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12/04/2006
Debate de urgência potestativo sobre Resíduos Industriais Perigosos
Intervenção da Deputada Heloísa Apolónia no Debate de urgência potestativo sobre Resíduos Industriais Perigosos
Assembleia da República, 12 de Abril de 2006
 
 
 
ónia

 

 

 

 


Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados,

O Governo quer fazer crer que queimando resíduos industriais vai “limpar” o país. Nada mais enganador. E assim vai-se calando sobre medidas para redução de resíduos perigosos, medidas que se esperavam encontrar, mas não se encontram, no plano tecnológico. E assim vai secundarizando as respostas adequadas para a grande maioria dos resíduos industriais.

O Governo toma a co-incineração de resíduos perigosos, não como uma opção de fim de linha e de último recurso, mas sim como o pilar estruturante e central da gestão e tratamento de resíduos industriais. Com esta visão central da co-incineração, o Governo secundariza e desvirtua o desempenho dos CIRVER e o seu potencial de resposta ao tratamento de resíduos perigosos, o que é profundamente preocupante. Dois exemplos para justificar esta afirmação:

• De acordo com os prazos anunciados, a queima de resíduos vai estar operacional antes dos CIRVER estarem em funcionamento. Estes só estarão a funcionar em meados de 2007, enquanto a co-incineração será objecto de um período de testes de três a seis meses, a contar de Março, e a partir daí estará operacional, no final deste ano.

• Para além disto, o Governo põe a hipótese de queimar 20% dos resíduos industrias (e os estudos que encomendou apontam para a possibilidade de ir aos 31%), enquanto há seis anos, em época de polémica acesa, assegurava-se que não seriam queimados mais que 12% desses resíduos. Significa isto que o Governo entende que há resíduos susceptíveis de outras formas de tratamento que afinal vão ser encaminhados para co-incineração. Exemplo disso mesmo são os óleos usados que deveriam ser regenerados e que se perspectiva que venham a ser queimados. Ou seja, afinal não serão apenas queimados resíduos não passíveis de outras formas de tratamento. A experiência internacional mostra-nos isso mesmo: adoptada a co-incineração ficam preteridas outras formas de tratamento ambientalmente adequadas.

Com esta visão o Governo está a pôr em causa o sucesso dos CIRVER, menorizando a sua resposta alternativa de tratamento e valorização, reduzindo-os a meros aterros de resíduos e a estruturas de preparação e encaminhamento de resíduos para a co-incineração. Por outro lado, o Governo está a garantir um negócio adicional para as cimenteiras que receberão dinheiro por cada montante de resíduos recebidos para queima e que terão por isso interesse em receber muita quantidade.

Outra questão que o Governo menosprezou em todo este processo prende-se com a avaliação dos riscos da co-incineração sobre a saúde pública. Relembramos que há seis anos atrás houve um parecer de um Grupo de Trabalho Médico requerido pelo Governo, a pedido do Parlamento, que avaliou esta questão. É evidente que o Parlamento pediu um estudo sério, mas aquilo que se produziu foi algo tão pouco rigoroso do ponto de vista científico como esta afirmação que vou citar desse relatório: “No que se refere, em particular, à descrição de efeitos na saúde devido à co-incineração em unidades cimenteiras de resíduos industriais perigosos, é muito escassa a informação disponível. A escassez de informação pode, por isso, ser vista como um indício de que não surgiram problemas especiais” (pág 117).

No mínimo, conhecendo esta falta de rigor e a polémica em torno desta matéria, e tendo o Governo pedido uma actualização dos estudos feitos há seis anos atrás, não se percebe como é que foi omitida esta componente sobre a saúde pública. Por isso, “Os Verdes” apresentaram um projecto de lei que procura, entre outras questões, colmatar esta lacuna no processo, sabendo que a questão precisa de ser levada a sério: porque os efeitos da co-incineração sobre a saúde não são imediatos, porque a co-incineração começa e as pessoas não ficam imediatamente intoxicadas e mortas. O que acontece é que a população serve de cobaia aos interesses económicos e daqui a uns anos, os elevados índices de cancro, de problemas respiratórios, alérgicos e cardíacos acabam por ser assumidos como de causa desconhecida, porque o imediatismo impera e escamoteiam-se os efeitos cumulativos ao longo de anos e anos – a culpa das decisões políticas erradas acaba por morrer solteiras.

Não é por acaso que a Convenção de Estocolmo, sobre poluentes orgânicos persistentes, ratificada por Portugal em 2004, indica, para além de outras actividades, a co-incineração de resíduos industrias perigosos como emissora desses poluentes que se mantêm activos por anos e anos. E justamente por isso indica que os signatários devem tomar medidas para reduzir essa actividade e para a eliminar progressivamente. Ora, dois anos depois de termos aderido a esta Convenção, não vamos terminar, mas sim iniciar a co-incineração em Portugal!

Outra questão relativamente à qual se impõe um esclarecimento, que não foi feito, prende-se com a escolha das cimenteiras. A actualização de estudos refere que qualquer cimenteira tem condições para queimar esses resíduos. Porque é que o Governo escolheu aquelas duas? Sabe-se que estavam escolhidas há muito, não era preciso nenhum parecer para o Governo tomar essa decisão – o ajuste de contas com o passado, com os fortes protestos da população tinham que levar a essa escolha, de resto anunciada pelo Primeiro Ministro muito antes do parecer estar concluído, demonstrando que este era um mero pro forma.

Mas é inacreditável como um estudo epidemiológico feito à população de Souselas, que tem conclusões altamente preocupantes como o maior índice de certas patologias graves entre essa população, consegue ser transformado num argumento por parte do Governo para invocar a necessidade de co-incinerar resíduos perigosos em Souselas! E é inacreditável como o Governo concebe a queima e o transporte diário de resíduos perigosos na Arrábida, em plena área protegida, Governo suportado pelo partido que desafiou todos os outros a retirar a SECIL do Parque Natural devido à agressão traduzida por aquela cimenteira.

O Governo diz que a co-incineração constava do seu programa – mas porque sentiu necessidade de encomendar um relatório de actualização, que de resto basta lê-lo para perceber como é altamente tendencioso e fiel à decisão política previamente anunciada? Porque sabia que essa afirmação do programa não valia por si só.

O Governo diz que é preciso garantir o princípio da autosuficiência no tratamento de resíduos no país, mas é o próprio relatório que encomendou que garante que há resíduos que continuarão a ser exportados, como os halogenados e de teores elevados de metais pesados.

O Governo diz que queimar resíduos banais ou perigosos é o mesmo. Mas é o próprio relatório que encomendou que às páginas tantas assume que entre banais e perigosos “devem manter-se diferentes técnicas e condições de co-incineração” (pág 27) e descura-se os riscos de transporte e manuseamento e que a co-incineração não é um processo de destruição mas sim de transferência de componentes dos resíduos e que os metais pesados, mesmo que em menor quantidade, se introduzem no clinquer, uma componente essencial do cimento produzido e utilizado depois para construção. Que efeitos daí decorrem? Não foi avaliado!

Este processo obsessivo, viciado e enganador da co-incineração não contribui para implementar o tratamento de resíduos industriais sustentado em processos que tomem como primeiro objectivo a defesa da saúde e do ambiente.
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