguém. A água é um direito, deve, por isso, ser gerida para garantir a sua preservação, o seu acesso e a sua eficácia de distribuição.

Privatizar a água significa torná-la numa mercadoria, vendável a preço de um mercado criado e em função de lucros que as empresas querem obter, ainda por cima com uma tendência de monopólios regionais ou nacionais que implicam a inexistência de alternativas e de opções. Por isso, quem defende que a água é um direito, defende necessariamente a gestão pública da água – é justamente o que o PEV defende neste projeto hoje apresentado à Assembleia da República e que consideramos imprescindível para o país e inevitável para o seu desenvolvimento.

Privatizar a água é demasiado absurdo (conhecendo-se, ainda por cima, exemplos ao nível internacional que se demonstraram desastrosos ao longo dos anos e que levaram, inclusivamente, em muitos casos à renacionalização da água, como em regiões da Argentina, da África do Sul, da Alemanha, da Bolívia, dos EUA, de França, entre outras). Mas é de tal maneira absurdo e perigoso que o próprio Governo de direita se recusa a falar de privatização, de modo a aligeirar a sua intenção perante a opinião pública. Diz, então, a Sra. Ministra do Ambiente que não vai vender a empresa Águas de Portugal, vai antes concessionar a gestão da água a empresas privadas. Segundo o que já nos foi dado conhecer a intenção é fundir os sistemas existentes em alta, em quatro sistemas, portanto a uma escala enorme, dotá-los de uma verticalização, ou seja incluindo-lhes a baixa (isto é, o sistema que faz chegar a água às pessoas), retirando, assim, as autarquias dessa competência, entregar a gestão desses sistemas, na íntegra, ao setor privado através de sub-concessões e aplicar um tarifário uniforme a todo o país, tomando como bitola os preços mais elevados que hoje se praticam. Não se perceberam, ainda muito bem, todos os contornos desta proposta, designadamente, se estas empresas assumirão o risco associado ao investimento.

Conclusão, não chamar a isto privatização é procurar maquilhar o que está em causa. Entregar a gestão da água a privados é privatizar a água, porque gerir a água é dominar a forma de fazer chegar este recurso às pessoas, é dominar os sistemas de abastecimento e saneamento, é ter o poder de decidir quem, como, onde e quando tem acesso à água, logo é deter o poder sobre o próprio recurso! Pode-se jogar muito com as palavras, mas não restam dúvidas que o Governo PSD/CDS quer privatizar a água em Portugal! É mau? É, é muito mau!

A preparação do caminho para a privatização da água em Portugal já vem de longa data, designadamente dos anos 90 com a criação legal dos sistemas multimunicipais. O Governo anterior, do PS, trilhou mais caminho de forma determinada, arrogante e inqualificável, quando pôs as autarquias entre a espada e a parede, alegando que o financiamento necessário para abastecimento e saneamento só seria assegurado no caso da constituição de sistemas multimunicipais, onde as autarquias deteriam 49% e a Águas de Portugal 51%, garantindo-se desta forma a perda de controlo e decisão por parte das autarquias, dos sistemas em alta. O Governo condicionou, portanto, financiamento ao tipo de sistemas que queria impor.

Ao mesmo tempo que fazia esta chantagem com os municípios, a Águas de Portugal financiava-se na banca, e nunca por via do Orçamento do Estado, privilegiando-se o sistema bancário, como sempre, com pagamento de juros significativos, e criando-se consequentemente mais dificuldades de sustentabilidade do sistema. Esta opção de financiamento, demonstrativa de uma desresponsabilização notória do Estado, obrigava os municípios a adquirir a água a custos mais elevados (refletindo não apenas custos de gestão, mas também custos de infraestruturas), que os municípios não podiam fazer refletir na íntegra nas tarifas da água, sob pena de criarem uma calamidade social, obrigando-se, alguns deles, a entrar em incumprimentos de pagamento, designadamente à Águas de Portugal. Isto ao mesmo tempo que o Governo esvaziava progressivamente as autarquias de recursos financeiros, quantas vezes recorrendo ao descarado e insuportável incumprimento da lei das finanças locais, criando dificuldades sérias às autarquias.

Ou seja, a má estratégia, a incompetência, a negligência dos sucessivos Governos, bem traçada à escala de uma desejada privatização do setor da água, é a responsável por problemas de sustentabilidade dos sistemas de água, que, ainda assim, têm solução que não passe pela privatização da sua gestão. Os problemas não caíram do céu. Os problemas de sustentabilidade do setor foram produzidos por más opções políticas!

Denegrir o sistema público de gestão da água é agora um entretenimento recorrente do Governo e da maioria parlamentar, para sustentar o seu desejo de privatização.

Ocorre que Almada, que optou por virar, e bem, sempre as costas à chantagem do Governo e que, por via disso, nunca obteve financiamento central ou comunitário para os seus investimentos, tem hoje um sistema perfeitamente sustentável, numa gestão totalmente pública, que merece aqui ser focada.

Almada capta, armazena, distribui em baixa, faz tratamento de águas residuais, ou seja tem uma gestão pública, direta e integral. Cobra aos munípices 1,20€/m3 e há 3 anos que não aumenta o preço da água, porque não precisa de cobrar mais valor pela água para garantir a sustentabilidade do sistema. O sistema é auto-suficiente e tem uma escala de 200.000 habitantes. Os indicadores de cobertura são de 100% no abastecimento e de 100% no saneamento (sendo que aqui 98% com ligação direta à rede de águas residuais e 2% de recolha de efluentes em fossas). A meta sugerida para manutenção e renovação das redes em baixa é de 2% ao ano, mas Almada renova a uma média de 2,5% a 3% ao ano. Milagre? Não! Boa gestão pública! E há mais casos no país!

Sra. Presidente
Sras. e Srs. Deputados

Como a própria Sra. Ministra do Ambiente já confirmou, entregar a gestão da água a privados tem uma consequência imediata: aumentar significativamente as tarifas. É claro, porque se as tarifas passam a comportar investimento em infraestruturas, custos de gestão e lucros que gerem bons dividendos para os acionistas, como é possível não esperar da privatização que as tarifas disparem de imediato?

Foi de resto isso que aconteceu em Santa Maria da Feira, com a concessão da gestão da água à Indáqua (50 anos de concessão!), as tarifas da água passaram a ser as mais caras da grande área metropolitana do Porto, as prometidas tarifas sociais nunca chegaram a ser concretizadas e a ligação de uma habitação à rede de água e saneamento fica pela “módica” quantia de mais de 1000 euros. Conclusão, a taxa de ligação situa-se abaixo dos 50%, porque muitas pessoas, servidas por poços e furos, não têm disponibilidade financeira para pagar a ligação à rede! Isto para já não falar da renovação e manutenção da rede que não é feita devidamente, porque tem custos associados que a empresa não quer assumir.

Porque a privatização da água é um desastre do ponto de vista económico, social, ambiental e de gestão territorial, e porque é um perigo do ponto de vista da soberania, até porque quando falamos de água, falamos de um bem que, devido à sua escassez e imprescindibilidade, ameaça ser um dos maiores potenciais fatores de conflito entre Estados, devendo por isso ser gerida em função de necessidades objetivas e não de interesses empresariais, o PEV propõe:

1. A defesa da gestão pública da água, designadamente garantindo que os sistemas associados ao abastecimento e saneamento se mantenham na esfera pública.
2. Que as entidades que fazem a gestão dos sistemas de abastecimento e saneamento sejam sempre total ou maioritariamente públicos.
3. Que qualquer alteração que seja introduzida nos modelos de gestão da água, não ponha em causa as competências das autarquias locais nesta matéria.
4. A garantia do acesso universal das populações ao abastecimento de água e a sistemas de saneamento.
5. Que os modelos de gestão da água visem, de forma prioritária, a preservação deste recurso, nomeadamente impedindo a degradação da sua qualidade na origem, evitando, assim, elevar custos de tratamento.
6. Que os modelos de gestão da água sejam eficientes e permitam que o custo da água seja o mais baixo possível, refletindo-se na menor tarifa possível.
7. A garantia que as tarifas da água sejam socialmente justas, ajustadas à capacidade que as famílias detêm, de modo a que ninguém fique privado do acesso à água por razões económicas.
8. Que seja implementado com urgência o Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água e que a Assembleia da República conheça trimestralmente, por via do Governo, a sua fase de implementação.
9. Que o Governo português proponha e apoie, na Conferência Rio+20, a Resolução da Assembleia das Nações Unidas sobre o direito humano à água e ao saneamento.
10. Que o Governo português, ainda na Conferência do Rio+20, se oponha terminantemente a qualquer tentativa de se imporem mecanismos de mercantilização e de privatização da água.
 

Voltar