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Intervenções na Ar (Escritas)
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09/12/2011
Debate de urgência sobre a ameaça à classificação do Alto Douro Vinhateiro, designadamente pela construção da Barragem de Foz Tua

Intervenções da Deputada Heloísa Apolónia- Assembleia da República, 9 de Dezembro de 2011

 1ª INTERVENÇÃO

Sr.ª Presidente, Sr.ª e Sr. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Primeiro, talvez seja importante dizer o que motivou este debate e que foi o conhecimento do conteúdo do relatório da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) sobre a barragem do Tua e as suas implicações no Alto Douro Vinhateiro.
Os Verdes tomaram conhecimento da existência deste relatório e das suas recomendações através de uma reunião com a UNESCO, que teve lugar no início de Novembro, em Paris, após a qual, na Assembleia da República, dirigimos um requerimento ao Sr. Secretário de Estado da Cultura pedindo o conteúdo do relatório e a respectiva resposta do Estado português, mas, até hoje, não obtivemos resposta a esse requerimento.
Portanto, inacreditavelmente, e mais uma vez, é através dos órgãos de comunicação social que este Parlamento toma conhecimento de um documento tão importante como este.
Ora, vamos, então, ao conteúdo do relatório, que é absolutamente arrasador em relação aos impactos da barragem do Tua e do próprio Plano Nacional de Barragens numa área classificada como património mundial, como o é o Alto Doutro Vinhateiro, e que confirma aquilo que sempre Os Verdes disseram e demonstraram, designadamente em 2007, na altura da consulta pública do Plano Nacional de Barragens, e também através da sua primeira denúncia à UNESCO e que o anterior governo e, ao que parece, o actual sempre insistem em negar: é que, de facto, a barragem do Tua tem — e, atenção!, os adjectivos que vou utilizar constam do próprio relatório — impactos severos e irreversíveis sobre aquele património mundial classificado.
Diz ainda o relatório que os impactos são de tal ordem que não é, de todo, possível minimizá-los e a descaracterização desta paisagem histórica do Alto Douro Vinhateiro é inegável com aquela barragem.
Diz o relatório uma outra coisa muito estranha e que até revela má-fé, e repito má-fé, ou seja, diz que a UNESCO não foi, em devido tempo, informada da construção da barragem e da sua implicação no Alto Douro Vinhateiro, insinuando que o Estado português não revelou a intenção dessa construção deliberadamente.
Diz, ainda, o relatório que o memorando do Plano Nacional de Barragens e a declaração de impacto ambiental da barragem do Tua não abordam as questões patrimoniais e a sua interferência nesta área classificada.
E, finalmente, diz ainda uma coisa muito importante e que é fulcral: que o Plano Nacional de Barragens deve ser revisto e que tem de se reavaliar a construção da barragem do Tua, ou seja, se ela deve ou não ser construída.
Ora, aquilo que Os Verdes dizem é que este relatório é um «aviso sério» à navegação, Sr. Secretário de Estado! Este património classificado está a ser ameaçado! E porque é que ele é classificado? É classificado pela sua riqueza paisagística, pela sua paisagem única, pela paisagem genuína, pela harmonia que ali se conseguiu integrar entre a acção humana e os valores naturais.
Então, o que é que é, na verdade, esta classificação como património mundial? É pôr um selo de qualidade naquele território! É dizer: é um património tão rico, tão único e tão relevante que deve ser conhecido pelo mundo inteiro.
Ora, por si só, esta classificação traz riqueza à região e então, se for potenciada pelo Governo português, mais riqueza trará, designadamente na área do turismo, e se interagir com outros factores, designadamente ao nível da mobilidade, temos um potencial riquíssimo de desenvolvimento daquela região e, consequentemente, do País.
Ora, poderá perguntar-se que custos se poderiam trazer para o País com a degradação do Alto Douro Vinhateiro decorrente da construção desta barragem. Um governo tão preocupado com a sua credibilização externa, certamente também incutirá essa preocupação numa eventual desclassificação deste património mundial.
Quantos milhões — já que estamos sempre a falar em custos — perderíamos, designadamente ao nível económico e turístico, caso esta desclassificação fosse para frente? Poderão dizer os Srs. Secretários de Estado que o relatório não diz lá ipsis verbis que a UNESCO vai desclassificar este património. Correcto! O relatório não diz isso, mas nós sabemos que a desclassificação não é imediata, nós sabemos que aqueles avisos que lá estão são muitos sérios, aquilo que lá está escrito no relatório é muito sério, ou seja, «os senhores estão a degradar aquilo que nós classificámos e que reconhecemos como património mundial».
É porque se, eventualmente, não tivessem existido outras desclassificações, nós até poderíamos interpretar assim, mas já há precedentes de desclassificação e começaram todos assim, com «avisos sérios à navegação», com avisos sérios aos Estados que, depois, não tomaram em devida conta essas recomendações e que resultaram em desclassificações, o que seria, no caso do Alto Douro Vinhateiro, uma coisa extraordinariamente preocupante.
Sr.ª Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo tem este relatório, pelo menos, desde Agosto, mas ainda não foi capaz de responder ao requerimento de Os Verdes enviando-o a esta Assembleia.
E aquilo que queremos saber hoje — e gostávamos de obter essa resposta — é o que é que o Governo respondeu à UNESCO por via deste relatório e destas recomendações e quando é que respondeu. É porque nós não podemos sair daqui hoje sem estas respostas!
Actualmente, o Governo português encontra-se numa posição, ou faz por se encontrar numa posição, relativamente confortável que é a de dizer «Nós recebemos esta herança!». Mas esta história não é contada assim, porque nós estamos a tempo de travar o crime económico, social e ambiental que é a barragem do Tua.
O Ministério da Economia «não ata nem desata»; o Ministério do Ambiente, através da Sr.ª Ministra, diz que a obra já vai altamente avançada, reconhecendo, depois, que aquilo que disse não corresponde à verdade e que a obra não está assim tão avançada; o Sr. Secretário de Estado da Cultura teve a amabilidade de receber uma delegação da Direcção de Os Verdes logo no início do seu mandato e nós tivemos a preocupação de levar ao conhecimento do Governo este problema, para que o desconhecimento não servisse de pretexto para a falta de intervenção. Por isso, eu gostava de saber o que é que o Sr. Secretário de Estado da Cultura fez, desde então, relativamente a esta matéria em concreto.
O Governo só tem uma coisa a decidir: ou está aqui para servir exclusivamente os interesses e o negócio da EDP; ou está aqui para servir o País, designadamente a região do Alto Douro Vinhateiro e esse património classificado. Nesse caso concreto, o Governo está ou não com vontade de parar este crime, que constitui a barragem do Tua, que significa praticamente zero do ponto de vista da electroprodução e do combate às alterações climáticas?

2ª INTERVENÇÃO

Sr.ª Presidente, gostava de dar algumas respostas a algumas questões que já foram levantadas, no debate, como, por exemplo, a questão do conhecimento do relatório.
Srs. Deputados, lamento: eu gostava de ter conhecido o relatório, através do Governo, mas o relatório foi tornado público pela comunicação social!
A partir desse momento, o seu conteúdo foi conhecido, mas claro que o queremos também dado pelo Governo. Mais: queremos conhecer, concretamente, qual é a resposta que o Governo dá a este relatório e às suas recomendações.
Depois, quanto àquilo que consta do relatório, desculpem, Srs. Deputados, mas ou andam muito desatentos ou não perceberam que isto está a ser dito, designadamente aqui, na Assembleia da República, pela boca de Os Verdes, não é há meses, nem há dias; é há anos, desde 2007! Ou os senhores só ouvem o que provém de algumas entidades a quem os senhores queiram dar alguma credibilidade? É isso?! Aos outros, não os querem ouvir!
Ah, pois!… Mas agora já perceberam que têm de levar a sério, muito a sério, aquilo que Os Verdes dizem, na Assembleia da República!
Estou a dirigir-me ao CDS e ao PSD pelo seguinte: os senhores, agora, vêm com uma conversa muito interessante mas que, na verdade, é extraordinariamente desinteressante, na vossa postura, ou que demonstra o grande desinteresse da vossa postura. É porque quando Os Verdes — na legislatura passada, em que os senhores estavam na oposição — apresentaram, na Assembleia da República, um projecto para suspensão do Plano Nacional de Barragens, não vi o vosso apoio, não vos vi a apoiar essa iniciativa!
Ah, pois não!… Mas agora dizem que ele podia ter sido suspenso, em tempo devido…
Podia ter sido parado, em tempo devido!
Srs. Deputados, alguma credibilidade nas vossas palavras também seria importante, porque a vossa oposição concreta a este Plano Nacional de Barragens e, designadamente, à construção da barragem do Tua também teria ajudado; teria ajudado a isolar o PS, e os senhores não o fizeram, em devido tempo!
E agora vêm com a «história da herança»?!… Peço desculpa, mas a «história da herança», aqui, não pega!!
Ao PS, já nem vale a pena dizer grande coisa, mas, Srs. Deputados, a vossa intervenção foi profundamente confrangedora! Os senhores querem tornar o Alto Douro Vinhateiro num Alto Douro «barrageiro»!
Peço desculpa, mas não é disso que o País precisa!
Não é disso que o País precisa! Os senhores tenham um pouco de vergonha naquilo que dizem!
Vou referir uma outra questão. Vêm-nos aqui com a história da minimização, mas o relatório é muito claro: minimizar, não é possível! Há impactos severos e impactos irreversíveis, mas agora os senhores já não têm a coragem de dizer aquilo que diziam, antes, que era «Isto não toca na área classificada; está à borda, está na fronteira». Não, não! Está lá dentro! É o que diz o relatório e aquilo que Os Verdes sempre disseram, mas que os senhores, agora, já não têm coragem de dizer! Agora, já não dizem que não está na área classificada! E os senhores não dizem isso, porque reconhecem que está na área classificada; mas, dizem: «Vamos minimizar». No entanto, o relatório é claríssimo e diz que minimizar não é possível!
Mais: abre-se aqui um precedente! E, depois, quero ver (como não conseguem enfrentar os interesses e a vontade da EDP) como vão dizer a outros privados que também não querem ligar aos interesses deles. Não, não têm legitimidade! O precedente está aberto dentro do Alto Douro Vinhateiro e, depois, vai ser por aí, fora!… E, depois, não querem desclassificação! Ela não será imediata, já aqui o dissemos; mas vocês estão a abrir crateras dentro do Alto Douro Vinhateiro, a caminhar, justamente, na lógica da sua degradação. A que levará a sua degradação? À sua possível desclassificação. É para isso que estão a contribuir! Tenham bem consciência daquilo que Os Verdes aqui vos dizem!
Sr.ª Presidente, eu queria responder a mais questões, peço desculpa, porque, entretanto, comecei a empolgar-me…, mas, como sei que o Governo ainda vai intervir, gostava de responder ao Governo, no final. Agora, respondi aos grupos parlamentares e, no final, responderei ao Governo.
Muito obrigada pela atenção, Sr.ª Presidente.

3ª INTERVENÇÃO

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: É curioso o facto de o Sr. Secretário de Estado da Energia não ter falado, é muito curioso…
Era a terceira intervenção de que eu estava à espera.
E é curioso porque julgo que o Governo já se começa a acanhar, neste argumento da nossa dependência energética e do contributo que a barragem do Tua e o próprio Plano Nacional de Barragens vão dar para essa dependência energética, porque o Governo sabe que é praticamente nulo! Aquela barragem do Tua vai servir para os interesses, para a negociata da EDP e vai significar praticamente zero, em termos da electroprodução nacional e, então, para o combate às alterações climáticas e os gases com efeito de estufa: zero! Portanto, aquela barragem não serve para nada, a não ser para a EDP «meter dinheirinho no bolso». Mas foi curioso, ficou registado!
Entretanto, eu gostava de dizer o seguinte: o Governo veio admitir que a única coisa com que está, agora, preocupado é em não perder aquela classificação, mas o relatório é muito claro, dizendo que aquela barragem tem implicações concretas naquela área protegida. Ou seja, se os senhores querem não perder a classificação (nem vamos colocar aqui só a questão em termos da não classificação), pergunto-lhes o seguinte: os senhores têm, ou não, vontade de preservar aquela área em concreto? Se tiverem essa vontade, a barragem tem de parar imediatamente!
E há uma coisa que deve ficar clara: os senhores têm, neste momento, o poder na mão para parar aquele crime; não descartem esse vosso poder! Os senhores têm o poder na mão e podem usá-lo! E, agora, qual é o grande receio? É não quererem usá-lo e quererem, única e exclusivamente, servir a EDP? Aí, serão iguaizinhos ao governo anterior e isso será muito, mas muito mau para o País!
Colocam a questão deste modo: «Face à situação que estamos a viver, no País, teremos condições para parar e atender aos custos que é necessário pagar?» Claro que sim, claro que temos!
É evidente, porque os custos da não paragem da barragem serão muito maiores!
Atenção: aquilo que os portugueses vão pagar pela construção daquela barragem, pela «maquilhagem» que os senhores lá querem agora introduzir, com mais custos que a EDP… Mas, os senhores julgam que a EDP, «boazinha», depois, vai pagar e não vai repercutir os custos sobre ninguém?! Não!! Serão, depois, os consumidores que vão pagar a sua energia mais cara pelo facto de a construção da barragem e da «maquilhagem» que os senhores, agora, querem lá introduzir, para ver se a UNESCO considera aquilo uma maravilha. Não, não tentem enganar ninguém: essa «maquilhagem» não engana ninguém.
Os senhores vão meter mais peso para os bolsos dos contribuintes, com a construção desta barragem, com o Plano Nacional de Barragens.
Não ficámos a saber qual a resposta que a Secretaria de Estado da Cultura vai dar ao relatório, mas, enfim, vou esperar até ao dia 16 de Dezembro, Sr. Secretário de Estado, para conhecer essa resposta por escrito.
Os Verdes reafirmam aqui que estamos em tempo de parar a barragem do Tua! Estamos em tempo de salvar esta região e este País! O Governo tem esse poder, é pena se não o utilizar, será uma oportunidade perdida!

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