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03/05/2007 |
debate de urgência sobre o Instituto da Conservação da Natureza - Intervenção de Abertura |
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Intervenção de abertura no debate de urgência sobre o Instituto da Conservação da Natureza, proferida pelo Deputado Francisco Madeira Lopes
Assembleia da República, 3 de Maio de 2007
Sr. Presidente, Sr. Ministro do Ambiente, Sras. e Srs. Deputados,
Portugal apresenta, felizmente, uma riqueza imensa em termos de património natural e de biodiversidade um pouco por todo o território nacional, e muito em especial e em particular nos Parques e Reservas Naturais e nas Áreas de Paisagem Protegida, expoentes máximos desse bem público tão inestimável e insubstituível quanto sensível e delicado.
A importância das Áreas Protegidas, bem como dos Habitats presentes nos Sítios de Importância Comunitária ou nas Zonas de Protecção Especial, que integram a Rede natura 2000 e em conjunto representam 22% do total do nosso território, é indiscutível, não só como repositórios de um património genético único, mas também como factor de sustentabilidade e equilíbrio dos ecossistemas dos quais depende a qualidade ambiental do ar, dos solos e dos nossos recursos hídricos, ou seja, da própria vida.
Infelizmente a política da Conservação da Natureza em Portugal não tem conhecido muitos dias felizes.
À triste realidade dos Fogos Florestais que no ano passado dizimaram 12 mil hectares de área protegida em Portugal, às construções ilegais, depósitos de entulho e lixeiras que grassam nalguns Parques, face à incapacidade fiscalizadora, à lentidão e à falta de transparência dos processos, ou à ausência de Planos de Ordenamento em cerca de metade das Áreas Protegidas, somam-se agora os ataques de alguns mega-empreendimentos turísticos em Rede Natura, com a mais alta chancela pública, e um Plano de Desenvolvimento Rural que deixa de fora a esmagadora maioria de áreas de rede natura que poderiam beneficiar de apoios para projectos agro-ambientais fundamentais para a fixação de populações nessas regiões.
A falta de técnicos e de funcionários especializados, designadamente dos que têm por missão vigiar e fiscalizar no terreno, contactando com as populações e exercendo um importantíssimo papel educativo e de esclarecimento, a falta muito em concreto de vigilantes da natureza, com apenas cerca de 150 destes profissionais para todas as áreas protegidas, ou seja para 700 mil hectares, já nem falando nos 2 milhões de hectares de Rede Natura, dá uma média de mais de 4.600 hectares por vigilante, não explicando tudo, dá certamente boas pistas para compreender a que situação se chegou actualmente.
Uma situação em que, o Instituto da Conservação da Natureza ou ICN, criado em 1993, herdeiro do Serviço Nacional de Parques, Reservas e Património Paisagístico datado de 1975, tem sido vítima de um crónico sub-investimento por parte dos sucessivos Governos, designadamente nos últimos anos, votando-o a um verdadeiro estrangulamento financeiro, responsável por inúmeras dificuldades que têm minado o dia a dia das Direcções das Áreas Protegidas e dos seus funcionários que procuram, com os poucos meios ao seu dispor, executar a difícil missão que têm a seu cargo.
Isto tem transformado o ICN em pouco mais que uma máquina burocrática de aprovação ou chumbo de projectos, com os técnicos fechados em gabinetes e atulhados de processos, criando situações verdadeiramente caricatas, se não fossem vergonhosas, como a falta de meios financeiros a comprometer, para além do pagamento atempado de salários, as próprias deslocações ao terreno, por falta de parque automóvel ou de combustível, ou a realização do mero expediente, como a simples impressão de documentos, fazer telefonemas ou enviar correio.
Neste cenário é óbvio que algumas das tarefas mais importantes, como a de gestão florestal, prevenção e combate a incêndios, controle de infestantes ou implementação de projectos de conservação da natureza, vão ficando inevitavelmente para trás e sendo sucessivamente adiadas.
Esta situação crítica e preocupante levou ao pedido por parte dos responsáveis do ICN, na busca de soluções, da realização de uma reestruturação deste Instituto Público, a qual foi anunciada por este governo logo no início do mandato.
Contudo, apesar de já decorridos dois anos durante os quais o Sr. Ministro do Ambiente foi confrontado na Assembleia da República pel’ “Os Verdes” e por outros partidos da oposição, quer em sede de dois Orçamentos de Estado quer em pelo menos duas reuniões de Comissões, mais recentemente, nas quais esteve agendado a discussão da reestruturação do ICN, sempre o Sr. Ministro se recusou não só a discutir a fundo esta questão mas até mesmo a disponibilizar um mínimo de informações acerca dos planos e das intenções do Governo e das linhas com que se coseria esta reforma.
Por isso mesmo, a bancada do Partido Ecologista “Os Verdes”, entendendo ser de primordial importância para o desenvolvimento sustentável do país a adequada gestão das nossas áreas protegidas, a qual depende em concreto dos meios e da capacidade para responder às necessidades de salvaguardar o interesse público da conservação da natureza de que dispuser o ICN, decidiu usar o seu agendamento potestativo para provocar um Debate de Urgência e exigir, por fim, as explicações, o debate e o respeito devido a esta câmara.
Com efeito, foi mais o que se foi sabendo pela própria comunicação social do que em informações prestadas directamente à Assembleia da República.
E se essas informações não auguravam nada de bom, a publicação nos últimos dias do Decreto-Lei 136/2007, que cria o Instituto de Conservação da natureza e Biodiversidade que já substituiu o anterior ICN, e da Portaria nº530/2007, que aprovou os respectivos estatutos vêm confirmar o pior dos cenários: um cenário de desresponsabilização do Estado da tarefa fundamental de promover a conservação da natureza transformando também esta área num negócio chorudo para privados.
Apesar do Governo não avançar ainda para a empresarialização do ICN, é teoricamente só isso que fica a faltar fazer e que poderá ser feito por um próximo Governo de direita como este.
Porque na prática, face às dificuldades existentes nas Áreas protegidas qual foi a opção deste Governo?
Faça à falta de meios humanos, em vez de reforçar os quadros com os técnicos e funcionários em falta, coloca os actuais funcionários entre a espada e a parede obrigando-os a aceitar o regime do contrato individual de trabalho, anulando a sua situação de emprego público, sob pena de serem empurrados para o quadro dos excedentários, num ataque à sua situação profissional que em nada contribui para a estabilidade e segurança essenciais à prestação de um bom serviço público e parecendo confirmar os receios de futuros despedimentos e reduções de pessoal que serão extremamente nocivas para o futuro dos Parques.
Aliás, esta decisão aparece em contradição flagrante com o artigo 34º-A da Lei nº3/2004 recentemente aditado por este mesmo Governo que prevê, que em situações de alteração de regimes de pessoal dos Institutos Públicos, se mantenha o regime de emprego para os trabalhadores que se mantém em funções e junta-se ainda a um outro retrocesso que é, contrariando o que este Governo fez em 2005, em que os Directores das Áreas Protegidas passaram a ser escolhidos por concurso público, garantindo a equidade, transparência e a escolha dos mais competentes, volta-se ao antigamente em que é o governo que nomeia quem entende da sua confiança.
Face à falta de meios financeiros do ICN, que, nas palavras do Sr. Ministro, tem estado ao longo dos anos sujeito a altos e baixos, faltando acrescentar mais baixos que altos e por culpa exclusiva dos Governos (!), em vez de se decidir por dotar financeiramente e à altura da sua missão, competência e tarefas o ICN opta-se por condená-lo a ter que produzir receitas próprias, com o objectivo de atingir os 2/3 de autosuficiência, cobrando taxas aos cidadãos que queiram usufruir daquilo que é património de todos e patrocinando uma preocupante promiscuidade com o sector privado, em parcerias público-privadas com empresas como cimenteiras, indústria química ou de pasta de papel, substituindo o objectivo de salvaguarda do interesse público pelo objectivo busca e maximização do lucro, convertendo o património natural de todos num negócio privado de alguns.
Mas vai-se mais longe: com a criação de 5 super-áreas ou “Departamentos de Gestão de Áreas Classificadas”, o Governo irá produzir uma preocupante centralização de competências, afastando o centro de decisão do terreno e das populações, deixando ali meros executores técnicos sem capacidade negocial ao mesmo tempo em que afasta definitivamente as Autarquias dos órgãos colegiais nos quais conheciam, discutiam, participavam e davam contributos para as decisões que afectam também os seus territórios e os seus munícipes, remetidas as Câmaras e Juntas de freguesia para os Conselhos Estratégicos de natureza meramente consultiva e não vinculativa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados,
Face a este cenário, podemos esperar o pior: uma política de conservação da natureza sujeita aos ditames do mercado, sujeita a uma lógica economicista mascarada de modernidade, sob a anglofonia e o economês dos “clusters” e da “Business & Biodiversity” como a grande aposta e uma das prioridades para a presidência portuguesa da União Europeia, que na verdade mais não escondem do que a pura desresponsabilização do Estado na protecção da natureza, e o início da privatização das áreas protegidas no total desrespeito pelo interesse público nacional.