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29/04/2005
Debate mensal com o Primeiro-Ministro
Intervenção do Deputado Francisco Madeira Lopes No debate mensal com o Primeiro-Ministro
Lisboa, 29 de Abril de 2005
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O Sr. Presidente: — Para formular a sua pergunta, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, antes de mais, quero saudá-lo nessa qualidade neste primeiro debate mensal na Assembleia da República, esperando que se sigam muitos outros.


Na sua intervenção de abertura, o Sr. Primeiro-Ministro omitiu duas questões que já foram aqui levantadas pelas bancadas do PCP e do BE, o que demonstra também, em nosso entender, um certo «estar de costas viradas» para os operadores judiciários, porque são duas questões que têm sido muito discutidas entre os juízes, os advogados, os solicitadores, os notários, os conservadores. Pensamos que isso não é um sinal positivo. O Governo deve procurar dialogar com os operadores judiciários — o que, certamente, não são discussões estéreis.

O acesso ao direito é uma questão que também nos preocupa pelo que nos vemos obrigados a trazê-la hoje ao debate. Com efeito, o aumento das custas judiciais e dos actos notariais tem agravado as dificuldades daqueles que menos podem e menos têm.

O apoio judiciário, sob o pretexto de que era demasiado amplo e dava cobertura a situações que não mereciam a sua protecção, viu-se demasiado restringido, tendo saltado fora da sua protecção situações que mereciam essa defesa. De resto, foram encontradas situações verdadeiramente maquiavélicas, designadamente quando, em vez de ser deferida a dispensa do pagamento da taxa de justiça inicial, se optou pela modalidade de pagamento em prestações, em que às vezes a primeira prestação, que tem de ser paga logo a seguir, é quase do mesmo valor da taxa de justiça inicial. De facto, não se está a prestar um apoio a quem é carenciado, mas a manter as dificuldades da denegação da justiça.

Também a falhada reforma do processo executivo continua a levantar problemas extremamente graves: milhares de processos parados nas insuficientes secretarias de execução; um sistema informativo frequentemente bloqueado, que, ainda recentemente, teve de ser revisto; custos acrescidos pela introdução de agentes de fora do tribunal que levam a que o processo executivo seja cada vez mais só para as empresas, para os bancos, para quem mais pode, pois quem tem menos e, eventualmente, tem dívidas de menor valor (mas que para os próprios assumem um carácter muito importante na sua economia familiar) vê denegado o direito à acção executiva.

Se a celeridade é importante, Sr. Primeiro-Ministro, se a morosidade pode matar a justiça, se calhar o que mais rapidamente a mata é a falta de justiça e de igualdade na justiça.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Muito bem!

O Orador: — O acesso à justiça tem de ser igual para todos. Para que a justiça se torne, de facto, um factor de desenvolvimento, é preciso que seja mais justa, isto é, mais igual para todos.
Falar de justiça e de igualdade impõe que se fale também de justiça social.


Recentemente, o Governo do PS decidiu aumentar 3,7% o preço dos transportes colectivos públicos, com início a partir de Maio. Para tal, invoca razões relacionadas com a inflação e também com a variação do preço dos combustíveis, o que significa que pretende acompanhar a lógica sobre esta matéria seguida pelo anterior governo, do PSD, em relação à qual somos frontalmente contra.

É que, de entre os cidadãos dos países da União Europeia, os portugueses já são quem mais paga em termos de habitação, saúde, electricidade, comunicações e transportes e, ainda, aqueles cujos salários e pensões são os piores. Ora, tendo em consideração que os portugueses sempre foram dos mais carenciados, têm necessidade de apoio social no que diz respeito aos transportes colectivos.

Esta é uma medida extremamente gravosa do ponto de vista social, mas também do ponto de vista ambiental, como V. Ex.ª certamente reconhecerá, face aos compromissos assumidos no âmbito do Protocolo de Quioto sobre a emissão de gases poluentes. É que todas estas medidas vão empurrar o cidadão para o uso do automóvel particular, com graves implicações em termos do efeito de estufa e do aquecimento global do Planeta.

A este propósito, reaparecem as questões da seca, da saúde pública, do stress, da qualidade do ar nas nossas cidades, questões importantes cuja resolução esta medida vem retardar.
Convém lembrar que, em 2004, o preço dos transportes públicos aumentou 6,8%, valor muito acima da inflação e, principalmente, muito superior ao aumento verificado nos salários e nas pensões.
Quando entrar em vigor este aumento de 3,7% teremos assistido a um aumento de 10,5% no preço dos transportes públicos ao longo de um período de 14 meses. Ora, Sr. Primeiro-Ministro, neste mesmo período, quanto aumentaram os salários e as pensões?

Por outro lado, continua por resolver a questão dos passes sociais em relação aos operadores privados de transportes, que envolvem cerca de 5 milhões de utentes. Gostaria que o Sr. Primeiro-Ministro nos desse um sinal de que a situação está a progredir e gostaria de saber quando teremos uma resposta concreta em relação a esta questão.
Por falar em justiça e em crime, tenho de falar num crime ambiental no sentido do qual o Governo já deu o primeiro passo.

Na verdade, na semana passada, o Governo aprovou, em Conselho de Ministros, um decreto-lei que prevê as regras de coexistência entre o cultivo de organismos transgénicos (OGM) e o de produtos biológicos ou culturas convencionais.
É conhecida a posição de Os Verdes em relação a esta matéria. De resto, o nosso trabalho sobre isso, nesta Assembleia, remonta à VIII Legislatura. Nesta matéria, Os Verdes sempre têm defendido o princípio da precaução e, aliás, na discussão do Programa do Governo, o Sr. Primeiro-Ministro também disse que o defendia e que o mesmo constituía uma sua grande preocupação. Se assim é, por que é que o Governo avança já com o referido decreto-lei?

Já agora, gostaríamos de saber em que estudos de viabilidade económica e de impacte sobre o ambiente, a saúde pública e os direitos do consumidor se baseou o Governo para avançar com este decreto-lei.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes, o Governo aprovou das regras mais exigentes para o cultivo de organismos geneticamente modificados (OGM).

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Não parece ser verdade!

O Orador: — Portugal é, de entre os países da Europa, aquele onde são mais fortes as exigências de segurança. Por isso, não me pesa na consciência nenhum crime ambiental. Bem pelo contrário.
No entanto, o que não temos é um preconceito quanto aos OGM como os senhores têm. Lamento, mas ainda não é crime não ter preconceitos!
A verdade é que, no mundo inteiro, os organismos geneticamente modificados deram um bom contributo para matar a fome a muita gente.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Para matar a biodiversidade!

O Orador: — O problema dos organismos geneticamente modificados é o de que devem obedecer às regras de segurança e de rotulagem que permitam ser o consumidor a escolher.
Portanto, segurança nos testes, segurança no cultivo e, também, possibilidade de escolha. Foi isso que estatuímos na nossa legislação.
Posto isto, Sr. Deputado, estou muito de acordo com o retrato que faz da situação da justiça. Aliás, foi por isso que apresentámos as medidas concretas que aqui enunciei e às quais lamento que o Sr. Deputado não se tenha referido. A não ser que não o tenha feito porque concorda com as medidas e que se dispense de as referir só porque, sendo de iniciativa do Governo e estando o Sr. Deputado de acordo, não o pode confessar.
Sr. Deputado, o Governo dialoga com operadores judiciais, sim, mas esse não é o nosso fim. O nosso fim é o de servir melhor os cidadãos.

O Sr. Alberto Martins (PS): — Muito bem!

O Orador: — E a forma de melhor servir os cidadãos é fazer o diálogo que estamos a fazer, mas tomar as medidas que devem ser tomadas para servir as pessoas, não os operadores judiciais. O seu é um vício de raciocínio que, presumo, ninguém acompanha.
Finalmente, não há governo que não gostasse de não aumentar o preço dos transportes, mas acontece que o Sr. Deputado conhece tão bem quanto eu próprio a evolução do preço do petróleo, e escuso-me de dizer mais sobre isso.
Assim, estamos é a proceder no sentido de que não deixe de ser feito tudo o que signifique dar apoio aos mais desfavorecidos. É por isso que estamos em negociações para que o passe social possa ser uma realidade em todos os transportes públicos, mesmo os que são operados por privados.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes para replicar.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, volta a referir que não tem preconceitos em relação aos organismos geneticamente modificados. Mas é importante ter opinião sobre as questões e tal só deve ser considerado preconceito quando não tem razão de ser.
Ora, havendo estudos, cientistas, ambientalistas que alertam para os possíveis efeitos nefastos dos OGM, para experiências que apontam claramente para uma diminuição da biodiversidade, segundo os quais existe e é verdadeira a contaminação do ambiente por parte dos organismos geneticamente modificados, o que dizemos não corresponde a medos nem a preconceitos, são opiniões baseadas em estudos científicos.
Naturalmente, os estudos em que baseamos as nossas opiniões não são os mesmos efectuados por cientistas muitas vezes a soldo de multinacionais de biotecnologia que, naturalmente, pretendem patentear as respectivas sementes e ter na sua mão todos os agricultores do mundo.
Pela nossa parte, baseamo-nos em cientistas livres, livres-pensadores que alertam para os problemas. Se considera que isto é ter preconceitos, nós entendemos que não, que é tomar cautela, pretender salvaguardar o bem público.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Orador: — Pretendemos salvaguardar uma situação que não terá retrocesso uma vez lançados no ambiente os organismos geneticamente modificados. Portanto, a precaução impõe-se, Sr. Primeiro-Ministro.
Ora, a precaução não se consegue obter através da rotulagem, não se consegue simplesmente dando aos consumidores o direito de escolherem entre consumir os produtos transgénicos ou os produzidos preferencialmente através de métodos biológicos. É que, se o consumidor confia no seu Governo e se este, aparentemente sem estar de posse de bases concretas sobre os impactes que os transgénicos podem ter na saúde pública, lhe diz que pode consumir, que tem essa opção, então, naturalmente, o consumidor irá consumi-los e depois se verão os resultados. Mas com isso não está o senhor preocupado porque não tem preconceitos!… Lamentamos!
Quanto à fome no mundo, o mesmo se dizia sobre o DDT, produto acerca do qual, quando apareceu, se dizia que iria resolver o problema da fome nos países subdesenvolvidos. Foi o que se viu, Sr. Primeiro-Ministro!
Verificamos que o Sr. Primeiro-Ministro partilha das nossas preocupações sociais e congratulamo-nos com isso. Ficamos à espera para ver quando surgirão essas medidas.
Sr. Primeiro-Ministro, ainda tenho de colocar-lhe mais uma questão que diz respeito às prisões. Considerando que um dos principais objectivos da política criminal é, precisamente, o da ressocialização do indivíduo, do recluso, e que tal objectivo tem estado muito aquém de ser atingido pela política criminal no nosso país, fiquei preocupado porque o Programa do Governo praticamente não faz referências à política criminal, limitando-se a uma questão que é muito importante — e já lá irei —, a da toxicodependências nas cadeias.
Na sua intervenção, o Sr. Primeiro-Ministro refere-se às recomendações contidas no relatório da Comissão de Estudo e Debate da Reforma do Sistema Prisional, com o que ficamos contentes. No referido relatório, a Comissão refere-se a uma questão, já aqui suscitada várias vezes por Os Verdes, que se prende com a toxicodependência.
Dado que o problema da toxicodependência é a única referência feita pelo Governo às questões relacionadas com o meio prisional português e tendo, ainda, em consideração que o recentemente indigitado Presidente do Instituto da Droga e da Toxicodependência também já anunciou ser favorável ao processo de trocas de seringas, gostaríamos de saber se o Sr. Primeiro-Ministro irá implementar aquela medida que, de resto, corresponde a uma proposta que estava incluída no projecto de lei de Os Verdes que conduziu à Lei n.º 170/99, mas que foi expurgada da matéria relativa à troca de seringas.

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Orador: — Entretanto, na anterior legislatura, Os Verdes fizeram duas propostas com vista a reintroduzir no meio prisional a implementação desta medida face às graves taxas de hepatite e de SIDA, a qual seria extremamente importante para minimizar estes problemas…

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Orador: — Concluo já, Sr. Presidente.
Gostaríamos de saber se, de facto, o Governo vai avançar com esta medida, dando cumprimento ao Plano Nacional contra a Droga e a Toxicodependência.

Aplausos de Os Verdes e de Deputados do PCP.

O Sr. Presidente: — Sr. Primeiro-Ministro, tem a palavra para responder.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes, acho que não tem a mínima razão.
A legislação que o Governo aprovou define regras de segurança e regras de precaução para que a anterior situação, que era de total liberalidade, não pudesse continuar.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Em que estudos se baseou?!

O Orador: — A legislação vai, portanto, no sentido de definir essas regras, de tornar a situação anterior, que era totalmente liberal, numa situação mais exigente relativamente aos OGM.
Por outro lado, os OGM passíveis de utilização são apenas os que foram objecto de um parecer positivo por parte do Comité Científico.
Assim, não posso deixar de lhe dizer que só um mero preconceito pode considerar permissiva essa nossa lei, porque permissiva era a actual situação em que não existia qualquer exigência relativamente ao cultivo de OGM. Portanto, neste domínio, não tem razão nem posso dar-lha.
No que diz respeito às prisões e ao que referiu relativamente às políticas de redução de danos, quero dizer-lhe que, em meio prisional, tal como na sociedade, desenvolveremos uma política de combate à toxicodependência numa abordagem pragmática e não dogmática. Utilizaremos todos os programas de redução de danos que possam contribuir, desde logo, para a redução da violência e do impacto das doenças infecto-contagiosas e também para proteger a saúde do toxicodependente; utilizaremos todos os programas, desde que esses programas tenham uma avaliação que conduza a bons resultados.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): — Muito bem!

O Orador: — Não somos pelo experimentalismo, mas não temos qualquer preconceito ideológico que não permita utilizar aquele que já se sabe conduz a bom resultado.
A propósito da troca de seringas nas prisões, o que esperávamos era que, passados estes últimos três anos, esse trabalho de avaliação de outras experiências nos restantes países já estivesse feito. Afinal de contas, não está! Mas devia estar. É que nós olhamos para todos esses programas de redução de danos sem qualquer preconceito. E todos aqueles que servirem para melhorar a saúde do toxicodependente, para prevenir a contaminação por doenças infecto-contagiosas e para reduzir o nível de violência serão adoptados por este Governo.
É tudo o que posso dizer-lhe sobre esta matéria, Sr. Deputado. Esta será a nossa orientação.

Aplausos do PS.

Quero ainda lembrar-lhe que quem alterou a política da droga em dois aspectos fundamentais, o de não criminalizar o consumo e o de valorizar as políticas de redução de danos, foi o Partido Socialista quando esteve no governo e quando aprovou a última estratégia nacional de luta contra a droga.

Aplausos do PS.

Protestos de Os Verdes.

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