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Intervenções na Ar (Escritas)
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19/03/2014
Debate com o Primeiro-Ministro
Intervenção da Deputada Heloísa Apolónia
Debate com o Sr. Primeiro-Ministro (Pedro Passos Coelho),
- Assembleia da República, 19 de Março de 2014 -

 

 

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, queria, em nome de Os Verdes, juntar-me ao pesar, já aqui manifestado, pelo falecimento de Medeiros Ferreira e dirigir as mais sentidas condolências ao Partido Socialista e também à família.

Sr. Primeiro-Ministro, talvez recordar um bocadinho de história não seja mau para relembrar que o Sr. Primeiro-Ministro, em campanha eleitoral, jurou aos portugueses que tinha as contas todas muito bem feitas e que havia uma coisa de que tinha a certeza: não seria necessário cortar salários. Entretanto, todos conhecemos a história seguinte: foram cortados, e muito!

Em 2011, Vítor Gaspar, então Ministro das Finanças, garantia que um corte nas remunerações «só pode ser temporário. O corte é temporário: durante a vigência do Programa de Ajustamento».

Decorreu tempo, houve cortes nos salários e o Sr. Primeiro-Ministro vem agora dizer que os portugueses nem pensem que se podem repor os valores salariais de 2011, aquilo que o Sr. ex-Ministro Vítor Gaspar tinha dito. Ou seja, isto é uma «bola de neve», sempre para pior, sempre para pior!

Ocorre que um dos apoiantes — se não mesmo coautor — destas políticas, o Sr. Presidente da República, já veio clarificar uma coisa aos portugueses: pelo menos, durante os próximos 20 anos este País é para viver na miséria, assim com esta brutal austeridade, porque é preciso.

É preciso, então, perguntar aos autores diretos destas políticas, ao Governo PSD/CDS, como é que é. Ou seja, que condições serão necessárias para que se reponha aquilo que se retirou aos portugueses, designadamente ao nível salarial.

Já percebi que o Sr. Primeiro-Ministro, de debate em debate, não quer dizer quando. Muito bem. Então dirá, por favor, aos portugueses que condições são precisas o País ter para que seja reposto o que foi retirado. Por uma razão muito simples, Sr. Primeiro-Ministro: os portugueses não podem viver numa incógnita. O futuro do País não pode ser uma incógnita!

 

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, o Sr. Presidente da República não prescreveu nenhuma miséria para os próximos 20 anos. Não posso concordar consigo.

O Sr. Presidente da República fez a menção, que todos conhecemos, não disse nenhuma novidade. E a Sr.ª Deputada, que participou nestes debates no Parlamento, também está muito bem informada. Não precisava de ouvir o Sr. Presidente da República falar nesta matéria para saber. A Sr.ª Deputada já o sabia. Pode haver muitos portugueses que não estejam devidamente inteirados dessa situação, mas a Sr.ª Deputada está, seguramente, porque esse debate foi tido aqui, no Parlamento.

A Sr.ª Deputada sabe que o País, quer nos termos do tratado orçamental quer nos termos das regras europeias que vigoram dentro da zona euro, está comprometido a ter um objetivo de médio prazo, que não pode, em termos de equilíbrio orçamental, fugir a um défice estrutural superior a 0,5%, que tem até 2105 para sair do procedimento por défice excessivo, ou seja, para ter menos de 3% de défice e que devemos, nos termos da nossa lei de enquadramento orçamental, corrigir o desvio acima de 60% do rácio da dívida, à razão de 1/20 por ano, até regressar a esse patamar dos 60% que consta do Pacto de Estabilidade e Crescimento.

Portanto, Sr.ª Deputada, estas são as regras. Estas são, portanto, as obrigações de Portugal, de Espanha, de França, da Alemanha, da Áustria, da Itália, de todos os países que fazem parte da zona euro.

Ora, Sr.ª Deputada, se o País acumulou um stock de dívida pública elevado, que, no entanto, é sustentável, aquilo que o País deve fazer, como outros países fizeram no passado, é definir uma trajetória para as suas contas públicas e para a dívida pública de modo a honrar os seus compromissos. Portanto, Sr.ª Deputada, é isso que iremos fazer.

Já tinha referido aqui noutras ocasiões que, quando um Estado escolhe um caminho de incumprimento, é objetivamente porque não tem condições para cumprir. Desde que tenha condições para cumprir, esse resultado é incomparavelmente melhor do que não cumprir as suas obrigações, porque isso, sim, põe em causa as políticas públicas e os direitos sociais.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, o problema está justamente na trajetória, porque a trajetória definida por este Governo foi a do empobrecimento dos portugueses e aquilo que o Sr. Primeiro-Ministro está a dizer é que, para não nos desviarmos da trajetória, os portugueses não podem sair da pobreza. Ou seja, esta pobreza é para continuar. Foi o termo que eu usei: a miséria do País é para continuar.

Gostava de tentar perceber qual é o limite, em termos de números, de défice, de dívida — se o Sr. Primeiro-Ministro quiser —, de taxa de procura interna, de crescimento do País que o Sr. Primeiro-Ministro encontra para poder repor o que retirou aos portugueses. Ou vivemos agora na lógica do «nunca mais»?

É que os senhores saltam de conversa em conversa e sempre que dizem e acrescentam mais qualquer coisa é sempre para piorar! Sr. Primeiro-Ministro, precisamos de compreender o futuro do País e aquilo que os senhores têm moldado para o futuro do País.

Para terminar, gostava de dizer o seguinte: quando os portugueses estão pior, o País está pior. Portanto, o Sr. Primeiro-Ministro não pode continuar a insistir que o País está melhor, quando os portugueses vivem pior. Isso faz o Sr. Primeiro-Ministro desfasar-se daquela que é a realidade e não ter em conta aquela que é a verdadeira realidade dos portugueses.

Sr. Primeiro-Ministro, falamos muito de saídas, da forma como sairemos no próximo mês de maio ou, quem sabe, daqui a 20 anos, mas uma coisa os portugueses podem ter a certeza: a única saída limpa — limpinha! — que este País poderia ter, era, de facto, a saída em grande do Governo daqui para fora!

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, não a posso acompanhar quanto a esse seu último desejo, mas posso garantir-lhe que a trajetória que temos não é a de empobrecimento.

A Sr.ª Deputada pergunta qual é o limite, subentendo eu, do processo de consolidação das nossas contas públicas. O limite da nossa consolidação de contas públicas é chegarmos ao objetivo a que nos propomos, que é o de não ter o défice, ter as contas equilibradas e, nessa medida, dar, no que respeita ao Estado, um contributo muito grande para que a economia possa crescer. Portanto, esse é o nosso objetivo.

No entanto, a Sr.ª Deputada formulou um desejo, o que é uma coisa diferente. Formulou o desejo de que o País não precisasse de fazer ajustamento, que o País não precisasse de consolidar as contas públicas, que o País não necessitasse de fazer sacrifícios para corrigir os desequilíbrios que tem. Sr.ª Deputada, aí estou totalmente de acordo. Tomara eu que não precisássemos de fazer nada isso.

Mas deixe-me responder-lhe de uma forma muito ilustrativa: no dia em que um Estado não conseguir financiar a sua despesa e a sua atividade, nesse dia não haverá nenhuma ilusão do nível de pobreza a que chegou e não haverá nenhuma ilusão quanto àquilo que tem de ser corrigido para se poder financiar a sua despesa.

Sr.ª Deputada, um Estado que não consegue levantar o dinheiro que é necessário para poder cumprir as suas obrigações, seja com salários, seja com pensões, seja com os seus contratos, no dia em que um Estado não tiver esse financiamento, todos os direitos ficarão em causa. É isso que não quero que aconteça, é isso que não quero que volte a acontecer e é isso que, se cumprirmos com as nossas obrigações, não acontecerá.

Por isso, seria tão importante termos, coletivamente, não apenas formulado um desejo vago de que poderíamos ter as coisas equilibradas, mas mostrarmos em concreto como é que poderíamos atingir esse resultado. Ora, nós estamos a aproximar-nos desse resultado com o esforço dos portugueses, mas também com a determinação do Governo e não, Sr.ª Deputada, com aquilo que pode considerar-se o apoio que Os Verdes possam dar para esse percurso. Provavelmente, Os Verdes prefeririam que este caminho não fosse trilhado e que o País não tivesse financiamento para poder satisfazer as suas necessidades. Mas aí, Sr.ª Deputada, é a responsabilidade que nos separa.

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