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03/10/2014
Debate sobre o Serviço Nacional de Saúde: erros do passado e desafios do futuro
Intervenção do Deputado José Luís Ferreira
Debate sobre o Serviço Nacional de Saúde: erros do passado e desafios do futuro
- Assembleia da República, 3 de Outubro de 2014 -

1ª Intervenção
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, apesar do discurso do Governo e do discurso do Sr. Ministro da Saúde, a verdade é que os portugueses já há muito perceberam que o Governo pretendeu e continua a pretender tratar da saúde ao Serviço Nacional de Saúde.
Aliás, só isso explica os cortes sucessivos que este Governo tem vindo a impor ao SNS: entre 2010 e 2014, e segundo dados do Governo, as transferências do Orçamento do Estado para o SNS emagreceram 14,3%. É muito? É pouco? Bom, a verdade é que emagreceram 14,3%!
Mas o pior é que as transferências para as parcerias público-privadas, no mesmo período, engordaram 166,8%.
Ora, perante estes cortes brutais, que este Governo impôs desde que tomou posse, tudo falta no Serviço nacional de Saúde: falta pessoal, faltam medicamentos, faltam consumíveis, faltam camas, falta tudo! O que não tem faltado é dinheiro do Orçamento do Estado para os grupos privados da saúde, para as companhias de seguros, para as empresas de trabalho temporário e para as parcerias público-privadas.
O Sr. Ministro fala muito na sustentabilidade financeira do SNS e até fez um alerta como que, descendo dos céus, virando-se para os mortais, dizendo: «Não se iludam; sem sustentabilidade financeira não existirá Serviço Nacional de Saúde.»
Sr. Ministro, a propósito da sustentabilidade financeira do SNS, as companhias de seguros continuam a ser financiadas pelo SNS, agravando ainda mais as suas dificuldades económicas.
Nós temos vindo a constatar, todos os anos, que o tratamento de milhares de acidentes de trabalho e de doenças profissionais é suportado pelo SNS, porque as companhias de seguro, que deviam suportar os encargos desses tratamentos, recusam-se a fazê-lo, dizendo que não são acidentes de trabalho ou que não são doenças profissionais e só depois do recurso às vias judiciais é que as companhias de seguros se disponibilizam a suportar esses encargos.
Esta situação já vem de há muitos anos a esta parte e eu gostaria de saber o que é que o Governo tem vindo a fazer ao longo do tempo, já lá vão quase quatro anos, para travar este abuso por parte das seguradoras.
Sr. Ministro, para terminar, temos notícia de que o serviço de urgência do Hospital do Barreiro encerrou mais uma vez esta semana, porque excedeu a sua capacidade de resposta perante as necessidades da população.
Eu gostaria que o Sr. Ministro nos confirmasse esta notícia, o que é que se passou e quando é que pretende abrir esse serviço.

2ª Intervenção
Sr. Presidente, Sr. Ministro: À intervenção que eu fiz, deu zero respostas. Coloquei duas questões, não obtive nenhuma resposta. O Sr. Ministro limitou-se a fazer considerações gerais, falou do combate ao desperdício, quando nós sabemos que o Tribunal de Contas já há muitos anos recomenda um levantamento, que o Governo ainda não fez.
Coloquei a questão sobre o encerramento do serviço de urgências do Hospital do Barreiro, mas o Sr. Ministro nada disse.
Levantei uma questão sobre as companhias de seguro, e o Sr. Ministro nada disse.
Mas, Sr. Ministro, o silêncio também tem uma leitura, e a leitura que nós fazemos do seu silêncio é que se confirma o que temíamos: o Governo nada fez para travar este abuso das companhias de seguro, que continuam a não suportar os custos dos encargos com o tratamento de acidentes de trabalho e de doenças profissionais a que estão obrigados. Ficamos a saber que é o Serviço Nacional de Saúde que continua a suportar custos que deveriam ser suportados pelas companhias de seguro.
Por outro lado, Sr. Ministro, temos milhares de enfermeiros no desemprego e outros tantos a emigrar por falta de emprego, mas, ao mesmo tempo, há por todo o País falta de profissionais qualificados em todas as unidades. Não se percebe!
No Hospital Garcia de Orta, ainda recentemente, dois doentes, em estado crítico, tiveram de ficar nas urgências por falta de vagas na unidade de cuidados intensivos. A falta de enfermeiros levou à redução de oito para seis enfermeiros na unidade de cuidados intensivos deste Hospital.
No Hospital de São José, há médicos a fazer o dobro dos turnos para evitar a redução de camas nos cuidados intensivos.
No Francisco de Xavier, o número de enfermeiros de serviço também não chega para garantir a qualidade em muitos dos turnos. Desde a tomada de posse deste Governo até hoje, o número de enfermeiros nas urgências deste Hospital passou de 90 para 60.
De uma forma geral, todos os hospitais do País se deparam com a falta de camas nos cuidados intensivos e, sobretudo, de profissionais qualificados.
O Hospital de Santa Maria da Feira, o Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga, o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra são apenas alguns dos muitos exemplos que podiam aqui ser dados.
Depois de tudo isto, ainda vem o Governo dizer que continua a trabalhar para melhorar o acesso dos portugueses aos cuidados de saúde. Isto fez-me lembrar um comentário que o Sr. Ministro uma vez aqui nos fez, dizendo que fechava serviços para melhorar o acesso aos cuidados de saúde por parte dos portugueses.
Ó Sr. Ministro, isso só dito sob reserva mental!

3ª Intervenção
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: 35 anos do Serviço Nacional de Saúde são 35 anos ao serviço dos portugueses, ao serviço da saúde das populações.
Uma das mais importantes conquistas de Abril, o SNS permitiu melhorar substancialmente os indicadores de saúde em Portugal, aumentar a esperança de vida e diminuir em muito a mortalidade infantil.
É por isso que se torna imperioso defender e reforçar o Serviço Nacional de Saúde, enquanto instrumento fundamental de acesso à saúde para a generalidade das famílias portuguesas, enquanto serviço público universal, geral e tendencialmente gratuito, como, de resto, se encontra consagrado na nossa Constituição.
Mas defender e reforçar o Serviço Nacional de Saúde não se consegue com as políticas e com os cortes que este Governo tem vindo a fazer.
Entre 2010 e 2014, o Governo impôs um corte na redução da despesa com o Serviço Nacional de Saúde de 1667 milhões de euros — dados do próprio Governo.
E a forma como este Governo tem fragilizado o SNS, através de cortes sucessivos, contrasta grosseiramente com a disponibilidade do Governo em continuar a financiar os grupos económicos privados da saúde. Se, por um lado, as transferências do Orçamento do Estado para o Serviço Nacional de Saúde diminuíram 14,3%, por outro lado, as parcerias público-privadas aumentaram 166,8%. Tudo normal, tudo muito democrático!…
Sucede que, com cortes desta dimensão, os hospitais públicos veem-se obrigados a acumular prejuízos para poderem funcionar. Só conseguem funcionar, endividando-se. É a única forma, não há volta a dar — «sem ovos não se fazem omeletes».
Não há dinheiro para os hospitais, diz o Governo, o mesmo Governo que continua a fomentar o negócio dos privados da saúde, que, aliás, constitui um verdadeiro e monstruoso escândalo.
Ao contrário dos restantes países da Europa, em Portugal, 85% dos doentes em tratamento de hemodiálise encontram-se em centros privados. Duas multinacionais tratam do negócio, pago com dinheiro do Orçamento do Estado, portanto, pago pelos contribuintes. Estamos a falar, nada mais, nada menos, de 269 milhões de euros por ano.
E depois não há dinheiro para o Serviço Nacional de Saúde! Não há dinheiro para contratar mais profissionais de saúde mas há dinheiro para pagar às empresas de trabalho temporário.
Só em 2012, o custo com as empresas de trabalho temporário na área da saúde foi de 63,2 milhões de euros.
Temos um número de enfermeiros por 1000 habitantes muito abaixo da média dos países da OCDE e o País tem milhares de enfermeiros desempregados e outros tantos que se veem obrigados a emigrar por falta de emprego.
A tudo isto o Governo chama sustentabilidade.
O Sr. Ministro da Saúde, do alto da sua iluminada visão, vem anunciar aos quatro ventos: «não se iludam, sem sustentabilidade não existirá Serviço Nacional de Saúde».
Pois não, Sr. Ministro, mas, entretanto, o combate ao desperdício dos recursos financeiros do Serviço Nacional de Saúde, que nas contas do Tribunal de Contas representa 25% do montante afeto à saúde, continua adiado, porque o Governo nunca fez esse levantamento e muito menos tomou medidas de combate ao desperdício.
«Não se iludam, sem sustentabilidade não existirá Serviço Nacional de Saúde» — avisa o Sr. Ministro, em jeito de ameaça. Pois não, Sr. Ministro, entretanto, o Serviço Nacional de Saúde continua a financiar as seguradoras, perante a passividade cúmplice do Governo; entretanto, as empresas de trabalho temporário continuam a engordar a sua sustentabilidade; entretanto, as multinacionais da hemodiálise continuam a «esfregar as mãos» perante a irresponsabilidade deste Governo; e, entretanto, as parcerias público-privadas na saúde continuam a determinar custos absolutamente escandalosos para o Orçamento do Estado.
Os encargos em 2014, e só até ao meio do ano, com parcerias público-privadas na área da saúde atingiram 500 milhões de euros e estão a crescer assustadoramente.
Para terminar, deixo apenas uma mensagem ao Sr. Ministro. Sr. Ministro, não se iluda, com este Governo não teremos sustentabilidade, nem no Serviço Nacional de Saúde nem teremos sustentabilidade como povo.


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