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Intervenções na Ar (Escritas)
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08/07/2015
Debate do estado da Nação
Intervenção da Deputada Heloísa Apolónia
Debate do estado da Nação
- Assembleia da República, 8 de Julho de 2015 –

1ª Intervenção
Sr.ª Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, de facto, não sei como é que consigo chegar ao final da Legislatura ainda estupefacta com os discursos do Sr. Primeiro-Ministro.
Repare bem: neste debate, houve uma parte muito engraçada onde o Sr. Primeiro-Ministro decidiu falar das 10 pragas do PS. Pergunto-me por que é que o Sr. Primeiro-Ministro decidiu esconder, na análise dessas pragas, que o PSD viabilizou três PEC (Programa de Estabilidade e Crescimento) do Governo do PS, viabilizou os Orçamento do Estado do Governo do PS, votou a nacionalização do BPN, assinou o acordo com a troica — aliás, assinaram os três, PS, PSD e CDS.
Ó Sr. Primeiro-Ministro, não o disse porquê? Para não chegar à conclusão de que o PSD também é uma praga?!
Sr. Primeiro-Ministro, isto só demonstra que esta alternância só dá para fazer muito igual em coisas absolutamente essenciais. O senhor teve muita responsabilidade naquilo que está a acusar, e deve assumi-lo.
O Sr. Primeiro-Ministro começa e acaba o mandato — e o Governo no seu todo —, com um problema sério de credibilidade na palavra. Já aqui dissemos muitas vezes, e talvez no debate sobre o estado da Nação seja importante relembrá-lo, que o Sr. Primeiro-Ministro disse muita coisa em campanha eleitoral e depois fez exatamente o contrário. Disse que não aumentaria impostos, que não cortaria salários e, na altura, já conhecia o programa da troica. Portanto, não foi surpreendido por medidas que pensava que não tinha de fazer mas afinal tinha de fazer.
Portanto, de facto, aquilo que fez foi mentir, não há outra palavra que possa caraterizar isto.
Disse também que os cortes eram temporários, mas avançaram. A troica foi embora, mas continuaram os cortes e continuarão numa próxima legislatura.
O Sr. Primeiro-Ministro até diz que a emigração não aumentou em Portugal e até teve o descaramento de dizer aqui, num debate quinzenal, que o IVA, com este Governo, não aumentou. Mas como é que é possível chegar a este desplante, Sr. Primeiro-Ministro?!
E hoje veio com uma nova: como um dos compromissos do Governo era baixar a dívida e como notoriamente a dívida não baixou, aumentou, o Sr. Primeiro-Ministro diz que a dívida aumentou porque tinha mesmo de aumentar, não podia baixar. Então, por que é que não disse isso aos portugueses e disse exatamente o contrário?!
Sr. Primeiro-Ministro, há coisas que, de facto, não são minimamente aceitáveis.
Mas veio com uma outra nova: defende — já aqui foi falado — a guerra sem quartel às desigualdades. Como é que podemos acreditar nisto num Governo que levou o mandato inteiro, na íntegra, a empobrecer as pessoas para salvar uma minoria de ricos?!
Sr. Primeiro-Ministro, como é que vai combater as desigualdades sociais?!
Vamos tentar ensaiar pegando em duas medidas para ver se é por esta via: o Sr. Primeiro-Ministro quer garantir que todos os desempregados em Portugal vão ter acesso a um apoio social, a um subsídio de desemprego, dado que atualmente, com o seu Governo, o que acontece é que dois terços não recebem qualquer apoio social?! É esta a via para o combate às desigualdades, Sr. Primeiro-Ministro?!
O Sr. Primeiro-Ministro vai repor o IVA da restauração em 13%?! É porque sabemos que a subida para os 25% gerou muito desemprego. Ora, o contrário será motor de criação de emprego. Fará isso? Sr. Primeiro-Ministro, vai baixar o IVA para os 13%? É que talvez seja importante termos aqui algumas respostas concretas.
De facto, o que o Sr. Primeiro-Ministro escondeu, no seu discurso inicial e durante todo o decurso do debate, foram coisas que não podem ser ignoradas, porque são de tal modo graves que precisam ser atendidas para que depois possamos dar as respostas adequadas e necessárias para a sua resolução.
O Sr. Primeiro-Ministro não diz que tem 2,5 milhões de portugueses naquelas que chamou «bolsas de pobreza», como se fossem umas bolsinhas de pobreza. Não! É uma bolsa grossa de pobreza. E aumentou com este Governo.
Sr. Primeiro-Ministro, a emigração está em níveis altíssimos — temos a taxa mais elevada de emigração da União Europeia —, o desemprego está altíssimo e temos um desemprego de longa duração absolutamente preocupante e crescente. Tenho tanta pena que o Sr. Deputado Luís Montenegro nunca tenha levantado a voz na Assembleia da República, no decurso de todos os debates que aqui se realizaram, para mostrar a sua estupefação pelas filas de espera nos centros de emprego ou nos centros de saúde para marcar uma singela consulta, para ter acesso ao direito à saúde e, sabe, há muitas pessoas que não vão ao banco buscar dinheiro porque não o têm! Pense nisso, Sr. Deputado Luís Montenegro. Pense nisso.
Sr. Primeiro-Ministro, como vê, há muita coisa que ficou esquecida na sua intervenção inicial e no decurso deste debate.
Sobre a Grécia, também gostava de dizer algo tão simples quanto isto: se o Sr. Primeiro-Ministro e este Governo não respeitam o povo português, que expetativa poderíamos ter que viesse a respeitar o povo da Grécia?! Eu não tinha essa expetativa, se bem que é preciso assinalar que é justo e necessário que, de uma vez por todas, se comece a olhar para os interesses e vontades dos povos e das pessoas e não para as elites europeias. E este Governo, durante todo o mandato, mostrou-se subserviente, absolutamente subserviente, às elites europeias.
2ª Intervenção
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Se há palavras que podem caracterizar a política de ambiente nesta Legislatura são a cedência a grandes interesses — isto é, negociata no setor do ambiente —, o autoritarismo e o desinvestimento.
Relativamente à cedência a grandes interesses instalados, aquilo a que chamei de negociata, é importante relembrar que este Governo teve na sua mão a possibilidade absoluta de parar com o crime económico, social e ambiental que representa a construção da barragem do Tua, que tem impactos fortíssimos sobre o litoral e em relação à qual o Governo diz que está a investir. Não é verdade, Sr. Ministro do Ambiente? Estão a cometer erros desta natureza, com impactos relevantes sobre o litoral, que vão custar muito caro aos portugueses quando repuserem a asneira que aquela barragem representa. Para quê esta barragem? Para favorecer a EDP!
Também sobre a cedência a interesses instalados: este Governo tem na sua mão a possibilidade de parar com o cultivo de organismos geneticamente modificados em Portugal. O que é que faz? Rigorosamente nada, cedendo aos interesses das multinacionais do setor agroalimentar, designadamente da Monsanto.
Ainda sobre a cedência a interesses instalados: o que é que o Governo fez na área dos resíduos? Privatizou a EGF, uma empresa que dava lucro.
Sr. Ministro do Ambiente, já agora, gostava que reagisse, se eventualmente vier a fazer uma intervenção, à seguinte questão: no primeiro anúncio da privatização da EGF, afirmaram que tinham 25% de trabalhadores a mais. Ou seja, é a lógica que aqui temos sempre denunciado: privatização é igual a despedimento. Isto é absolutamente inacreditável, Sr. Ministro!
Outra palavra que referi que caracteriza a política de ambiente deste Governo é autoritarismo, que foi o que se deu com a reforma do setor da água, numa lógica completamente contrária às autarquias e aos interesses das populações e preparando um caminho nítido para a privatização da água. Se isso não fosse intenção do Governo e da maioria, teriam aprovado a proposta que Os Verdes fizeram no sentido de integrar na lei-quadro da água o princípio da não privatização do setor da água. Negaram-no porque têm essa perspetiva para o futuro.
Mais: a Lei de Bases do Ambiente foi aprovada de uma forma absolutamente autoritária na Assembleia da República. E que pena não se terem lembrado do processo que aqui decorreu em 1986/87, em que houve uma grande maioria de apoio à então Lei de Bases do Ambiente!… Agora, fizeram um processo completamente inverso: votaram sozinhos.
Outra palavra que caracteriza esta política de ambiente é o desinvestimento, fundamentalmente na conservação da natureza. Quando falamos da conservação da natureza e da biodiversidade, falamos de questões muito sérias: falamos de suporte de vida, falamos de serviços que nos são prestados gratuitamente e os quais devemos preservar, falamos de preservação de ecossistemas, falamos de preservação de espécies, falamos de preservação de genes. Portanto, falamos de uma dimensão global da vida.
Este Governo, pura e simplesmente, virou costas à conservação da natureza, desinvestindo brutalmente nos organismos que têm esta responsabilidade, e também virou costas à questão da vigilância da natureza, designadamente ao nível de meios humanos e técnicos.
Este Ministério do Ambiente não teve força para a transversalidade necessária que se impõe à política de ambiente. Nesta Legislatura, quando confrontado com a importância que o setor dos transportes tem para o ambiente e, designadamente, sobre o combate às alterações climáticas, ouvi o Sr. Ministro do Ambiente dizer: «Eu não sou Ministro dos Transportes!». Não é, de facto, mas não teve capacidade para influenciar em coisas que são fundamentais. Se houvesse dúvidas para tanto, bastaria olhar para a designada «reforma de fiscalidade ambiental», que não tocou rigorosamente em nenhuma questão que é fundamental nesta área, como é o caso da matéria dos transportes.
Bem, transversalidade conseguiu a Sr.ª Ministra das Finanças — justiça lhe seja feita! —, mas com muito má consequência para o povo português. É que a fiscalidade ambiental foi feita e laborada única e exclusivamente porque o Governo precisava de 150 milhões de euros. É uma vergonha e uma frustração, Sr. Ministro do Ambiente!
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