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03/05/2007 |
debate de urgência sobre o Instituto da Conservação da Natureza e Biodiversidade - Intervenção de Encerramento |
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Intervenção final no debate de urgência sobre o Instituto da Conservação da Natureza e Biodiversidade, proferida pelo Deputado Álvaro Saraiva
Assembleia da República, 3 de Maio de 2007
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Senhoras e Senhores Deputados,
Com a realização deste debate de urgência, agendado pl’”Os Verdes”, a Assembleia da Republica teve hoje a oportunidade de discutir uma questão fundamental na área do ambiente, que tem a ver com a reestruturação do Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB). E temos que reafirmar que “Os Verdes” por diversas vezes tentaram obter informação por parte do Governo, o qual se procurou sempre esquivar a respostas.
Hoje o Sr. Secretário de Estado continuou a optar por respostas vagas, procurando fugir ao cabal esclarecimento que se impõe.
O que está em causa é que com esta reestruturação o que vamos assistir é a um maior estrangulamento do funcionamento do Instituto da Conservação da Natureza, quer a nível financeiro quer a nível de quadro de pessoal.
No financiamento o que temos vindo a constatar é a uma cada vez maior redução nas verbas a afectar: em 2007 conta no seu orçamento com cerca de metade do previsto em 2002 e sofre um corte de 18,6% em relação a 2006. Com isto assistimos a casos caricatos como a deslocações suspensas por falta de verbas como aconteceu o ano passado, ou mais recentemente com o corte de verbas aos centros de recuperação de animais selvagens.
Em 23 de Março num jornal diário o Sr. Ministro falava da necessidade das áreas classificadas aumentarem as receitas próprias salientando que a breve prazo haveria um conjunto de empresas disponíveis para trabalhar com o ICN. Vamos cruzar negócios com a conservação da natureza. Que negócios são esses? Que empresas são essas? Quais as áreas de intervenção?
Também ficamos preocupados com a criação de taxas para visitantes das áreas protegidas que, segundo noticias, terão que ser vistas caso a caso – dado a maioria dos terrenos serem privados, segundo alguns técnicos do ICN.
Quanto ao futuro dos funcionários do ICNB, as perspectivas de reestruturação proposta poderão conduzir à progressiva paralisação dos serviços, o que pode disfarçar um possível pretexto para a sua privatização.
Aliás, é sustentada a hipótese de abrir a lógica das parcerias público-privadas, na gestão, o que pode claramente vir a converter objectivos de conservação da natureza e de preservação da biodiversidade em objectivos de obtenção de lucros a curto prazo.
Com a publicação do Dec.Lei 136/2007 de 27 de Abril, constatamos que o Sr. Ministro, na mesma linha do Governo, continua na “penumbra” a perseguir os trabalhadores da função pública. No art. 17 define o regime transitório de função pública, no seu nº1 é bem explícito que
“os funcionários públicos do quadro de pessoal do Instituto da Conservação da Natureza podem optar pelo regime do contrato individual de trabalho, no prazo de 90 dias a contar da data da notificação que lhe seja feita pelo serviço, nos termos do nº 7 do artº 16 da Lei 53/2006,
ou ,
quando não haja lugar à aplicação de métodos de selecção, da publicitação das listas e mapa a que se refere o nº3 do artº 14 da referida Lei, o que quer dizer são colocados na lista dos disponíveis (para a mobilidade)”
Mais, no mesmo art. 17, nº 3, é dito que a celebração do contrato individual de trabalho implica a exoneração do lugar de origem e a cessação do vínculo à função pública.
Com esta reestruturação assistimos a uma proposta de centralização da gestão das Áreas Protegidas em cinco super áreas. Com esta formulação corre-se o risco de diminuirmos ainda mais a celeridade das decisões da administração pública e afastar essas decisões da realidade concreta do território.
Para além disso, as experiências pontuais que já hoje existem de concentração de áreas classificadas (Ex.: PNA e Reserva Natural do Estuário do Sado, áreas protegidas com a mesma direcção) têm dado bem conta da forma como os meios se tornam ainda mais insuficientes e de como se fragiliza a gestão de algumas dessas áreas pela dispersão de problemas diferentes e pela incapacidade de acompanhar da mesma forma as prioridades que requerem resposta.
Por isso, “Os Verdes” assumem uma forte discordância em relação à proposta do Governo de concentrar as áreas protegidas.
Outro ponto a salientar e que, em nosso entender, é um retrocesso significativo na transparência dos cargos dirigentes, é a nomeação dos Directores. Até aqui estes cargos eram ocupados por concurso público, processo com o qual concordamos.
Ora com esta reestruturação, os Directores das áreas protegidas passam novamente a ser nomeados pelo Governo por via do Ministério para garantir que sejam de total confiança politica do Governo, trocando-se a competência técnica pela confiança partidária, de modo a que não contestem a vergonhosa opção de desinvestimento real e significativo na Conservação da Natureza. O que o PS criticou no Governo PSD/PP, está agora a adoptar como Governo.
O que é, na nossa perspectiva, importante, é manter a isenção dos Directores das áreas protegidas, de modo a que a sua competência técnica e profissional esteja acima de interesses e pressões de quem estão dependentes para ser nomeados, quando definitivamente não estamos perante um cargo que para o seu correcto exercício exija confiança politica.
E já tivemos exemplos dessa tentativa de silenciar Directores de áreas protegidas, quando em 2005 o Director do Parque Natural da Serra da Estrela, parque flagelado pelos fogos florestais, foi impedido de prestar declarações públicas sobre os incêndios e a fragilização dos meios de prevenção e combate.
Ainda relativamente à participação dos municípios na gestão das áreas protegidas, voltamos a reafirmar que não concordamos com o facto das autarquias locais, que estão mais próximas das populações, deixarem de ter um papel participativo nas mesmas, o que, como aliás já dissemos, viola a Lei 159/99 de 14 de Setembro.
Sr. Presidente
Sr. Secretário de Estado
Sras. e Srs. Deputados
Para finalizar, “Os Verdes” deixam aqui um sublinhado: o conjunto de questões que foram colocadas devem suscitar uma profunda reflexão por parte do Ministério. É pois uma boa oportunidade para o Governo fazer o que por regra não é feito, que é ter uma política de ambiente verdadeiramente eficaz e activa e que o Instituto da Conservação da Natureza deve reforçar o seu quadro de pessoal nomeadamente na área de vigilantes assim como apostar num alargamento da Educação Ambiental, tendo como destinatários as próprias populações residentes, não só na perspectiva de contrariar práticas gravosas para o Ambiente, como também de valorizar e potenciar saberes e ensinamentos positivos resultantes das vivências locais.