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Intervenções na Ar (Escritas)
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02/07/2014
Debate sobre o estado da Nação
Intervenção da Deputada Heloísa Apolónia
Debate sobre o estado da Nação
- Assembleia da República, 2 de Julho de 2014 -

1ª Intervenção
Sr.ª Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, quando ouvi a sua intervenção inicial, fiquei com a nítida sensação, e depois o debate acabou por confirmá-lo, que o Sr. Primeiro-Ministro fala como se se tratasse de um vitorioso, o que me parece até, de certa forma, confrangedor face à situação que o País atravessa. De facto, o Sr. Primeiro-Ministro fala única e exclusivamente do que e como lhe interessa — também já percebemos isso.
Pergunto-me porque é que o Sr. Primeiro-Ministro não terá falado dos níveis da dívida pública em Portugal, que aumentaram substancialmente desde que este Governo tomou posse. Foram qualquer coisa como mais 60 000 milhões de euros, o que não é coisa para brincar.
O Sr. Primeiro-Ministro, entretanto, fala do desemprego, mas não fala do quadro de formação dos números do desemprego, porque eu nunca ouvi o Sr. Primeiro-Ministro falar dos níveis de emigração e da forma como isso se pode relacionar com os níveis de desemprego. Dá-me até ideia que o Sr. Primeiro-Ministro tem tendência para desvalorizar o fenómeno da emigração! Ora, se falamos de qualquer coisa como 350 000 pessoas à procura de emprego lá fora, porque cá dentro não conseguem, isto, na ótica do Sr. Primeiro-Ministro, terá ou não repercussão nos níveis de desemprego? Eu gostava de saber, porque há determinadas coisas que não dá para perceber.
O Sr. Primeiro-Ministro, quando fala dos desempregados, não refere que mais de metade desta gente não recebe subsídio de desemprego. Como é que se subsiste desta forma?!É também com estas coisas que gostávamos de ver o Primeiro-Ministro de Portugal preocupado, porque acho que é legítimo pedir isso ao chefe do Executivo português.
Por outro lado, há outra coisa que talvez fosse conveniente o Sr. Primeiro-Ministro explicar neste debate: como é que é possível compreender que, nestes três anos terríveis, como todos os qualificam, as grandes fortunas, as grandes riquezas em Portugal tenham aumentado e os portugueses, na sua generalidade, tenham empobrecido? Alargou-se a bolsa de pobreza. Uma coisa tem tudo a ver com a outra, porque para se concentrar riqueza numa minoria tem de se alargar a pobreza a uma vasta maioria. Isto é mesmo assim, está nos livros, mas o problema, Sr. Primeiro-Ministro, é quando está na realidade.
O Sr. Primeiro-Ministro acha que não, pelo que vai, certamente, explicar o fenómeno.
Naturalmente que o Sr. Primeiro-Ministro terá reparado que, durante o seu mandato, voltou a falar-se de fome em Portugal. Os níveis de pobreza, de facto, foram extraordinariamente relevantes e isso tem, depois, implicações com muitas outras coisas. Por exemplo, o Relatório de Primavera do Observatório Português dos Sistemas de Saúde vem dizer que os níveis de pobreza têm a ver com o aumento significativo de problemas na saúde. E, Sr. Primeiro-Ministro, os serviços de saúde não estão a dar a resposta necessária, porque, o Governo deliberadamente desinvestiu no setor da saúde, como de resto disse, e em muitos outros setores.
Também considero que a qualidade dos serviços de saúde é talvez um dos indicadores mais evidentes do estado de desenvolvimento de um determinado país. E, Sr. Primeiro-Ministro, nesta matéria, estamos a avançar para um nítido estado de subdesenvolvimento, porque a lógica do Governo em tornar os serviços públicos mais eficazes não é nada daquilo que o Sr. Primeiro-Ministro acabou de dizer, pois não é isso que os portugueses sentem. Na verdade, voltámos a ver filas imensas em muitos serviços de saúde e aquilo que o Governo está a fazer é encerrar abruptamente serviços de saúde, de finanças, tribunais, escolas, etc., etc., etc. Está, portanto, a afastar os serviços das pessoas que precisam deles.
Quanto à política de educação, o Governo tem um único objetivo central, que é o de despedir professores. Diz-se preocupado com as crianças e os jovens, mas não está nada, pois encerra escolas e não manifesta preocupação rigorosamente nenhuma com as escolas e turmas que estão superlotadas e onde, nitidamente, a qualidade do ensino reflete essa realidade.
Depois, Sr. Primeiro-Ministro o Governo tem um discurso absolutamente contraditório. Diz que agora vamos passar para o «rearranque» da economia, mas vai manter — e, quem sabe, agravar até nalguns aspetos — a austeridade. Isto é contraditório, pois o Sr. Primeiro-Ministro, que assumiu aqui muitas vezes que a austeridade é recessiva, diz que vai apostar na economia mas não põe de lado um eventual aumento do IVA. Ou põe? Perguntei-lhe uma vez, mas não respondeu. Talvez consiga hoje uma resposta.
Sr. Primeiro-Ministro, a atitude do Governo é outro grande problema com o qual o País se confronta. Já não vou falar daquelas coisas que o Sr. Primeiro-Ministro, em campanha eleitoral, e depois no decurso do mandato, disse que não fazia e depois fez, como a subida dos impostos, os cortes nos salários, os cortes nas pensões, etc., mas vou falar-lhe talvez daquilo que o Sr. Primeiro-Ministro, no início do ano, disse ao comprometer-se perante esta Câmara de que, em abril, apresentaria uma lista dos edifícios públicos com amianto para cumprir a Lei n.º 2/2011.
Deveria ter chegado aqui e ter dito: «Olhem, Sr.as e Srs. Deputados, não consegui cumprir aquilo a que me comprometi convosco e, de facto, essa lista não vai ser apresentada em abril, mas, sim, em junho». Bom, não disse assim, não foi educado dessa forma, disse de outra maneira, fez de conta que não tinha dito que era em abril e passou para junho, como se ninguém se lembrasse de nada. Acontece, Sr. Primeiro-Ministro, que o mês de junho acabou e a lista dos edifícios públicos com amianto não apareceu. Ora, queria hoje, por favor, uma resposta, por parte do Sr. Primeiro-Ministro, mas não para inventar, mas sim para cumprir.

2ª Intervenção
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Primeiro-Ministro dizia, há pouco, numa resposta a Os Verdes, que nem era tanto uma questão de se sentir vitorioso face à realidade do País, era mais uma questão de não se sentir derrotado.
Acho que o Sr. Primeiro-Ministro devia olhar para o resultado das últimas eleições. De facto, não deve viver só de eleições, mas não deve deixar de interpretar os resultados e a mensagem que claramente os portugueses lhe deram, que foi a de uma brutal derrota da política que este Governo tem implementado.
Depois, é extremamente preocupante a forma como o Sr. Primeiro-Ministro — e desculpe-me a expressão que vou utilizar — brinca com a realidade. Fazendo o quê? Desvirtuando essa mesma realidade.
Repare que o Sr. Primeiro-Ministro teve o desplante de responder a Os Verdes dizendo que o fosso entre os mais ricos e os mais pobres não aumentou em Portugal, quando o INE, este ano, nos disse que era exatamente isso que tinha acontecido, que o fosso entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres aumentou devido às políticas implementadas por este Governo.
Portanto, esta negação da realidade não fica bem ao Sr. Primeiro-Ministro, porque ela não se encaixa na vida concreta que as pessoas vivem no seu dia-a-dia.
Depois, esta negação da realidade, como eu estava a dizer, acontece permanentemente.
Quando viemos aqui, pela primeira vez, denunciar que havia muitas crianças — e eram denúncias que as escolas nos apresentavam — a chegar à escola sem terem o pequeno-almoço tomado, a primeira reação foi a de dizer: «não há provas de que isso aconteça».
Quando viemos aqui, pela primeira vez, denunciar que havia estudantes a abandonar o ensino superior, porque não tinham condições de o pagar, a primeira reação do Governo foi a de dizer: «não há provas de que isso aconteça».
Quando viemos aqui dizer que as pessoas têm dificuldade, cada vez mais dificuldade, de acesso à saúde, fundamentalmente os idosos, a primeira reação do Governo foi a de dizer: «isso não é verdade».
E depois ouvimos coisas absolutamente extraordinárias como o Sr. Vice-Primeiro-Ministro dizer, aqui, na Assembleia da República, neste Plenário, que quem perdeu rendimento social de inserção foi porque tinha mais de 100 000 euros na conta… Gostava de saber se os portugueses que nos estão a ouvir, designadamente os que perderam o rendimento social de inserção, se enquadram nesta realidade. Isto é uma rotunda mentira! O Governo suporta as suas políticas em rotundas mentiras e isso, obviamente, não dá resultado.
Quando debatemos aqui a questão do aumento do IVA houve Deputados da maioria a dizer, inclusivamente, que havia estabelecimentos de restauração a mais e que o aumento do IVA era uma forma de regular o número de estabelecimentos de restauração.
Isto é um absurdo! Aliás, a política deste Governo é um absurdo, a argumentação é, obviamente, absurda, porque não se consegue sustentar em mínimos padrões de justiça.
Depois, falemos em natalidade. Os senhores podem proferir muitos discursos sobre a vossa vontade de inverter esta realidade mas o facto é que a baixa da taxa de natalidade é uma questão extraordinariamente preocupante e não se inverte enquanto as pessoas não conseguirem reganhar esperança no futuro e condições de vida.
As pessoas que sabem que não conseguem suportar a educação de um filho ou não conseguem criar um filho optam, com responsabilidade, por não o ter, Sr. Primeiro-Ministro, e isto, de facto, é delapidador, porque o que o Governo se propõe fazer para os próximos tempos é aplicar mais austeridade, mais aumento de impostos, corte de salários ou corte de pensões.
Repare, Sr. Primeiro-Ministro, que para as pessoas tanto se lhes dá que o senhor retire por via do aumento dos impostos ou por via do corte dos salários e das pensões, pois o certo é que as pessoas ficam sempre com menos. Os senhores fazem sempre esse jogo de que se não é por via da despesa é por via da receita, mas para as pessoas vem a dar no mesmo.
O que os senhores têm a fazer é repor o que retiraram para que as pessoas consigam reganhar condições de vida, para, por exemplo, Sr. Primeiro-Ministro, pensarem em ter filhos, ou para serem também agentes redinamizadores da economia, que é uma coisa de que estamos efetivamente a precisar.
É que o Sr. Primeiro-Ministro, quando faz as suas contas, nunca conta com a riqueza que o País podia ganhar com a redinamização da economia. E não conta porquê? O senhor não vai ter força nem folego, com as políticas que está a praticar, para redinamizar a economia e por essa via gerar a riqueza que o País precisa.
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