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02/02/2006
Conclusões do Estudo SIAM II e Avalaiação do PNAC
Declaração Política do Deputado Francisco Madeira Lopes Sobre as Conclusões do Estudo SIAM II e Avaliação do PNAC
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados,

Na passada segunda-feira, foram apresentadas as conclusões do estudo SIAM II, iniciado em 2002 e realizado por um conjunto de 60 especialistas visando traçar diferentes cenários, impactos e medidas de adaptação para as alterações climáticas em Portugal, tendo como horizonte o ano de 2100.

E as conclusões são tão preocupantes quanto eram já previsíveis, sendo que os estudos vieram apenas confirmar aquilo que, na prática, os múltiplos sinais, em Portugal e um pouco por todo o mundo, nos vêm dizendo: as alterações climáticas são uma realidade; as alterações climáticas são causadas pelos impactos que a actividade humana tem na natureza e as suas consequências são desastrosas, a todos os níveis: ambiental, económico e social.

Os cenários que são levantados apontam claramente no sentido do agravamento de fenómenos climáticos extremos, com períodos de seca extrema e prolongada, como aquela que, desde 2004, ainda hoje persiste atingindo em pleno Inverno 92% do território, com aumento do número de dias com temperaturas acima dos 35º, a alternarem-se com períodos de precipitação irregular, chuvas intensas, cheias devastadoras e a subida média do nível do mar, que por sua vez agravará os já de si preocupantes níveis de erosão do litoral.

Este fenómeno, fruto do aquecimento global causado pelas emissões de gases com efeito estufa, será acompanhado da deterioração da qualidade do ar e dos nossos recursos hídricos, com a baixa dos lençóis freáticos, sua maior susceptibilidade à contaminação salina e orgânica e retracção das fontes de água doce. Os impactos graduais na saúde pública começarão a fazer-se sentir pelo aumento de incidência de doenças respiratórias, doenças alérgicas, ou doenças infecciosas, transmitidas por mosquitos ou roedores, como a malária, bem como pelas vagas de frio ou ondas de calor que aumentarão a taxa de mortalidade por causas ambientais, a qual poderá crescer até 2020 em 7%.

A desertificação é o cenário que se segue. Não é por caso que a Assembleia Geral das Nações Unidas decidiu declarar 2006 o Ano Internacional dos Desertos e da Desertificação. Depois de um 2005, que foi considerado pela NASA o ano mais quente desde sempre, ou pelo menos desde que há registos, o que foi por demais evidente em Portugal pela seca que atravessamos mas também pelos 325 mil hectares de floresta ardida, o segundo mais negro da última década, importa perceber que o tal futuro desastroso não é para 2100, mas já chegou e já está a reclamar as suas vítimas num país como o nosso onde se assiste à morte do nosso mundo rural, à erosão dos solos, ao despovoamento do interior e ao agravamento das assimetrias regionais.

Os impactos profundos de toda esta rápida mudança climatérica são já mais que certos, não só nos ecossistemas e na perda de biodiversidade com a extinção de espécies, mas também na economia, no turismo, agricultura, florestas e pescas, os quais se farão reflectir, naturalmente e em primeiro lugar, nos mais desprotegidos, nos mais frágeis económica e socialmente.

Estas conclusões são, infelizmente, corroboradas por estudos que um pouco por todo o mundo se vão fazendo, como o relatório recentemente publicado pelo Gabinete Meteorológico do Reino Unido, ou os realizados pelo Instituto para a Investigação do Impacto do Clima na Alemanha e por tantos outros investigadores, cientistas, que juntam a sua voz à de ambientalistas e cidadãos que, à roda do mundo, há muitos anos, alertam para os perigos reais e potenciais de uma profunda e rápida alteração no clima a que vimos assistindo nas últimas décadas e cujas causas são múltiplas e complexas e cujas soluções, não sendo simples nem fáceis, são absolutamente imprescindíveis e urgentes pois delas depende a própria vida na Terra.

Mas estes estudos, ao confirmarem-nos que as causas residem no comportamento do homem quando transforma o meio à sua volta, vêm-nos simultaneamente lembrar que há alternativas e que a mudança de atitudes, a adopção de comportamentos ambientalmente sustentáveis é não só uma opção viável mas, muito mais que isso, a única via absolutamente incontornável e inadiável na redescoberta do equilíbrio perdido entre Homem e Natureza que permita legar às gerações vindouras um planeta onde a vida seja possível, em condições, de preferência, melhores do que as que já enfrentamos neste momento.

Nada disto é, infelizmente, novo. Nem sequer a sua denúncia pelo Partido Ecologista “Os Verdes” que há longos anos, com regularidade, vem juntando a sua voz a muitos activistas, alertando e denunciando, lutando no plano político nacional e local pela afirmação e conquista de espaço para os valores ecologistas e da salvaguarda do meio-ambiente no discurso e principalmente na acção política.

Tal como não é nova a reconhecida inacção e falta de arrojo e capacidade política dos sucessivos Governos nesta matéria, que, apesar de alguns desenvolvimentos e avanços inegáveis, mas também de muitos recuos e muito mais paralisações que a política de ambiente nacional tem conhecido ao longo dos anos, apesar ainda da conjuntura e exigências internacionais, não têm feito o essencial.

O protocolo de Quioto marcou no plano internacional um momento de viragem política histórico ao exigir dos estados signatários metas claras a cumprir na redução das emissões de gases com efeito estufa. A Portugal coube a tarefa de, no âmbito da partilha de responsabilidades dentro da União Europeia, não aumentar as suas emissões em mais de 27%, relativamente a 1990, até 2012.

Ficámos ontem a saber, de fonte oficial, pela voz do Sr. Secretário de Estado do Ambiente, o que já sabíamos há muito: que Portugal não irá cumprir as metas estabelecidas pelo Protocolo de Quioto.

Portugal vai ultrapassar entre 12 e 9 pontos percentuais a meta de emissão a que se tinha comprometido, ou seja, no pior cenário, quase mais 50% do limite imposto.

Vamos, assim, emitir entre mais 7,3 a 5,5 megatoneladas de dióxido de carbono equivalente do que o que estava previsto, chegando portanto às fasquias de 39% (tendo como cenário de referência as medidas previstas no Programa Nacional de Alterações Climáticas) ou de 36% (no caso de serem adoptadas as medidas adicionais, o que nem sequer está garantido).

Ou seja, Portugal vai ter que pagar muitos milhões de euros, entre 300 e 400 milhões, todos os anos, em compras de créditos de licenças no mercado do carbono pelas emissões que fará a mais, isto se esses créditos forem conseguidos à custa dos Mecanismos de Desenvolvimento Limpo, isto é, através de projectos sustentáveis de investimento em países em vias de desenvolvimento, o que a não verificar-se agravará ainda mais este negro cenário.

A revisão do Programa Nacional das Alterações Climáticas, anunciada ontem, deixa claro que os objectivos anteriormente propostos ficaram muito longe do seu cumprimento e que mesmo com as novas medidas adicionais, não será possível inverter a curto prazo a tendência de agravamento da ineficácia produtiva, com o PIB a preços de mercado a crescer 49% enquanto o consumo de energia primária cresce 70%, o que aliada à brutal dependência energética do exterior e peso das energias fósseis no nosso mercado leva a temer o pior.

Sabendo que os sectores dos transportes e dos edifícios, designadamente do comércio e serviços, são dos principais responsáveis pelas emissões de gases para a atmosfera e simultaneamente aqueles que apresentam uma evolução mais negativa com subidas entre 1990 e 2010, no caso dos transportes de 105% e dos edifícios de 86%, é com extrema preocupação que assistimos na 3ª Feira passada, pela primeira vez, ao reconhecimento pela parte do Governo, sem margens para dúvidas ou hesitações que o Protocolo de Quioto não será respeitado por Portugal.

E é preocupante, não pela franqueza ou honestidade do reconhecimento daquilo que muitos já diziam, há muito, ser inegável, mas pelo reconhecimento, que é forçoso igualmente fazer, do falhanço das políticas de todos os Governos relativamente ao objectivo do combate às emissões de gases com efeito estufa, pelo não investimento nos transportes colectivos públicos ou na poupança e eficiência energéticas ou o atraso de que padecemos na implementação de fontes de energia renováveis, que condenou Portugal a esta situação em que milhões de euros serão gastos todos os anos na compra de créditos de emissões, onerando a economia e os consumidores portugueses, milhões esses que deixarão de ser investidos em Portugal na modernização do nosso tecido produtivo, a fim de o tornar mais competitivo e ambientalmente mais sustentável.

2 de Fevereiro de 2006.

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